Nos últimos meses, diversas manifestações e agitações políticas – locais, nacionais, globais – apareceram subitamente, como espinhas nos rostos juvenis. Só para citarmos algumas: greve dos servidores municipais/crise de corrupção na prefeitura em Campinas, churrascão da gente diferenciada, marcha pela liberdade, ocupação das praças espanholas, aumento do patrimônio do Palocci, escândalo sexual de um diretor do FMI, conquistas LGBT etc... Levanto aqui alguns pontos a serem (re)pensados.
- Os principais movimentos não têm a assinatura única de um partido, mas de coletivos amplos, que trazem variadas ideias e novas práticas.
- Nenhum partido é confiável.
- Os movimentos que deram mais certo, não determinaram suas ações sob a hégide da divisão de classes, mas a partir da necessidade de expressão de diferentes identidades e atores sociais.
- Os movimentos de massas reproduzem a falha da democracia representativa. É preciso pensar na possibilidade de cada indivíduo ser sujeito do coletivo.
- A prática é tão ou mais importante do que a teoria. Não é necessário um conhecimento formal elevado para propor novas práticas e as novas práticas levam a novas ideias.
- Os movimentos que deram mais certo, não necessariamente buscam a tomada de poder. E não necessariamente buscam alguma coisa. E mesmo assim podem ser mais eficiente do que movimentos de ideologias, objetivos e direções rígidas ou pré-determinadas.
- O movimento que mais incomoda a política externa norte-americana não tem como líder um sindicalista ou sociólogo, mas um hacker.
- O termo “companheiro” está obsoleto.
- A palavra “pelego” está obsoleta.
- A palavra “liberdade” permanece nobre.
- Um dos principais cartazes de Madrid possuía uma hashtag: “Ninguém espera a #revoluçãoespanhola”
- É mais interessante, sob todos os aspectos, cantar um pagode do que gritar palavras de ordem dos anos 60.
- É mais interessante, sob todos os aspectos, um flashmob ou uma intervenção urbana do que uma assembléia.
- O facebook é mais efetivo, sob todos os aspectos, do que um megafone.
- Um tweet de até 140 caracteres é mais efetivo, sob todos os aspectos, do que um manifesto.
- Um militante engraçado é mais eficiente, sob todos os aspectos, do que um militante intelectualoide (chato).
- O termo churrasco é mais interessante, sob todos os aspectos, do que o termo “luta de classes”.
- O bom humor, o exagero e a provocação devem ser pressupostos inalienáveis
---
(E o último ponto explica também esta postagem.)
18 palpites:
Não diria que nenhum partido é confiável. Diria que a organização partidária perdeu seu caráter de revolucionário. De certa forma isso equivale a dizer que tal organização nunca fora realmente revolucionária, mas acho que esse passo tlvz seja um pouco mais delicado.
Compreendo o contraste e gosto, mas nem sempre é mais interessante um flashmob do que uma assembléia. Agora sem a menor dúvida, cantar pagode é mais interessante do que gritar palavras de ordem.
Precisamos arrumar um outro canto para trocar umas idéias agora que o bar fechou hein?
Todos os risos vão desafiar!
Esse para mim é o mais forte: "Os movimentos que deram mais certo, não necessariamente buscam a tomada de poder. E não necessariamente buscam alguma coisa. E mesmo assim podem ser mais eficiente do que movimentos de ideologias, objetivos e direções rígidas ou pré-determinadas".
É indignação primeiro, angústia primeiro, negação primeiro, riso primeiro... e o depois é construção.
PS.: Thi, obrigado pela provacação. Estava sentindo uma falta imensa de um comentário sobre esses movimentos aqui no Mistura, mas está tudo muito aberto em minha cabeça e não consegui fechar um texto.
Márcio, reconheço, alguns flashmobs são realmente imbecis, mas justifico-me pelo exagero - nesse caso quanto à chatice da maioria das assembleias rsss.
E o fechamento do Bar do Souza foi uma grande perda dos novos movimentos. Precisamos realmente de um bar!
Caião, ainda espero seu texto!
Abraços!
