VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Coluna do Leitor - Sobre a homofobia, a influência religiosa na política e... o mesmo amor

. . Por Mistura Indigesta, com 1 commentário



Hoje, dia 17 de maio, é o Dia Internacional de Combate à Homofobia. A data não foi uma convenção aleatória: há exatos 23 anos, em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID), declarando que a mesma não constituía doença, distúrbio ou perversão. Até então, o homossexualismo constava na lista da CID desde o ano de 1977 (“homossexualismo”, com o termo em itálico, mesmo, só para que atentemos ao sufixo “ismo”, que atribuía à homossexualidade -- e ainda atribui, simbolicamente -- caráter patológico).

Curiosamente, o Brasil “despatologizou” a homossexualidade antes mesmo da resolução da OMS. Em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerá-la doença e, em 1999, normatizou a conduta dos profissionais da área frente à questão. “Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.”, afirma passagem que consta na resolução 1 de 22 de março de 1999 do Conselho. Digo “curiosamente” porque, apesar de tal avanço na época, os episódios ocorridos particularmente nos últimos três meses em nosso cenário político mostram uma realidade bastante retrógrada.

Claro que todos sabem que estou falando da polêmica atuação do deputado-pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Desde que o pastor foi eleito, em março, reações revoltadas e acaloradas vêm sendo desencadeadas devido às suas declarações, sempre conflitantes com a função que exerce. A última sandice de Feliciano foi a decisão de colocar em pauta a suspensão da mesma resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 1999, além de propor cadeia por até três anos para quem discriminar pessoas que se atraiam pelo sexo oposto(!!!). Como se existisse algo como “heterofobia”.

Parece piada digna de figurar entre as postagens do Piauí Herald, Sensacionalista ou G17, mas não é. E o lado bom de tudo isso – e provavelmente o único – é que, a cada declaração carregada de ignorância e preconceito do “homem de Deus” que ocupa a CDH, trazem-se à tona novamente questionamentos acerca da laicidade do Estado e da negligência dos direitos civis de minorias (em especial da comunidade LGBT). Enquanto isso, o cenário de polarização de posicionamentos mostra-se cada vez mais radical: de um lado, os religiosos intolerantes travestidos de defensores da “moral e da família”, bradando contra a “ditadura gay”; do outro, os defensores da liberdade individual e da igualdade de direitos, mas também os que atacam crenças e religiões de terceiros de forma ignorante e generalizada.

Religião e (in)tolerância: quatro parágrafos foram necessários para chegar até aqui, o objetivo inicial de todo o texto. Por quê? Porque a luta representada pelo dia de hoje é contra um problema ainda gritante no Brasil. Temos número recorde de violência contra homossexuais, apesar de sediarmos a maior Parada do Orgulho Gay do mundo e de, há poucos dias, o casamento civil igualitário ter sido oficializado em território nacional; porque o discurso de ódio propagado por alguns líderes religiosos que exercem tamanha influência no universo político e midiático é extremamente nocivo, em um país de maioria cristã; porque, no meio religioso, aqueles que se dispõem ao diálogo para ir além das limitações de pensamento e imposições totalmente incompatíveis com o período que vivemos são censurados ou afastados de suas posições (vide caso da excomunhão de padre Beto, em Bauru). Porque homofobia não é apenas violência física, não é só lâmpada na cara de um passante na Av. Paulista.

Por todas as consequências geradas pela forte influência cristã no meio político, que interferem diretamente na vida cotidiana e no direito das minorias (especialmente da grande minoria LGBT), a dicotomia “religião vs. tolerância” se reafirma cada vez mais. Mas essa não é a única realidade, e é saudável e necessário que não seja.

É interessante mencionar pesquisas recentes que apresentam dados que vão de encontro à ideia de que homossexualidade e religião são incompatíveis e não podem coexistir: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em 2012, que 47,4% dos casais homossexuais no país se dizem católicos, e 20,4% afirma não ter religião -- o que não é sinônimo de descrença em Deus ou de ausência de qualquer fé; outra pesquisa curiosa, “O Crente e o Sexo”, foi realizada pelo BEPEC – Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã. Segundo a mesma, uma parcela de evangélicos já teve ou mantém relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, mesmo os casados.

Tais dados mostram que, claramente, dogmas e passagens bíblicas não são suficientes para suprimir qualquer comportamento, sentimento ou modo de ser, ao menos no que diz respeito à vida privada (velada), e não pública, de um sujeito. Independente do discurso religioso, muitos oprimidos pelo mesmo ainda assim se mantém fiéis ao que creem – e talvez isso signifique que, assim como sentimentos homoafetivos, a crença em algo não é exatamente uma escolha.

