Seguia assim, caminhando pela rua que costumeiramente atravessava quase todos os dias e olhava, como sempre, para as árvores que pouco mudaram nesses anos todos morando naquele distrito. Estava um pouco mais preocupado que o de costume, afinal, mesmo sendo fim de tarde e não tendo aula nem trabalho no dia seguinte, em breve ela partiria e isso lhe trazia grande insegurança. Partidas sempre foram um problema pra ela, sobretudo pra ela.
De longe, quatro quadras de distância, avistou alguém que corria. Não tinha o hábito de encarar ou nem mesmo reparar com ligeireza aqueles que cruzavam seu caminho. Era tímido, algo que por vezes era confundido com esnobismo ou falta de consideração. Mas aquele que vinha correndo em sua direção poderia ser algum amigo, que agora cruzava a rua da terceira quadra. Caminhou com os olhos pelo horizonte. É, parecia mesmo alguém conhecido. Desviou o olhar. Mas será? Quem seria? Não tem muitos amigos que reservam um fim de tarde pra correr por aí. Bem poderia ser alguém que resolveu cuidar da saúde de sopetão, assim, sem avisar ninguém. Mas não, era fim de semestre, nunca uma boa época pra começar exercícios físicos, dietas ou qualquer coisa que exija um mínimo de tempo sem pausas ou férias. Agora o rapaz já chegava na metade da quadra da frente. Encarou rápido para ver se reconhecia. O coração então disparou. Alguém conhecido. Não necessariamente próximo, mas o bastante para saber o nome, o que fazia, um pouco do que gostava e com quem havia estado. Nessa altura já podia ouvir, na sua cabeça, a cadência dos passos.
Virou o rosto para a mata. Engraçado como nessa época do ano, mesmo fazendo frio, as árvores não perdem as folhas. Reparou no alto que os fios se mesclavam com a copa das árvores, numa desordem que outrora tentaram conter. Viu um casal de pombos se acasalando. A pomba se mantinha no fio, enquanto o macho realizava rodeios para tentar subir no dorso da fêmea. Tarefa difícil. Com algum esforço, após floreios e arrulhos precisos, conseguiu o que queria. Se concentrava agora para ouvir o barulho do riacho que seguia o contorno da rua. O cheiro não era nada agradável, mistura de esgoto com lixo apodrecido. Porque não limpavam aquilo? Ouviu latidos de cachorros. Eram três. Um deles vasculhava, sobre duas patas, o lixo de uma das casas da rua. Parecia ter encontrado algo de bom. Começaram a brigar. Latidos fortes se alternavam. Um deles parece haver se machucado. Saiu arrastando a pata. Os dois outros seguiram pela direção contrária. Parecia ter passado.
“Rafael? Rafael.” Sim, era ele.Rodrigo Charafeddine Bulamah é um irresistível (ui!) Indigesto. Parafraseando Euclides da Cunha, e esquecendo a módestia, é possível dizer que ele é um sobrevivente: se não é um forte sertanejo, pelo menos passou por corações partidos, crises financeiras internacionais e um terremoto, todos vistos como sinônimos em ordem de intensidade.
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1 palpites:
surrealíssimo.
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