Apesar de me confundir com o "meu caro", esta frase do Chaplin te entregou...rsss..
"Bjo"...
Lindas e contundentes colocações, meu caro...angústias que se fossem manifestadas algumas semanas atrás poderiam ter surtido um maior efeito (ou não...). Mas agora é tarde e precisamos começar a pensar em novas formas/modelos de manifestações...Não adianta pensarmos sobre o que faremos na próxima greve, mas construir - e neste ponto discordo um pouquinho do meu amigo Caião - espaços e estratégias que vão além dos embalsamados modelos que herdamos das décadas anteriores.
Quando falo que discordo de vc, Caião, é porque muito me angustia o exercício de desconstrução quando não sucedido de uma proposição. Primeiro porque a crítica é sempre mais fácil, mias segura; segundo porque os dois exercícios devem sempre estar juntos, se complementam. O primeiro sem o segundo, na minha opinião, é efêmero e pouco efetivo. Como disse Chaplin, "o mundo precisa de exemplos, não de opiniões."
A desconstrução pela desconstrução vira briga de ego e necessidade de teorizar melhor sobre sua negação (E nós sociológos temos uma carência e uma imeeeeeensa necessidade de aplausos, principalmente durante uma assembléia!!!). Difícil mesmo é propor, inovar, construir coletivamente; usar estratégias não reconhecidas pelo "inimigo"...enfim...divaguei demais, né...rsss (to parecendo o Hugão).
Acho q é isso...só mais uma observação...Thi, vc deveria fazer a aula de Movimentos Sociais da Tatagiba, é sua cara!!!
A companheirada agradece seu post!!!
Bjos
Bom texto, que inclusive me faz titubear na hora e apertar o enter para comentar ou não, já que o seu '(re)pensar' pode, ou não, inverter, o sentido de cada determinação, ou talvez ironia que colocou no texto. (Malandro!)
Ao mesmo tempo que concordo com cada ponto, tendo a discordar igualmente de todos(rs).
Primeiro, eu procuro entender - ou para mim, ou no texto mesmo - o que significa "dar certo".
Não consigo formular ou concluir, categoricamente, o que é um movimento que deu certo; até porque os últimos eventos que poderiam ser lidos como "vitórias", pensando no Brasil- esses em que não imperam mais a palavra "companheiro", as assembléias, mas 'liberdade'; e vale a pena lembrar, sobra o otimismo patriota, por muitas vezes -, não me contemplam, já que me guio por uma máxima bastante clara "tudo ou nada, todos ou nenhum" e talvez acabe me enquadrando no que foi colocado no texto como "direções rígidas" ou "pré-determinadas" - claro, quem vos fala é um nilista-anarco-marxista (rs), por isso prudência na interpretação(rs); mas enfim, isso é outra história.
Em suma, muito desse "novo" "movimento" que surge - urge talvez-, na maioria das vezes, são acompanhados por flores, hino e bandeira nacional, além de hastag paz e amor - ok, pluralidade? ecletismo? está aí a saída? . Hino e bandeira, não vou comentar... agora, flores, paz e amor, "vamos distribuir sorrisos, piadas e não insultos" são tão anacrônicos e, infelizmente, tão obsoletos quanto 'companheiros', 'assembléias' e afins.
Um método novo? Uma junção de ambos? Talvez uma assembléia com flores?
(só corrigindo um erro de conjugação no meu comentário anterior)
Em suma, muito desse "novo" "movimento" que surge - urge talvez-, na maioria das vezes, é acompanhado por flores, hino e bandeira nacional, além de hashtag paz e amor - ok, pluralidade? ecletismo? está aí a saída? . Hino e bandeira, não vou comentar... agora, flores, paz e amor, "vamos distribuir sorrisos, piadas e não insultos" são tão anacrônicos e, infelizmente, tão obsoletos quanto 'companheiros', 'assembléias' e afins.
