segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Forasteiros

. . Por Thiago Aoki, com 3 comentários


Iñarritú, Bardem, Biutiful


Entre os destaques do lançamento do Festival de Cannes deste ano, estava o longa "Biutiful", do diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú. Foi o primeiro filme que Iñarritu dirigiu depois de sua ótima parceria com o escritor Guillermo Arriaga que levou à trilogia "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel". "Biutiful", título que remete à palavra inglesa beautiful, emocionou boa parte dos cinéfilos ao falar sobre uma Barcelona pobre e cerceada pela exploração à imigrantes.

Javier Bardem, muito elogiado pela crítica, faz o protagonista Uxbal, que jamais conheceu o pai, tem uma esposa problemática e cuida sozinho dos filhos. Para isso, "agencia" imigrantes ilegais - africanos e chineses.

Claro que, como a maioria dos brasileiros, ainda não tive a oportunidade de assistir ao longa, mas gostei de uma entrevista que li com o ator principal. Em uma das falas, o entrevistador pergunta algo como se não era estranho o artista ter participado como protagonista de dois filmes que mostram Barcelonas tão diferentes, referindo-se à pobreza de "Biutiful" e o glamour de "Vicky, Cristina e Barcelona", dirigido por Woody Allen. A ótima resposta do ator é a seguinte: "A Barcelona de Alejandro é a da corrupção e da exploração de imigrantes ilegais, sem a qual a Barcelona de Woody Allen não existiria. As duas realidades são interdependentes, dois lados de uma mesma moeda." Infelizmente o repórter, ou a edição da reportagem, mudou de assunto.

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Banksy e os Simpsons

No último domingo, foi ao ar, nos EUA, uma polêmica abertura dos Simpsons, dirigida e produzida pelo polêmico grafiteiro Banksy, a pedido dos prdutores da série. O casamento dessa espécie rara de anti-herói marginal com a Fox, gigante da produção cinematográfica, só poderia mesmo ser, no mínimo, problemática. A animação é desde o início interessante com alguns toques notáveis do artista, e radicaliza-se no final, quando a câmera se afasta da fotografia tradicional da família sentada ao sofá, que encerraria a abertura. Uma nova fúnebre trilha sonora se inicia e a imagem escurece. Chega-se a um lugar insalubre, com diversos trabalhadores semelhantes, imigrantes ilegais caracturais e tristonhos, em uma linha de montagem para a confecção de produtos da minissérie. Além disso, evidencia a matança e maus tratos de animais que, tristes, cedem à lógica do lugar feito escravos. Após a forte e torturante cena, a câmera afasta-se mais um pouco e percebe-se que aquilo tudo está ocorrendo dentro do alicerce do emblema da Fox, que por sua vez está dentro de uma televisão - no caso, da televisão de quem está assistindo ao programa. Dá a entender, assim, que o espectador, acostumado a rir com as peripécias de Hommer e companhia, assite também a uma empresa cujo interior é composto pelo submundo da exploração do trabalho imigrante e de mazelas sociais. Diz-se por aí que as notícias sobre terceirização de trabalhadores coreanos por parte da megaempresa teriam "inspirado" o artista.

Eu não esperava menos de Banksy e de sua arte diversas vezes posta à prova pela Indústria Cultural. Por outro lado, devo reconhecer que fui supreendido pela exibição sem cortes do polêmico trecho. Seria mesmo contraditório a série que tem como cerne o exagero dos costumes e problemas americanos censurar uma brincadeira consigo própria. Ainda que toda brincadeira tenha um fundinho de...Bom, vocês sabem...



(Fiquei imaginando a abertura de uma novela ou "reality show" brasileiro qualquer. A câmera se afastando da imensidão tecnológica dos estúdios e chegando às vilas existentes na periferia de SP, com trabalhadores coreanos, bolivianos e peruanos - superexplorados pela indústria têxtil. No escuro da fábrica, a confecção em massa de vestidos e figurinos para a emissora. Claro que nunca houve essa ligação, é só realismo fantástico de minha parte...)

