domingo, 3 de outubro de 2010

Eu confesso...

. . Por Thiago Aoki, com 5 comentários

Esses dias, sem querer querendo, caiu no meu colo uma linda crônica de Tostão - fantástico futebolista e futebólogo. Dizia ele que é mentira a máxima segundo a qual a bola procura o craque. Pelo contrário, é ele que busca e encontra o lugar certo, na hora certa. "O grande craque, além da técnica e da habilidade, antevê o lance, inventa, improvisa e surpreende. Ele sabe antes dos outros. Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber intuitivo que antecede o raciocínio lógico. Ele sabe, mas não sabe que sabe." ("O Corpo, a Alma e o Futebol" - Folha de São Paulo, 12/02/2006)

Para escrever essas linhas, Tostão deve ter pensado nos grandes mestres da bola, como Pelé, Cruyff, Romário. Ao lê-las, no entanto, me vêm à cabeça Drummond, Van Gogh, Cartier-Bresson. Que diabos havia na na cabeça do poeta mineiro no momento em que escrevia seus poemas? Ele aliás, tem uma célebre frase sobre Pelé: "O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé". O mesmo poderíamos dizer sobre sua poesia tão inovadora, e tão já sabidamente eterna. E Van Gogh, com sua pincelada única, que força estranha possuía suas mãos guiando seu pincel de modo que nenhum outro pudesse imitá-lo? Deve ser algo semelhante ao clique da câmera fotográfica de Cartier-Bresson, cujo instante, estático na foto, movimenta-se em nossos devaneios após contemplá-la.

Todos sabiam os conhecimentos específicos de sua área de atuação: literatura, pintura, fotografia. Mas não podemos considerar apenas uma técnica apurada. Algo ali os distinguiam da média. Algo não concreto, não didático, intuitivo, impossível de se quantificar ou coisificar, que nos permite e obriga a ficarmos encantados. Um saber para além da lógica, beirando o metafísico. Nosso próprio encantamento não depende do conhecimento estrito e racional. Não é preciso conhecer o movimento na harmonia musical ou a tonalidade em que se dá a progressão das notas para se encantar com "Jesus, alegria dos homens", obra imortal de Bach ou com o violão de Baden Powell. Acho que é isso: as obras desses artistas estão tão carregadas de inspiração e intuição, esse sexto sentido que Tostão descreveu, que não há como não nos entregarmos a elas.

E o que faz de uma obra medíocre seria o contrário. Podemos acertar o emprego de todas as crases e pontuação de um texto, mas odiarmos seu conteúdo ou forma. O texto de jornal, aquele que relata friamente uma notícia, diferencia-se de uma grande obra literária porque, por mais correto ortograficamente, não contem a subjetividade que a inspiração de seu autor poderia adicionar ao nosso cotidiano. Claro que cada um inspira-se de um modo e talvez seja apenas uma ideia minha pensar que Chico Buarque é melhor que Felipe Dylon. Como também há, quem sabe, quem prefira Felipe Melo ao Garrincha. Gosto é gosto e vice-versa.

Mas o que fazemos quando, apaixonados e esperando por Garrinchas, encontramos apenas Felipes Melos? Se ao nosso redor não encontramos praticamente nenhum resquício de nossas referências, de nossas inspirações, outrora completas? Se nada fosse suficiente para preencher qualquer tipo de esperança?

Chame do que quiser: vazio da modernidade, mal estar da pós-modernidade, fim das utopias. Mas eu simplesmente não aceito o menos pior, o básico. Aquele que, com muita sorte, tem apenas o conhecimento técnico da coisa. Que longe de inventar ou surpreender, padroniza, torna estático o que seria sublime. Aquele que é pragmático, utilitário e funcional - apenas.

Prefiro simplesmente me abster, esperar, enquanto busco noutros cantos outros encantos. Não quero levar comigo o desalento forçoso de achar magia onde não há. Como pode ser tão grande a distância entre o cheiro fétido que inalamos e o perfume suave e sedutor que deveríamos sentir? Nego-me a contentar com tão pouco, com o que não inspira... Nego-me a alimentar com comida podre para saciar a gula..

Nego-me a escolher entre o sórdido e o inconcebível.


Qual a confissão? Anularei meu voto no segundo turno das eleições de 2010 para presidência do Brasil. Por enquanto...

5 palpites:

Eu gostei do texto, Thi,
Espero que outros comentem. Visível a sua (nossa) obsessão pela temática da "Arte" e da "Política". Mas se esses dois monstrinhos já são difícieis de definir, melhor é pensar que (com) eles a gente discute, bate papo, chegar a uma conclusão seria muito pretensioso. Mais complicado ainda talvez seja falar sobre a "relação" entre ambos os termos...

Esperava, pela data e pelo título, que você fosse falar das eleições. Estranhei a introdução e o desenvolvimento das questões, talvez também por esperar a vinda logo das "eleições" na conversa...
E, confesso, também, teve uma hora que não queria mais que você trouxesse as eleições pra conversa, que estava boa do jeito que estava.
A ponte que você fez, com isso, foi bastante sutil (quem sabe um tanto poliana, utópica - se eu fosse irônico, diria eu que conheço alguém que diria mais ou menos essas coisas, sabe? enfim, ironias).
Gosto de metáforas, e não acho que devemos nos policiar ao utilizá-las - só de vez em quando, ;) não foi o caso, acho.
Não precisava falar de modernidade , pos-modernidade e fim das utopias pra ampliar (e quem sabe confundir) os aspectos que você destacava, esse parágrafo ficou meio deslocado.
Quem são os Felipes Melos e Felipes Dylons, Garrinchas? Podem ser muitos...
Arrogantemente, dá pra dizer, Thi: vai dizer que você não sabia que a política pode (é, segue sendo) ser "sódida e inconcebível"?
Um dia ouvi uma frase: "A Política é a Arte do Impossível" (óóó) - e o "impossível" pode ser esperançoso, ou não... Tem sempre aquela velha distinção da política como ela é, e de como ela deveria ser, não dá pra esquecer dO Príncipe...

