VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Quebrando Paredes: Medianeras

. . Por Thiago Aoki, com 1 commentário

Ao que tudo indica, o filme argentino "Medianeras", infelizmente, será pouco visto por aqui. Acabou perdendo espaço para superproduções (como Planeta dos Macacos e Árvore da Vida) e para filmes de diretores consagrados (como Melancholia e Super-8). Pode ser que, posteriormente, aconteça como seu fantástico compatriota “O Segredo dos seus olhos”, que acabou voltando à cena após a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas semana passada, na seção de cinema do shopping, não somavam 10 espectadores, contando comigo e Rita, mi novia...

É uma pena, pois Medianeras é um daqueles filmes inclassificáveis, que consegue tocar em questões existenciais e sociais, sem certa “chatisse” que tal missão possa indicar. Neste sentido, leve sem ser superficial, lembra um pouco de “Pequena Miss Sunshine” ou, para pegar um exemplo mais recente, de "Juno", por mesclar o humor às situações trágicas do dia-a-dia.

Se em "Pequena Miss Sunshine" temos uma garotinha de família problemática que ingenuamente desafia os padrões da sociedade do espetáculo e em "Juno" a gravidez precoce de uma confusa adolescente, aqui, em "Medianeras", os desencontros de dois jovens fazem fundo a uma sagaz crônica da vida em uma metrópole.

O filme narra, paralelamente, as vidas de Martin (Javier Drolas), um webdesigner afetado por diversos transtornos de comportamento, e de Mariana (Pilar López), uma arquiteta frustrada e claustrofóbica que acaba de sair de um traumático relacionamento. Os dois são vizinhos que nunca se perceberam, jovens típicos da geração Y, com histórias semelhantes, imersos na solidão e que, mesmo sem saber, estão sempre em situações de quase encontro um com o outro. Com este jogo, o sagaz diretor Gustavo Taretto nos incita, espectadores, a torcer pelo encontro de ambos sem nos darmos conta de que também somos vítimas de nossas próprias solidões e prisões. O isolamento, neste caso, aparece como uma tentadora proposta do mundo urbano, cenário do qual somos parte. É comum que, durante o filme, associemos a Buenos Aires narrada com Campinas ou São Paulo.

Em determinados momentos do roteiro, Martin e Mariana fazem o papel de narradores-personagens, recitando textos pertinentes, em forma e conteúdo, e que, em diálogo com belas imagens da arquitetura urbana, compõem poéticas crônicas para o século XXI. Já com a característica de mistura de diferentes linguagens: o texto, fotografia, quadrinhos, áudio e visual.

Nas entrelinhas do roteiro, o questionamento e estranhamento de detalhes banais do cotidiano da cidade e que parecem já internalizados em nosso cinza espírito: os fios que enfeiam o céu, os prédios que escondem o Sol, a falsa promessa da “conexão” entre as pessoas, a publicidade nas medianeiras, o fracasso da caixa de e-mail vazia. É a angústia de uma classe média que, embora média, sente-se traída pelo esgotamento das promessas de uma vida urbana plena, revivendo, em outros moldes, o desencanto romântico pré-moderno do final do século XIX. A história se repete, tragédia e farsa.

Do cinema, saímos com a sensação curiosa de refletirmos sobre as trajetórias que poderiam ter sido e que não foram, sentindo, com certa graça e resignação, a impossibilidade de controle sobre o destino. No restaurante do shopping, no lanche-de-namorados-pós-seção-das-19h, olhávamos atentos para as pessoas sentadas às mesas e, assim como é comum fazermos no metrô, brincamos de descobrir que narrativa cada um traz consigo: para onde vão, de onde vieram, em qual estação saltarão. Ou, mais além, quantos encontros perdidos pelo caminho, quantos amores evitados pelo acaso. Impossível saber. Em alguns momentos, Mariana compara a vida na cidade ao livro “Onde Está Wally”, como se, sem rumo, esperássemos pelo encontro de algo que não sabemos o quê. O mundo, uma somatória de narrativas paralelas dispersas. Quando lemos os versos de Vinicius de Moraes, “a vida é a arte do encontro/ embora haja tanto desencontro pela vida”, pensamos em sua vida boêmia de amores deixados pra trás, mas Taretto vai além e faz da frase o mote da vida nos grandes centros. Para se ter relações humanas orgânicas entre os arranha-céus da urbe, é preciso desafiar a artificialidade do avatar de cada um, ultrapassar o limite imposto pelo espetáculo que faz da relação entre os homens uma relação mediatizada por imagens. Para lidar com a sombra dos prédios é preciso derrubar paredes, construir novas janelas, preparar o jardim, deixar o Sol entrar para que o acaso pouse e, enfim, o encontro possa acontecer.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Seção 11/09

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários

(Na seção 11/09 do purgatório, onde as almas falam a mesma língua)

-Além de tudo, jogaram meu corpo no mar.