Frente às estatísticas que as pesquisas citadas anteriormente apresentam, há lugar para a fé e a religião na vida de homossexuais. Porém, a questão é outra: há lugar para homossexuais crentes, sejam eles católicos ou protestantes?




Luiza Judice, recém formada em jornalismo e uma das diretoras-produtoras do curta-metragem O Mesmo Amor.



segunda-feira, 13 de maio de 2013

Coluna do Leitor - Ainda sobre cadeias e ladrões

. . Por Mistura Indigesta, com 1 commentário

Acabei de tomar boldo isprimido na água. Cê pega o boldo, amaça ele com uma colher de pau em três dedos d'água. Depois deixa uma hora na geladeira. Daí toma. Remedião bom contra essa ressaca.
*          *          *

vida

nasce
estuda
estuda
estuda
estuda
trabalha
trabalha
trabalha
trabalha
trabalha
trabalha
trabalha
aposenta
e morre

Fiz esse “poema” há uns dois meses atrás. Declama-se bem devagar. Na primeira declamação que fiz minha amiga gargalhou. Na segunda, uma outra amiga não gostou muito não. “Nossa! Que visão triste das coisas...” Não. É só um jeito de enxergar um troço que eu tratei como deus durante muito tempo: o trabalho.

Minha família sempre ensinou que trabalhar era bonito. Comecei aos treze como panfletista. Entregar papel na rua, manja? E ófice bói. Eu gostava. Eu tinha a vida pela frente. Eu tinha muitos trabalhos ainda pra fazer. Muitos trabalhos bonitos. Tinha muito a crescer.

Tinha que crescer. Minha mãe era professora de educação infantil, tinha sido bancária. Eu ia ser algo assim. Fui criado pra isso. Esse seria o fim. O sonho. Imagina passar num concurso? Estabilidade. Salarinho todo mês. Nossa! Ia ser muito bom.

Da mesma forma que um filho de médico vai ser médico ou engenheiro ou juíz, um filho de gari pode ser gari ou ajudante de pedreiro ou mesmo pedreiro - ou até professor ou enfermeiro quem sabe? -, o filho de grande empresário vai continuar os negócios do pai assim como o filho do dono da mercearia pode cuidar também da budega, eu ia me encaixar dentro de alguma regra dessas aí. Não ia ser ajudante de pedreiro. Nem médico. Nem empresário. Nem dono de budega. Essas profissões estavam fora do meu universo. Ia ser burocrata, bancário, professor. E foi o que fui.



*          *          *

O boldo é um remédio impressionante. Você planta ele em qualquer vaso ou tanque com terra. Se gostas de álcool e sentes ressaca tenha um pé de boldo em casa. É praga, dá em qualquer lugar. 
Não compre o boldo de fazer chá não, esse industrializado. É uma merda. Boa é a receita que dei no início do texto. O boldo é um santo remédio. Meu novo deus chama boldo.


*          *          *

Passei no concurso pra bancário com vinte e um anos. Fiquei muito feliz. Era a realização do meu sonho pessoal. Lembro bem das pessoas me parabenizando. Foi porque cancelaram algumas questões de conhecimentos de informática – queu não tinha nenhum – que passei. Banco público. Concursado. Estável.

Setenta dias depois pedi demissão.

Setenta dias depois eu estava deprimido.

Setenta dias depois minha vida passou diante dos meus olhos.

Atribuí primeiramente minha depressão – e o fato deu me sentir um merda por não conseguir me manter no trabalho dos sonhos – ao fato do trabalho dos sonhos ser num banco. Um lugar que dá muito dinheiro pra quem tem muito dinheiro e muitas dívidas pra quem tem muitas dívidas. O sistema. A representação do mal do capitalismo. E meu gerente-chefe era um gradessíssimo filho da puta. Dá vontade até de dizer o nome dele aqui, mas não vou fazer. Só pra você ter uma noção fiquei sabendo que ele sofreu um acidente de carro um ano depois deu ter saído e a única coisa que eu conseguir dizer foi: “ele morreu? ele morreu?” e o fato de ter sobrevivido me decepcionou muito.

Então bora pular essa parte que tá ficando chato o texto. Parece que to fazendo terapia aqui cocês. E por que raios o título é ainda sobre cadeias e ladrões?? Já chego lá. Uma nova pausa aí embaixo. Agora sem boldo.


*          *          *

É possível você fazer o que quiser na hora que quiser do jeito que quiser? Claro, sem ferir o corpo de ninguém, apenas o seu próprio, se quiser. É possível? Tem gente que vive sem estar enquadrado ou tudo é sistema, tudo é capitalismo, tudo é submissão ao relógio?? Ando bebendo de manhã. Assim como nos melhores carnavais da minha vida. Liberdade era abrir uma lata de cerveja pela manhã. Ando abrindo.