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Tendo como ponto principal a questão da exploração de imigrantes, ferida aberta em boa parte dos países de "primeiro mundo", os casos de "Biutiful" e da abertura dos Simpsons demostram que é possível uma arte relativamente autônoma e contestadora desenvolver-se no seio da Indústria Cultural. Superando possíveis embates institucionais, tanto Biutiful fora ovacionado em Cannes, e deve concorrer a algumas estatuetas do Oscar, como a abertura dos Simpsons fora transmitida integralmente e é hoje um dos vídeos mais assistidos na web. Se é a fórmula mais eficiente e conceitualmente válida não sei, mas é uma boa maneira de equilibrar visibilidade, recursos e inovação - equação tão cara aos artistas de hoje. Não é preciso ser da periferia para ser marginal. Agindo nas brechas da corrente que tudo engloba, é possível fazer arte sem ser óbvio, simplista ou passivo.

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Misturas Relacionadas:
Nous Sommes Tous Des Immigrés - Por Caio Moretto
Quem é Banksy? - Por mim mesmo

3 palpites:

é, existem brechas, mas essas brechas sempre tornam-se parte da indústria e mercado. sinceramente, acho impossível uma arte contestadora de dentro da própria indústria. banksy chegou perto com a abertura dos simpsons,mas ainda é pouco perto do poder da grande mídia e da graaaaande indústria de entreterimento...

abraço e continue escrevendo, sempre acompanho o site, que achei semquerer aqui em BH, apesar de não comentar...

Da hora, James. Comenta aí. Acho que a ideia do blog é um pouco gerar essas discussões. E todo mundo que escreve aqui gosta de discutir os comentários.

Acho que existe esse movimento constante de tentativa de apropriação e reconfiguração da arte marginal, que tenta aproveitar o buzz e neutralizar a crítica - é o que todo marqueteiro quer: um hit inofensivo - mas acho que vale o desafio. De um lado o artista-militante querendo gerar visibilidade à sua crítica e do outro a Fox (ou a empresa que for) tentando esvaziá-la de conteúdo para se aproveitar da publicidade. Acho que esse é o limite. E no caso achei que foi usado de uma forma bem incrível. O cara aproveitou seu próprio nome e o aval da Fox, escolheu uma ferida e enfiou o dedo.
Achei a conclusão do Thiago bem certeira: "uma boa maneira de equilibrar visibilidade, recursos e inovação - equação tão cara aos artistas de hoje. Não é preciso ser da periferia para ser marginal."

Gostei muito do formato do post, além do conteúdo e da escrita, também, todos muito bons.

Também sou meio cético quanto a aberturas, brechas, enfim, como já disse o André (Mali) comentando outro post, e como também colocou o James.

Rita Morelli tem um texto sobre televisão, se não estou enganado, sobre programas musicais, em que traça uma comparação com perspectivas que servem de "janela" ou de "espelho", sociais, comunicando novos/outros universos, ou apenas operando como reprodutores, como retratos de uma condição, respectivamente. Talvez agora eu esteja distorcendo bastante esta postura teórica, mas me parece que o que o Bansksy fez com o Simpsons, e com a Fox, é meio que um "espelho" mesmo.

Outra coisa, às vezes, quando mais uma vez refletimos sobre Arte e Políca... Me parece que muitas vezes quando se coloca esse par num texto, quase sempre a Arte está a serviço da Política, dirão alguns, "oras, afinal, tudo é política". Pode ser. Mas o caso não é apenas isso, e sim um "a serviço" em prol, em direção de algo, seja uma crítica, ou uma transformação social, que seja, quase sempre. Isso muito me incomoda. Se entendermos a Política enquanto forma de organização social, retiramos, assim, da Arte algumas possibilidades estéticas, já que ela estaria marcada pela esfera do Poder. E ficamos em cima de algo muito fechado, digo isso analiticamente, pra pensar Arte. Sobretudo, porque a Polítca também não deixa de ser expressão humana, propriamente, mas passa também por outras esferas.

Voltando ao formato, quando li a primeira vez, achei muito legal o paralelismo criado não só pela exposição do post, mas pela criação da ponte entre o filme e a abertura dos Simpsons. E, concordo muito, como destacou o Caião, não é preciso ser de periferia para ser marginal. O sentido do marginal é que é bastante ambíguo, por assim dizer, porque senti que o último parágrafo talvez precisasse trazer, Thi, a fala do Javier Bardem em outro contexto fazendo um contraponto com o trabalho exposto de Banksy: "As duas realidades são interdependentes, dois lados de uma mesma moeda".

Abração

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