sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um Marcador, Um Jornal, Uma Poesia

. . Por Fernando Mekaru, com 8 comentários

Austin Kleon é mais um dos milhares de escritores que a internet nos coloca em contato ocasionalmente: utilizando-se da rede para disseminar seus trabalhos, procura atingir o maior público possível para que suas mensagens não sejam só mais um artístico (e inócuo) grito para um público inexistente.

O diferencial maior de Kleon, aquilo que o torna distinto de todos os outros, não é a qualidade de sua literatura, os temas que aborda ou as polêmicas que levanta: o autor americano é interessante por subverter o processo tradicional de criação de texto, ao executá-lo somente com recortes de jornal, uma caneta marca-texto preta e a paciência para caçar palavras de tal maneira que, juntas, as palavras escolhidas façam aparecer um sentido que, anteriormente, não estava lá. O contraste entre preto e branco que se gera durante este trabalho causa um pouco de arte plástica incidental, que o autor se aproveita de maneira criativa em alguns de seus trabalhos.



O problema de Cinderela foi sentar e esperar pela fada madrinha


A princípio, esse processo quase infantil de geração de textos soa como picaretagem e mediocridade extremamente concentrados: aqui, é difícil falar em autoralidade da obra de arte para além da escolha e ordenamento das palavras, e o esforço envolvido para a criação de um texto literário é ínfimo se comparado a processos mais tradicionais de escrita. Numa primeira avaliação, é mais uma experiência artística com tudo para ser considerada pura forma, desprovida de conteúdo.

A verificação dos trabalhos, porém, acaba por quebrar essas expectativas iniciais.

Os trabalhos de Kleon são pequenas peças de literatura, que normalmente não passam de duas sentenças, mas que possuem carga emocional e significado o suficiente para que a apreciação de recortes de jornal pintados arbitrariamente de preto não seja considerada uma atividade reservada a loucos ou desocupados. O trabalho do artista, nesse caso, se dá na extração de sentidos e narrativas de um enorme banco de palavras aleatórias de tal maneira que seus significados se tornem maiores do que a mera soma das palavras escolhidas - é, em resumo, um processo de síntese que não se difere muito da produção tradicional de textos.

Em poucas palavras, seu trabalho possui as características necessárias para serem encaixados, de uma maneira ou de outra, no universo de difícil definição que se tornou a arte atualmente.



Enquanto houver uma estrada aberta, o familiar terá competidores formidáveis.


Verifique muitos outros trabalhos do autor no blog do mesmo.

8 palpites:

Não o conhecia. Interessante demais essa perspectiva literária que ele lança.

Curti

Dá uma olhada nesse trabalho de um artista brasileiro chamado Tom Lisboa:

http://www.sintomnizado.com.br/palimpsestos.htm

Tem a ver com esse lance de brincar com o jornal também.

Achei que estivesse fora de forma.

Enganei-me.

O Texto está ótimo, muito bom relê-lo.

Abraços!

Entrei no site do Austin hoje. Seu trabalho é que mostra como a arte, por vezes "simples" pode se complexificar em nossa cabeça. Nada ali é mastigado, mediado, explicado. Mas milhares de interpretações para cada texto. É um ótimo meio-termo limite entre a abstração total, quase parnasiana e o banal.

Muito bom mesmo o cara...Tem muito o que acrescentar...

aliás, o número de interpretações se multiplica ainda mais quando se tem um inglês fraco como o meu ehehehehe

Mekarinho,
por favor, me diga se eu não estou viajando.
quando li o teu post, fiquei meio assim de lembrar se o maluco aí do qual cê falou, o Kleon, não tem alguma ligação, no processo criativo, na montagem do barato artítico dele, com aquelas "escolas" (não sei se cabe o termo) de vanguarda do ínicio do século passado, mais especificamente com o Dadaísmo. e especificamente, de novo, quanto aqueles "poemas aleatórios", aqui quase nada aletaótorios propriamente, imagino, pelo contrário, buscando outro sentido em algo que aparentemente nada tinha com a arte realiazada pelo Autin Kleon. e, ainda, com o ready made...
Um abraço

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