O pessoal gostou da senhora, vó.
Eu não vou te amolar, não. Só queria me sentir um pouco na pele do Henfil, aquele cara de pau que escrevia para a mãe dele e destrinchava tudo quanto era problema do Brasil. A Dona Maria respondia preocupada com o Henfil, mas deram sumiço foi no seu irmão, o Betinho.
Também, vó. Que idéia, né? Escrever umas verdades no jornal.
Isso é passado. Ninguém mais faz isso, vó.
É como os LPs de dois lados. A Marisa Monte tentou adaptar e fazer um CD duplo. Lado A: Infinito Particular. Lado B: Universo ao Meu Redor. Só o primeiro vende, entende vó?
Saudades,
Caio
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Natal, 12 de abril de 1978.
Mãe,
Fiquei muito alegre quando os dubladores entraram em greve. Hah, sim, lembrei. Isso não é do tempo da senhora. Dubladores são aqueles que fazem a voz no lugar dos outros. Por exemplo, a voz da Kelly, uma das panteras, quem faz é a Neuza Amaral. A da Farrah, é a Marilisi….
A greve é justa, questão trabalhista. Ponto final.
Eu estou satisfeito é porque, depois do advento dos dubladores, nunca mais ouvimos a voz real do Kojak. Ficou chatíssimo ver filme de TV. Tanto faz ser John Wayne, Woody Allen ou Baretta. A voz é sempre a mesma do mesmo dublador. E a aflição que dá ver o Marlon Brando movendo os lábios assim, e a voz saindo assado?
Talvez o desespero que toma conta da gente, quando vê um filme dublado, seja apenas identificação. Nossa situação é a mesma, mãe! Nunca notou que a minha voz, a voz da senhora, do Carlito, da Regina, do Alfredo, da Jane, da Nelma, do Humberto, do Ivan, a voz de 110 milhões de brasileiros é feita pelo mesmo dublador?
Eu quero ouvir a minha voz!
Um beijo do seu filho,
Henfil
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Pouco antes de sua morte Henfi escreveu, dirigiu o filme Tanga – Deu no New York Times, a história da fictícia ilha de Tanga. Isolada do resto do mundo, toda notícia do exterior chega ao povo de Tanga por meio de uma única fonte, um exemplar do periódico The New York Times, lido apenas por seu ditador e depois queimado. História que em nada se assemelha ao episódio midiático internacional envolvendo a morte de Osama bin Laden. “Está declarada a democracia”.
4 palpites:
Um viva para o Caião: viva!
De verdade acho que nesse vc se superou. Genial.
Caramba, não conhecia essa carta dele, de arrepiar...
"Também, vó. Que idéia, né? Escrever umas verdades no jornal.
Isso é passado. Ninguém mais faz isso, vó."
Ironia finíssima, passível de muitas conclusões. Ótimo, sem explicar você trouxe o sentimento que queria, fantástico....!!!
Quero ver esse filme, você já viu?!
Abraços...
Ainda não, Thiagão. Vou procurar.
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