segunda-feira, 9 de maio de 2011

O outro, esse desconhecido – A avó

. . Por Caio Moretto, com 6 comentários

Quem a conheceu sabe bem do que eu falo. Minha avó era uma personagem de ficção que escapou para a realidade, uma figurinha única e inesquecível, de temperamento forte e comentários afiadíssimos.

A Mari, minha noiva (sim, escrevi essa passagem só para dizer que estou noivo mais uma vez), passou pelo teste logo no primeiro dia. Íamos ao teatro na companhia de meus pais e aproveitamos a viagem a São Paulo para fazer uma visita aos avós. Dirigindo a palavra à minha mãe a vó perguntou: “mas pode ir de jeans?”. “Vó, essa de jeans é a Mari, minha namorada”. Não respondi assim, mas a história foi mais ou menos essa.

foto_voAntes de entrar no ciclo que tirou toda sua saúde, minha avó teve um período de recuperação. Lembro que estávamos todos em sua casa e ela conseguiu se sentar na cama para nos receber, o que já era um ótimo sinal de progresso. Todos conversavam. Ela ouvia mais do que falava. Até que juntou forças e entrou com um comentário certeiro. Uma patada, de leve, em meu avô. Algo do tipo “Vai esperar eu sair dessa maca e servir alguma coisa para eles comerem?”. Meu avô já estava fragilizado com a situação e ficou nitidamente sentido com o comentário. Seus olhos marejaram um pouco, ele virou para nós e confessou, com uma saudade alegre e doída:

- Essa é a Cema que eu conheço.

Acho que é dos defeitos que a gente tem mais saudade, daquele pedacinho do outro que faz a gente sentir que o conhece de verdade, que a gente identifica por trás da máscara e da etiqueta.

Eu nunca conversei muito com minha avó. Apenas ouvia suas histórias, na maioria das vezes sobre os outros, e tinha um carinho incondicional de neto. Dessas frases que a gente guarda no canto da memória, no baú do “como minha avó dizia...”, tenho apenas duas. A primeira ela seguia ao pé da letra. “É mais gostoso dar um presente do que receber”. Lembro do calendário na sala com todos os aniversários e de atualização que ela fazia a cada virada de ano. A segunda eu acho que ela disse uma única vez, mas a memória da gente tem dessas coisas, grava o que quer gravar. “Ainda bem que ninguém consegue ouvir o que gente pensa”, ela me disse.

Ainda bem, vó.

Pena que a gente pergunte tão pouco.

6 palpites:

Se puder, continue escrever as passagens com sua Avó. Esta, por exemplo, me emocionou muito.
Parabéns Moretto!
Abçs

W/

"é dos defeitos que a gente sente mais saudades"

"a memória da gente tem dessas coisas, grava o que quer gravar"

Simples e ao mesmo tempo tão cheio de sentidos...

Sua vó é quem está orgulhosa agora...

Abraços

Filhão,

Muito bonito.

Obrigado por compartilhar.

bjs,

Ô Caio, você devia ir mais para esse lado de contar histórias; gostei muito; você que o que toca sempre é o mais simples

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