Há momentos na história que surgem comunas. Movimentos que muitas vezes não se explicam, parecem não ter de onde sairam e nem pra onde vão. Parecem brotar sem muito ter sido fertilizado. Algo como uma consciência inconsciente que se deve levantar os braços, mãos, pernas, e blasfemar contra um céu imenso de contradições...desses movimentos, autonomos, sem partidos, auto-geridos pelos individuos ali presentes, surgem vivencia de novas relações, relações essas de uma autogestão das próprias ações, do própria movimento e vivenciando, talvez, a autogestão da vida e da sociedade. Ali, da crítica, inicia-se uma proposição...
Eu discordo quando a Rita diz mais "propositivos", é uma leitura muito de vanguarda, "oi, sou cientista social e to aqui pra oferecer uma proposta pra você de como fazer a coisa certa" - to sendo grosseiro, claro - e me aproximo mais do Fábio.
No chão, quando as pessoas, não só cientistas sociais - pelamor, né - discutem, disputam significados da Política, é que a coisa é decidida. Esse, pra mim, é um dos sentidos de democracia com o qual mais simpatizo. Antes que alguém venha me dizer que a "democracia burguesa" não existe, é "dominadora", etc, pois é, não deixa de ser condizente, mas não fosse ela, no entanto, não teríamos muitos direitos e garantias sociais de uma sociedade plural. Desigualdade, exploração e dominação existem, evidentemente, não só aqui, não só neste tempo e por causa deste Estado democrático de direito, mas, contraditoriamente, é por causa dele que eu posso vestir uma camisa do MST, e dizer que quero que seja válido o "uso social da terra", que haja reforma agrária, que acabem com este modelo de desenvolvimento agrário exportador latifundiário. É por causa dele que posso colocar uma camisa purple, e sair em defesa dos direitos humanos de igualdade, pela criminalização da homofobia, por exemplo. É por causa dele que posso levantar minha barraquinha em Puerta del Sol exigindo mudanças no sistema representativo, pela saída de políticos corruptos, por mecanismos sociais, públicos, abertos, de controle do sistema representativo, da elaboração e votação das leis. É por causa dele que posso entrar, ocupar um prédio público da universidade exigindo que o poder executivo cumpra medidas acordadas em outros anos de contratação de professores e expansão de vagas, que, não dá mais, cumpra imediatamente com a melhoria do ensino básico público deste país, aumente salários, abra concursos, dê infraestrutura. É por causa dele que posso dizer, se continuarmos o mesmo modelo de desenvolvimento e exploração social e econômica do trabalho, pouca coisa vai mudar, e neste ponto, cá estou eu sendo de vanguarda. Mas o que quero é ser ouvido, que minha opinião, minha argumentação sobretudo, minha posição seja válida, livre, que eu a possa expressar e agir politicamente. Acontece que neste país, nas últimas semanas, puta que o pariu, não se pode ter posicionamento político, não se pode defender direitos num Estado democrático de Direito. Pelo contrário, "ter direito à discriminação", no caso da homofobia, virou uma reivindicação.
Me perdoem o clichê, mas chamem o ladrão, por favor!
Obrigado, Thi: viva o deboche!
Abraços
Ainda bem que se pode fazer esse tanto de coisas que tu tá falando ai Hugão. Mas não chame de democracia o que é de direito seu. É por conta dela que pode fazer tudo isso? Não me convence. Creio mais na idéia de que se temos tudo isso é por conta da luta de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, oprimidos e oprimidas, desse mundão afora. Porque tal democracia que parece ser tão liberal (não libertária e nem igual) ainda hoje reprime a manifestação pública de defesa da maconha? Que democracia é essa que, tendo como base a saúde, segurança e bons modos, na mesma manifestação em que pessoas são reprimidas deixam outras se manifestarem e apoiarem as porradas dos policiais nos pró-descriminação da maconha? Porque numa democracia tão linda a homofobia não é crime?
A democracia que aparece como garantidora de direitos, se mostra mais como uma limitadora da liberdade do que ela própria garantidora de tal. A luta de milhões na história do mundo, a morte de alguns, que possibilitou a maioria das nossas "liberdades". E é por essas liberdades conquistadas que temos a possibilidade de nos organizar, que seja espontaneamente, sem um sentido ou caminho delineado, mas que possibilite outros ganhos, novos rumos e transformações...
