segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ordem e Regresso.

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários

Começou nesta terça-feira (21/o9) a aguardada Bienal Internacional de Arte de São Paulo 2010. Com o orçamento muito maior do que o de 2008, a ideia é que o "vazio" da edição anterior seja preenchido. Para isso, uma variedade de estilos e performances que abordarão a conturbada relação entre Arte e Política. Ironicamente, o episódio que agita as preliminares do início das exposições parece justamente exemplificar os emaranhados que envolvem o fazer arte/política em nosso país. O fato é que a OAB-SP ameaça lançar veto ao trabalho do artista plástico pernambucano Gil Vicente, que fez um autorretrato (abaixo) pra lá de provocativo, no qual o próprio artista está em posição de assassinar os dois últimos presidentes da república: FHC e Lula. Segundo a entidade, a imagem faz "apologia à violência".


Segundo o autor da polêmica, a ideia era "descarregar o inconsciente" e afirma ainda que sua lista possui outros nomes como o papa Bento 16, George W. Bush, a rainha Elizabeth e Ahmadinejad, presidente iraniano. Todos personagens que representam intimamente o poder. A organização da Bienal, acertadamente, fez questão de manter a exposição em lugar de destaque e espera que a OAB recue a violação contra a autonomia do artista.

O caso e o trabalho do artista nordestino me remeteu à fotógrafa inglesa Alison Jackson, autora do livro de fotografias "Confidential" (imagens abaixo, clique para ampliar). Seu trabalho, muito interessante, consiste em fotografias com contornos de voyeurismo, na qual personalidades famosas são retratadas, como se fossem "flagras" dos paparazzos. Obviamente que os modelos fotográficos são apenas sósias muito bem maquiados, porém a brincadeira com o escândalo e com a sociedade do espetáculo, na qual as celebridades, ou melhor, suas imagens detêm poder desproporcional, é divertidíssimo.



A sensação que temos ao observar essas fotos, é um choque de realidade. Como se a relação tão íntima e distante que temos com a imagem de cada celebridade ruísse e, agora, temos não mais um ícone idealizado, mas um imoral qualquer, de carne e osso, que participa de orgias, faz cocôs, maltrata crianças. Como se a imagem fosse um valor de troca, um componente do status quo.



Seja pela inglesa ou pelo pernambucano, ambos, de certo modo, vingando-se dos centros de status e poder, fica claro que, para a arte que contesta ou subverte a normalidade, independente do mérito de sua ação, é necessária relativa liberdade. Deve ser permitido que no imaginário, nosso e do artista, matemos presidentes, estraguemos celebridades ou pintemos paredes antes limpas. Como cada um recebe as balas - ora subjetivas, ora cruas - disparadas pela arte é outra história.

Independente de ser descrente ou entusiasta da arte de Gil Vicente como ação política (se é que há uma ação política), espero que o artista pernambucano vença a queda de braço institucional e, assim como Alison Jackson, possa expressar suas angústias com o exagero que lhe parecer necessário. Do contrário, caminharemos no sentido oposto, no caminho da arte adestrada, da arte boa-conduta, e, pior, da obviedade.

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Posts anteriores sobre a Bienal 2010:
Um Spray na mão e uma Bienal na cabeça.
Bienal 2010 - Política, Rua e Rebolation

4 palpites:

Erê, Thi,
Você e seus títulos que caberiam muito bem a uma operação da Polícia Federal!
Mas acho que há "ação política" na parada, sim. Tudo bem, daqui dois segundos aparece alguém dizendo, "como assim, que porra é essa de ação?". O simples fato de um eleitor psdbista, ou lulista, que seja, ao ver fotos como essas do sujeito, imagino, já ficaria contrariado, o que já vale pra nossa humildade aqui... Agora, se é um AÇÃO POLÍTICA que remete a... enfim, claro que não. Uma exposição fotográfica, de telas, não deixa se ser, enfim, um grande retrato. Ponto.
Porém, fico curioso com essa "necessidade" que se tem de explicar as coisas, em especial, quando remetidas ao "inconsciente"... porque se é "inconsciente", o acesso a isso é, no mínimo, mais complicado do que pintar um autorretrato matando um presidente... (não que fazer um retrato seja algo simples, não é isso). Como não entendo desse tal acesso, não sei o que dizer... (aliás, Thi, cê bem poderia escrever sobre o filme A Origem, não? - bora assistir antes ao Amnésia, que estamos devendo um ao outro)
Ah, gostei do último parágrafo, apesar dele remeter ao título, que, por sua vez, me desagradou inicialmente, mas "eu já sabia" que era uma provocação!
Abraços

