"Veja o mundo passar
Como passa
Uma escola de samba
Que atravessa
Pergunto onde estão
Teus tamborins?
Pergunto onde estão
Teus tamborins?
Sentado na porta
De minha casa
A mesma e única casa
A casa onde eu sempre morei..."
(Zeca Baleiro - Minha Casa)
Como passa
Uma escola de samba
Que atravessa
Pergunto onde estão
Teus tamborins?
Pergunto onde estão
Teus tamborins?
Sentado na porta
De minha casa
A mesma e única casa
A casa onde eu sempre morei..."
(Zeca Baleiro - Minha Casa)
Ouvia o trecho desta canção acima com estranheza, imaginando ser muito acomodada a posição do eu-lírico. Oras, que diabos é um sujeito pra dar uma sugestão como essa, uma espécie de Deus sentado numa nuvenzinha celestial?!
Depois de conhecer o trabalho do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, no Tatuapé, em São Paulo, outra perspectiva ganhou o mesmo trecho. No início daquele dia, quando conheci algumas unidades e projetos do Centro Social, passava por mim aquele filme de Sérgio Bianchi, Quanto Vale ou é Por Quilo?. No filme, o diretor explora a relação do discurso da responsabilidade social e da solidariedade que encabeça muitas atividades do terceiro setor, iniciativas atreladas à lógica do lucro, como se fossem empresas de marketing da miséria. Mas o Centro Social me pareceu muito distante do universo retratado pelo filme. De trabalhos com crinças com HIV, sem família, à atividades de reinserção social de população de rua, nenhuma delas se aproximava do objeto da desmedida crítica de Bianchi.
O trabalho que mais me chamou a atenção no Centro Social foi o 'Agente nas Ruas', em que hoje ex-moradores de rua ajudam pessoas em situações de rua. Um agente nos contava a dificuldade das pessoas de reconhecerem a própria situação delas, de procurarem ajuda nos postos de saúde, por exemplo, diante de qualquer problema cotidiano. Muitos não têm documentos de identidade, e não conseguem assumir, também, que não têm residência. Fomos conhecer uma região onde vivem muitas pessoas, abaixo de um viaduto movimentado e ao lado de linhas de metrô.
E então o trecho de Zeca Baleiro me pareceu assustador. Saímos da calçada da avenida abaixo da ponte e caminhamos, subimos e subimos até bem próximo do concreto do viaduto. Por fim, avistamos um porção de madeiras e lajes dispostas verticalmente, ao redor de onde começava um trecho da ponte. O agente se aproximou e bateu nas portas, pediu licença para entrarmos e, assim, passamos adentro.
Um rapaz, muito contente com a presença de três estudantes, nos apresentou cada um dos cômodos da residência. Ao entrar, passamos por uma varanda onde brincavam algumas crianças, em seguida, estava a sala com três sofás dispostos circularmente, uma mesa no centro e uma televisão na lateral de um dos assentos. Logo depois, bem atrás, reconhecia-se a cozinha com a mesa maior no centro, um vaso de flores e as cadeiras ao redor. Guiados pelo rapaz que nos recebeu, passamos aos quartos: duas caçambas, e algumas barracas de lençóis. Pareciam viver ali, mais ou menos, cinco famílias. Não havia paredes, claro, mas as marcas de cada espaço eram evidentes. O teto era a ponte, o som ambiente vinha do trânsito, da chuva e do metrô, e o cheiro de álcool perpassava os cantos, também.
Momento cômico: quem nunca brincou de Tartarugas Ninja? Santa Tartaruga! (risos) O espaço de higiene, como o truta nos dizia antes de nos levar até a boca de acesso à rede de água, que passava no alto e ao fundo, já fora da proteção da ponte, não parecia esgoto, tampouco a rede de abastecimento propriamente. Pelo que ele dizia, enquanto baratas e animaizinhos diferentes corriam de um lado ao outro, ali corria a água de alguns condomínios da região, com um desvio feito por eles, que usavam aquela água para o banho, mas brincavam ser o espaço das "Tartarugas Ninja". Constrangedor.
Se fosse (d)escrever o dia, os espaços visitados, as conversas, enfim, leitor preguiçoso, você teria um filho colorido. Conto ao meu terapeuta pequeno burguês, como eu, depois, e te poupo de arrastar a barra lateral.
Porém, pensei naquele rapaz pedindo pra que eu cantasse o trecho inicial, aqui, da canção de Zeca Baleiro. Os meus tamboris certamente eu não encontro. E, talvez, pudéssemos pensar então em "casa" como uma grande metáfora, para sair da imeeensa desigualdade social que nos acompanha, porque aí a discussão se alongaria muito.