-Me chamou?

-Não, disse “além de”, e não “Allende”. Dizia que além de tudo, jogaram meu corpo no mar. Até hoje não me conformo.

-Mas também, o que você esperava depois de matar 2996 civis.

-Não fui eu, foram mártires de Alá.

-Mas você comandou.

-Quem comandou foi a vontade de Alá. Feliz aquele que foi escolhido por Alá para ser um mártir.

-Olha, estou aqui no purgatório há 37 anos, e seus "mártires" há 10. Acho que se você e eles tivessem seguido tão bem as ordens Dele, não estariam aqui ainda.

-Malditos americanos.

-Veja, em primeiro lugar, prefiro que diga estadunidenses, pois também somos americanos. E mesmo assim, o povo estadunidense nada tem com isso. Você colocou-se no direito de ser Deus e matar pessoas por causa de disputas políticas religiosas econômicas, em suma, em nome do poder.

-Olha só quem está falando... Seu jeitinho paz e amor que deu certo né? Já pensou que pela sua incompetência e falta de pulso é que o seu país passou 17 anos em uma das piores ditaduras das Américas? Não se sente culpado? E toda essa sua benevolência te deixa aqui, no purgatório, como eu..

-Culpado? Por seguir minhas convicções? Claro que não, morri por elas e morreria de novo. Mesmo que, depois de minha morte, um amigo escritor colombiano tenha dito, com sabedoria, que meu erro foi a “amêndoa legalista que havia dentro de mim”.

-Viu só? Por isso joguei aviões em prédios he he he...

-Você é doente, fanático, o que é diferente...

-Vocês ocidentais, sempre legando ao irracional as atitudes que diferem da de vocês... É essa prepotência de julgamento que gera o ódio, meu combustível. Aliás, você esquerdista, e adorador de poesias, devia conhecer aquela frase de seu amiguinho comunista “O que é o assalto a um banco comparado à fundação de um banco?” É isso que penso! Qual o pecado moral de matar pessoas sujas? Quantas pessoas os americanos mataram depois da gente?

-Não posso estar escutando isso, Bin Laden citando Brecht! Não desvirtue e descontextualize Brecht, pelo amor de meus ouvidos... A frase que você deveria reproduzir era outra: “Pela Razão ou Pela Força”.

-Como?

-É o lema autoritário gravado em nossa moeda chilena. Brincava com amigos que deveríamos mudar para “Pela Razão, NÃO pela força”.

-Besteira, prefiro a frase da moeda...

-É, se “Alá” fez alguma coisa correta foi não te colocar no poder... Ainda bem que o oriente se livrou dessa... Coitados...

-Não precisamos de sua piedade... Nem de dizer o que é melhor para nós... E nem que diga o nome de Alá em vão...

-Pare com isso... Deixe de orgulho, estamos mortos e veja só... Os Estados Unidos financiaram o golpe que me matou e a ditadura sangrenta de Pinochet. O mesmo Estados Unidos que te armou, matou e está criando guerra atrás de guerra para exportar fast foods e importar petróleo no Oriente Médio. E derrotados, cá estamos no purgatório, um lugar sem território, sem nação, sem blocos econômicos, sem dinheiro, à espera do seu Alá.

-Se a mim faltou razão, a você faltou força.

-Acho que você não entendeu nada... A força que quero, não vem dessa militarização ridícula, que reproduz toda a lógica de dominação estadunidense. Quero a força das ruas, do espírito de revolta potencializado de cada chileno... Cheguei a dizer em entrevistas, que, em minha época, o povo tinha o governo, mas não tinha o poder! Jamais sairia matando inocentes por aí...

-Que cuti-cuti Allende! Por que não abre uma ONG? Abraça uma árvore? Quanta ingenuidade... Olhe pra mim... Meu poder vem da minha força! Da minha capacidade de destruir em nome de meus ideais, assim é o mundo, admita. Se chegasse ao poder, como você chegou, criaria a mais poderosa e disciplinada nação. Colocaria cada inimigo de Alá, no mármore do inferno!

-Em tempo de primavera árabe e revoltas estudantis chilenas, espero que, diferente de você, os homens tenham aprendido com a história.

-Aprenderam nada, continuam a ouvir ocidentais... Matam as pessoas erradas...

-Sinceramente, não dá pra conversar com você, é um fascista tal qual Bush, mas ainda mais decadente.

(Silêncio... Bin Laden abre a bolsa e começa a ler o Alcorão, quando é interrompido por Allende)

-Aliás, agora que está morto, por favor, me diga... Você tinha, digamos... Ligações com Bush antes do atentado? Digo, ele já sabia de tudo? Foi uma farsa minuciosamente armada?