Bom...pra variar eu não entendi nada do que o Hugo escreveu! Mas pode ficar tranquilo Hugão, pq eu não entendo muita coisa que eu leio...rs
Gostei muito do texto e principalmente do trabalho de Alison Jackson. No entanto, me parece que quando estes trabalhos ganham grande repercussão na mídia, os artistas tornam-se personagens da sua própria crítica, ou seja, viram autoridades que irão dizer quais os limites que a arte deve ter, ou tornar-se-ão celebridades que tem uma imagem construida artificialmente. Eles, portanto, passam a fazer parte do centro de poder contra o qual tentaram "se vingar", dando entrevistas, fazendo tardes de autógrafos e se comprometendo de diversas formas com a "industria artística" e com todas as suas formas de seleção e de legitimação.
beijunda

Alguém uma vez disse acerca da fruição estética da arte. Que isso quer dizer? Sei lá. Entendo como algo próximo ao que Hugo aponta, sem uma necessidade de entendimento, mais como processo de percepção pelo visual capaz de fazer ligações com aquilo que cada um tem de acúmulo sobre o mundo. Isso é interessante quando se nota uma tirinha de quadrinhos sem fala e que não parece ter sentido, mas que demanda uma interpretação subjetiva a partir do leitor.

Noutro sentido, concordo com Mali. O que se diz é mais ou menos a teoria de Bourdieu sopre o CAMPO das artes. Campo como espaço de disputa, onde há aqueles que ditam os limites e possibilidades, e que cada ator atuante está num ponto desse campo que pode chegar a comandar, ou estar em destaque e se posicionar ditando alguns caminhos. Entrar na indústria seria estar nessa disputa, se crítica para depois comandar (ver Bourdieu - As regras da arte, onde toma como exemplo o livro de Flaubert e expõe o vanguardismo crítico de Baudelaire, da arte pela arte, e que depois vai ser a regra para aquele campo).

Em terceiro lugar, fiquei pensando sobre a imagem do autoretrato - fica evidente que a crítica ou o impacto se dá no ato/ação política do artista na iminência de matar os presidentes MAS os outros elementos podem nos dar pistas de outras coisas que o autor quer mostrar? Primeiro o envelhecimento do artista. As roupas mudam - aparece de chinelos e bermuda na era FHC e calça e sandálias em Lula. As armas são distintas (revólver e faca). Os presidentes estão amarrados diferentemente um do outro (o Lula muito mais "amarrado" que FHC). O terno de FHC está aberto, meio estilo despojado, livre; Lula está contido, o terno parece mais fechado (talvez pela amarração). O tipo de cadeira. A barba do autor. A expressão de tranquilidade de FHC e de dor e sofrimento de Lula. O que tudo isso nos reflete? A que nos remete? Não deixemos que o impacto da imagem cegue nossa visão.

Bitocas

Pois é André (andré é foda hein), eu também pensei isso quando coloquei o vídeo da Alison, um vídeo totalmente espetacularizado.

Tem uma leitura que diz que o Chico Buarque, na música Roda Viva, fala sobre isso. Comparando a Indústria Cultural a uma Roda que engole a todos os artistas que se colocam contra o status quo. Inclusive ele próprio.

Mas aí fica a questão, é possível (ou necessário) difundir amplamente um projeto, uma arte ou mesmo uma ideia, sem cair nesse paradoxo?

fodaaa...

Abraços!

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