Criar a própria casa independente de paredes e localização espacial pode ajudar quando tratores e ladrões, dos mais variados tipos, te levam o abrigo e a paz.
O trabalho que mais me chamou a atenção no Centro Social foi o 'Agente nas Ruas', em que hoje ex-moradores de rua ajudam pessoas em situações de rua. Um agente nos contava a dificuldade das pessoas de reconhecerem a própria situação delas, de procurarem ajuda nos postos de saúde, por exemplo, diante de qualquer problema cotidiano. Muitos não têm documentos de identidade, e não conseguem assumir, também, que não têm residência. Fomos conhecer uma região onde vivem muitas pessoas, abaixo de um viaduto movimentado e ao lado de linhas de metrô.
E então o trecho de Zeca Baleiro me pareceu assustador. Saímos da calçada da avenida abaixo da ponte e caminhamos, subimos e subimos até bem próximo do concreto do viaduto. Por fim, avistamos um porção de madeiras e lajes dispostas verticalmente, ao redor de onde começava um trecho da ponte. O agente se aproximou e bateu nas portas, pediu licença para entrarmos e, assim, passamos adentro.
Um rapaz, muito contente com a presença de três estudantes, nos apresentou cada um dos cômodos da residência. Ao entrar, passamos por uma varanda onde brincavam algumas crianças, em seguida, estava a sala com três sofás dispostos circularmente, uma mesa no centro e uma televisão na lateral de um dos assentos. Logo depois, bem atrás, reconhecia-se a cozinha com a mesa maior no centro, um vaso de flores e as cadeiras ao redor. Guiados pelo rapaz que nos recebeu, passamos aos quartos: duas caçambas, e algumas barracas de lençóis. Pareciam viver ali, mais ou menos, cinco famílias. Não havia paredes, claro, mas as marcas de cada espaço eram evidentes. O teto era a ponte, o som ambiente vinha do trânsito, da chuva e do metrô, e o cheiro de álcool perpassava os cantos, também.
Momento cômico: quem nunca brincou de Tartarugas Ninja? Santa Tartaruga! (risos) O espaço de higiene, como o truta nos dizia antes de nos levar até a boca de acesso à rede de água, que passava no alto e ao fundo, já fora da proteção da ponte, não parecia esgoto, tampouco a rede de abastecimento propriamente. Pelo que ele dizia, enquanto baratas e animaizinhos diferentes corriam de um lado ao outro, ali corria a água de alguns condomínios da região, com um desvio feito por eles, que usavam aquela água para o banho, mas brincavam ser o espaço das "Tartarugas Ninja". Constrangedor.
Se fosse (d)escrever o dia, os espaços visitados, as conversas, enfim, leitor preguiçoso, você teria um filho colorido. Conto ao meu terapeuta pequeno burguês, como eu, depois, e te poupo de arrastar a barra lateral.
Porém, pensei naquele rapaz pedindo pra que eu cantasse o trecho inicial, aqui, da canção de Zeca Baleiro. Os meus tamboris certamente eu não encontro. E, talvez, pudéssemos pensar então em "casa" como uma grande metáfora, para sair da imeeensa desigualdade social que nos acompanha, porque aí a discussão se alongaria muito.
Criar a própria casa independente de paredes e localização espacial pode ajudar quando tratores e ladrões, dos mais variados tipos, te levam o abrigo e a paz.
2 palpites:
Ja assistiu àquele "O Solista" com o Jamie Foxx e Robert Downey Jr? Tudo a ver com sua crônica.. Dizem que os atores saíram atordoados do set de gravação após as filmagens. Sinto que tenha sentido algum entorpecimento também...Talvez porque seja difícil pensar em casas sem paredes...dependemos muito das paredes, mais que das casas...
abraços...
Não conheço o filme, não... Vou procurar, valeu.
Mas, não sei, acho que não é um entorpecimento no sentido da concretude das coisas. Dependo das pessoas e não dos lugares, por isso o que mais me "assustava" ali era a relação que as pessoas estabeleciam com o espaço. Não havia paredes, não havia nada (quase), porém, elas criavam aquele espaço, aquela vivência, de alguma forma, também positivamente entre elas (e, por favor, não estou, com isso, defendendo a miséria, porque eles são, apesar de tudo, felizes, não é isso).
Parecia um grande processo de invenção, do lugar, deles e de uns em relação aos outros.
E, também, quando pensei na relação com a casa, me lembrava de outra canção, imaginariamente, responde a estrofe do Zeca Baleiro, se la de fato me fosse colocada:
"Ah vai!
Me diz o que é o sufoco que eu te mostro alguém
Afim de te acompanhar
E se o caso for de ir à praia eu levo essa casa numa sacola"
(Rodrigo Amarante)
Abraços
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