Particularmente, ando mais pragmático. Discutindo com uma amiga, o texto do Safatle de hoje achei bem interessante sobre o atual cenário.. Caderno de Poder do jornal FSP, 04/10/2010

Ainda não sei o que farei no segundo turno para presidência. Não gosto de pensar em termos de executivo, apesar da grande importância. Legislativamente, a formação do Senado tem uma impotância muito grande. São Paulo pelo menos pode tentar manter um certo equilíbrio de orientações, diferente de outros estados, como Minas Gerais. Entre deputados federais e estaduais, pra mim, a preocupação é muuuito maior: nada, nada mudou, pelo contrário, só se reforçou. E agora precisamos, inclusive, voltar ao teu texto sobre o Tiririca.
O raciocínio de dos males o menor me intriga muito, e, de fato, não sei se há tanta diferença entre os candidatos à presidência. Não sei o que vou fazer.
Me pergunto, me pergunto muito, que diabos se passa no Estado de São Paulo, com a eleição para governandor... me apavora! Enfim...

Abraços

ps.: acho que foi um dos teus melhores textos, muito bem escrito.
Parabéns!

Achei a relação muito bem feita...
Assim como o chinês, vejo insuficiente a política e a arte postas a nós como mercadorias que são empurradas goela abaixo através de um bombardeio publicitário e de falta de fáceis opções.
Porém, a arte e a política institucionalizadas são apenas uma parte, e ao meu ver a única que não vale perder tempo, do campo de atuação que estes campos possibilitam.
Boas produções artísticas e atuações políticas que não coloquem a luta pelo poder em detrimento de verdadeiros ideais existem - exemplos que me vem à cabeça agora são a casa da xiclete em São Paulo (casa de exposições quase underground) e a banda Quinteto em Branco e Preto e ,porque não, o próprio Miséria. No entanto, a grande mídia nacional e internacional - que são as mesmas - só terão interesse em lhes dar espaço se sua crítica puder ser controlada ou desvirtuada a ponto de que sua mensagem não chegue aos interlocutores. Exemplo de quando interessa podem ser de CQC até Neimar.
Apontar esse fenômeno como algo pós-moderno, moderno, ou contemporâneo me parece muito mais um saudosismo de uma época idealizada que inclussive não vivemos.
Frente à política partidária e institucionalizada eu não me abstenho. Meu voto nulo posição política de negar a validade e legitimidade desta forma de política. Se este voto não tem o condão de implodir o sistema eleitoral e se torna praticamente altista, pelo menos eu terei um tempo livre pra garimpar alguma coisa que preste enquanto outros estarão máquinas distribuindo planfletos.
E mesmo depois de tudo isso eu continuo com a mesma dúvida do Hugo: Alkimin em primeiro turno São Paulo?

Beijos
Mali

Retiro o comentário sobre o deslocamento das questões de pós-modernidade, modernidade e fim das utopias... mas o seu argumento, como um todo, ficou meio deslocado. Isso é que dar comentar precipitadamente...
Talvez faça parte disso aí, da modernidade, ou do seu atropelamento, a indissociação entre dentro e fora da política e, no fim das contas, estamos tão "inconcebíveis e sórdidos" como o cenário que miramos.
Ingenuidade nossa achar que é um outro mundo tão distante assim, e que nós é que somos baluartes da ética e da esperança num novo mundo?

To meio fora de forma pra ser um baluarte rs..Foi um desabafo, até mais do que uma conceituação. Perdoe-me os exageros e palavras desnecessárias Hugão...Pra mim que já militei para o PT por algum tempo, tem sido muito lastimável buscar algo de belo no reino tupiniquim. É tudo muito contraditório quando se trata de Dilma x Serra, mas acho que o mais correto pelo que penso é negar, não a esqueda, mas Erenices, Dirceus, Sarneys, etc. Já não tenho tanta certeza de que o governo do PT seja um locus "em disputa", embora pense que seja bem imbecil o que nossa mídia vem caluniando em suas manchetes. Mesmo assim, os rumos estão muito ruins. E digo mais, se você pesquisa no site dos candidatos o prgrama de governo de ambos, veja que o do Serra está melhor, sem brincadeira, tamanha a levianidade das propostas da Dilma, que levam nada a lugar nenhum. Tenho que concordar que houve uma peessedebização do PT. É hora de nós, que crescemos lutando para a "esperança vencer o medo" cortarmos na própria carne. É isso que sinto quando penso em votar nulo. Mas é o que penso em fazer. Embora, assim como o Mali também pense que não seja esse o único campo de disputa política.

aliás, Mali, estamos esperando algum texto teu para publicarmos aqui no Mistura, manda por e-mail! Pode ser sobre samba, política, queda de cabelos, ou qualquer coisa.bjs!

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