Sim, Fabinho, é devido à reivindicação, ao exercício democrático que se tem direitos, não é presente de ninguém, do Estado, do que quer que seja. Concordo, não é igual, nem libertária, vive a contradição do liberalismo, de um jogo desigual de manifestação, expressão. Era o que eu também tentava dizer, o absurdo do mundo em que vivemos é que "direito" só é lembrado para reprimir e controlar, não parar afirmar igualdade. Não acho que a democracia seja linda, só acho que contestamos a "democracia" em abstrato, e nos esquecemos de fazer o jogo dela, ou de nos apropriarmos dos sentidos que ela possibilita, quando não, nos resguardamos em noções de transformação autoritárias, totalizantes, pra não dizer golpistas, tal como o que constitui a repressão e controle da igualdade que eu defendi anteriormente e você bem apontou as contradições: o que tentei destacar é a defesa sobretudo do sentido de "igualdade", diante do Estado, da polícia, da imprensa, do opressão, do explorador, enfim, partir do postulado da igualdade e assumi-lo, defende-lo, imagino, é se indispor com as contradições que advem, mas insistir que seja válido um preceito, quer seja, tratamento igual, inclusive na disputa...
Esperar igualdade democrática-burocrática das contradições liberais, não está no jogo. A igualdade não está posta, não existe. Ela é também uma luta. E se parte dela, dela como meta primeira, para o que vier depois.
Lutar pela igualdade não está em questionamento para mim. É deste ponto para adiante...é daí para mais...
Ri, acho que tive um problema com a escolha das palavras. Quando eu digo que acho que primeiro é a negação e o resto a gente constrói depois eu não acho que qualquer movimento seja apenas para desconstruir. Acho que a separação entre os tempos é a separação entre o singular e o plural. A indignação e a negação vem antes da proposta, pq ela vem de mim, sozinho. É essa revolta que me leva pra rua e para me reunir em qualquer grupo. Agora, no grupo, essa indignação coletiva deve discutir propostas sim. Mas essas propostas nascem da própria dinâmica desse movimento. Não adianta eu chegar com propostas na rua. A minha separação é essa. Primeiro a indignação pq ela é minha. Depois a construção, pq ela é coletiva. Não que ela fique para depois que a banda passar. No mais, acho que mesmo que não surja nenhuma proposta política imediata a partir de um movimento como a marcha da liberdade ou os acampamentos espanhóis, o exercício de conquista da rua como espaço de reunião e de reivindicação é um aprendizado que não tem volta. É liberdade experimentada. E é bom! Principalmente em democracias onde sentimos uma crise de representação.
Em nenhum momento eu utilizei o verbo esperar, Fabinho, tanto menos pensei "igualdade" como princípio burocrático, institucional. Não que eu exclua ou negue a importância, realisticamente, a realização de uma "igualdade" também institucionalmente. Acredito, sim, que a igualdade existe, senao não há poderia imaginar, e eu já presenciei contextos em que uma discussão, por exemplo, uma situação social complexa, estivesse posta de maneira minimamente "igual". Claro, não vem ao caso discutir uma "medida", um gradiente de "igualdade". Mas "igualdade" é uma prática humana, acredito, é possível encontra-la, ainda que só vejamos muitas vezes contra exemplos, majoritariamente. E, sim, só posso pensar em "igualdade" por oposição entre termos, logo, é uma luta, uma disputa, quase sempre desigual, é verdade, por isso a minha insistência em manter a reivindicaçao política, social, econômica, enfim, nos sentidos que podemos atribuir por a igualdade.
Concordo, também, é daí pra adiante... Mas incrível como ultimamente tenhamos visto só exemplos de negaçao disso tudo, por isso, a minha insistência em colar o sentido de igualdade à democracia, porque estamos perdendo essa luta por sentido... não temos podido sequer partir...
Bom texto sobre a primavera ibérica (ou o que está acontecendo na espanha):
http://renatojanine.blogspot.com/2011/05/o-desejo-de-um-novo-1968-valor.html
Postar um comentário