*          *          *

O banco não rolou. Bora prestar outro concurso. E passei. Agora burocrata fazedor de crachá para trabalhadores terceirizados numa universidade pública. E já no terceiro dia senti uma vontade doida de quebrar tudo. Mas eu tinha que resistir. Não se pode matar um deus de repente. Resisti por quase dois anos. Faltava muito no serviço. Sempre tinha que ir de tarde no postinho dizer queu tava com caganeira ou outra indisposição qualquer. Pra ter o atestado.

Saí, mas ainda precisava desse deus. Então segui entrando e saindo de trabalhos. E toda vez me sentia triste por não conseguir continuar. E toda vez me desapontava comigo mesmo. Me sentia um merda. Segue nova pausa, acho que a penúltima.


*          *          *

Eu tinha um monte de quadrinhos guardados numa gaveta. Sempre li muitos quadrinhos. Na revista do Geraldão tinha um cartunista, irmão do Glauco, chamado Pelicano, que fez um quadrinho chamado Operário Pedrão. É na revista Geraldão número 3, quando o pai do Geraldão volta pra casa. Quando vi aquele traço do Pelicano percebi que podia ser cartunista. Mas esses sonhos a gente mata bem cedo. Com 15 anos, panfletista, futuro burocrata, já nem pensava mais nisso.

*          *          *

Depressão pós pedir demissão pela enésima vez. Dirijo pra relaxar. Ideias. Desenho. Objetivo: matar o Deus Trabalho. O Espremedor de Culhões do Bukowsky, o melhor conto dele, entrando na mente. Amigos desenhistas, vários. E dois que resolveram fazer uma empreitada humilde que acabou virando trabalho também. Só que com possibilidade de se fazer na hora que quiser. Ou de não fazer, se quiser. Ou de fazer chapado, alcoolizado, “livre”.

*          *          *

O melhor termo é vagabundo. Vagabundo mesmo. É isso que sou. E somos vários. E estamos em todos os lugares. Em todas as ruas. E já assumimos isso. E uns já nem ligamos pra opinião de quem acredita no deus trabalho. E vamo se virando como podemos. E tamo vivo. 


*          *          *

A nova profissão eu chamava de vendedor de gibi. Ou vendedor de zine. Tem gente que chama de mangueio, pra diferenciar de trabalho. Pode ser também. Tem gente que gosta de chamar de trabalho mesmo. E tem gente que faz malabares no semáforo, e vende artesanato, poesia, quadro, caricatura, ou vende o alimento que faz e por aí vai... Tem muita gente não obedecendo nem relógio e nem patrões. A merda é que todos necessitamos duns papéizinhos picados com assinatura da presidenta pra trocarmos pelas coisas básicas à sobrevivência.

Tem o filho de gari, que mora na periferia da capital, e faz malabares no semáforo.
Tem o meu caso. Que tive acesso a livros, a quadrinhos do Geraldão, Henfil, Laerte, Angeli, desde criança, e vendo minhas brisa sobre esse mundo doido.
Tem o caso do filho do megaempresário que vive com dinheiro do pai sem trabalhar.
Tem o caso do filho do médico, que largou medicina no terceiro ano e foi viajar pra europa.

Tem o caso do filho do dono da budega, que virou professor de violão.
Mas tem também o caso do Miltinho, filho da costureira Maria, mãe-solteira de 5, que conviveu com o padrasto alcoólatra que vendia cocaína(1) pra sobreviver, e que – ao contrário dos 4 irmãos que tem carteira assinada – sobrevive praticando furtos.
E aí a gente vai prender o Miltinho?
E se vamo, vamo prender o Miltinho por quê?
Porque ele nasceu onde nasceu e “Ó! Roubou meu celular!!! Ó! Furtou minha bicicleta!! Ó! Levou meu carro!! Pega!! Prende!! Vagabundo!!”
Você nasceu onde nasceu. Eu nasci onde nasci. O Miltinho nasceu onde nasceu. Acaso. Não temos culpa. E não devemos ser encarcerados porque somos o que somos.

Não há culpado nem inocente. Cada pessoa ou coisa é diferente. Então baseado em que você pune quem não é você? Raul Seixas disse isso em 1975 no Novo Aeon.

Como disse o Capinam, ninguém deve pagar nem pela vida mais vadia. Eu despedi o meu patrão.

Assim como muita gente anda despedindo. Muito amigo meu. Assim como o Miltinho.

Eu ia terminar com alguma frase retumbante igual no primeiro texto mas encerro aqui. Acho que me fiz entender.


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(1). Mais um entorpecente desse mundão. Tem gente que bebe álcool. Tem gente que fuma maconha. Tem gente que toma lexotan. Tem gente que cheira pó.
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João da Silva é um vagabundo sem vergonha (http://quadrinhosecharges.blogspot.com.br/)

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