-Olha... V-V-Veja bem... É uma questão delicada... Hum... Vamos fazer o seguinte, antes me responda... Você se suicidou mesmo ou foi assassinado pelos militares?

-Não é tão simples assim, o que aconteceu foi que...

(Nesse momento, uma luz amarela radiante paira sobre a cabeça de Allende, cegando-o. Também não consegue nada enxergar Bin Laden, que protege os olhos, ardem muito. Quando, enfim recupera a visão, está sozinho na seção 11/09 do purgatório. Já não há ninguém ao seu lado. Abre o Alcorão e recomeça a leitura.)


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thiago@misturaindigesta.com.br

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mediúnico

. . Por Thiago Aoki, com 7 comentários

Esses dias, sem querer, me peguei pensando que sou um cidadão-médio. Digo... Uma vida nem tão agitada, nem tão morna. Nem apolíneo, nem dionisíaco. Nem fanático, nem ateu. 40 horas semanais de trabalho. Jogos de futebol uma ou duas vezes por semana. Nem de longe rico, nem de longe pobre. Mais ou menos politicamente correto. Daqueles que sabem um pouquinho de tudo, mas não sabe nada profundamente. Lendo mais as manchetes do que as notícias. Sabendo mais ou menos como o mundo anda.

(Incômodo...)

(Mais alguns segundos de incômodo...)

De fato, ser médio incomoda. Não fosse assim, não nos ofenderíamos com o termo “medíocre”, cujo sinônimo lá está no dicionário: “mediano, sem relevância, comum, ordinário”. De todas as mentiras que criamos para que nossa cabeça acredite que isto tudo (o mundo, a vida e nossas ações) faz algum sentido, a ilusão de sermos especiais deve ser a mais presente em nosso imaginário: “cada pessoa é única”. Até em “destino” o mais cético, por mais que negue, dá um jeitinho de acreditar.

Mas não desviemos o assunto... Este blog não deve fazer tanto sucesso, não terei a face gravada em uma estátua, nenhuma rua ou praça será batizada com meu nome, minha morte não será passível de homenagens, não governarei um município, não serei lembrado por uma geração, não serei uma celebridade sequer instantânea.

Tudo bem, se o macro não resolve, apelemos para o micro, os sonhos pessoais. Uma casa confortável e aconchegante, filhos brincando na varanda e matriculados em uma boa escola, um trabalho que me realize pessoal e profissionalmente, uma moça que me afague nos maus momentos, um carro econômico, o mínimo de problemas de saúde, uma família presente, uma morte sem dor. Sonhos médios.

Um pensador fora de moda – não direi seu nome pela falta de rigor, alguém pode se ofender – disse em sua época que a “classe média” teria uma certa tendência a se enxergar como a classe mais “legítima” da estrutura social. Isso por estar no centro das contradições da sociedade capitalista. O homem “classemediano” é explorado no trabalho e tem empregada em casa, sendo ao mesmo tempo é trabalhador e patrão. Impostos, violência, corrupção, inflação, “quem sofre sempre é a classe média”! Essa classe tem para si a ideia de que seus pensamentos, traduzidos em palavras, representam os anseios de toda uma sociedade. E, pela relevância que acredita que tem, a classe média é, normalmente, avessa às transformações. Percebem? Até a classe que obteve o título de “média” quer crer que pode ser algo mais que isso.

O fato é que as linhas métricas de um mundo métrico nos mediou, cidadãos medianos, e médio estamos, contando sílabas, procurando rimas que encaixem nisso tudo. Fizemos do médio uma busca, um padrão de qualidade, um status. É confortável ser médio, confesso. E assim, entre médios satisfeitos e outros tantos que almejam ser médios, o mundo se mantém, como nos conformes.

Assim nos construiu a história...

Mas para se construir a história, é preciso dar um passo adiante, e deixar de ser médio.

E você, quantas poesias de versos livres passaram por sua vida nos últimos dias?

Ah, inércia, me deixe vai...

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Classe Média
De Mário Benedetti (Clique aqui para o texto em espanhol)

meio rica
meio culta
entre o que crê ser e o que é
media uma distância meio grande
Do meio mira meio mal
os neguinhos
os ricos os sábios
os loucos
os pobres
Se escuta um Hitler
gosta mais ou menos
e se um Che fala
também
Em meio ao nada
meio que duvida
como tudo a atrai (a meias)
analisa até a metade
todos os fatos
e (meio confundida)
sai às ruas com meia panela
então meio que chega a se importar
com os que mandam (meio nas sombras)
às vezes, só às vezes, se dá conta (meio tarde)
de que a usaram como peão
em um xadrez que não compreende
e que nunca a converte em Rainha
Assim, meio raivosa
se lamenta (a meias)
de ser o meio do que outros comem
dos quais não consegue entender
nem a metade.

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