sábado, 8 de maio de 2010

Quando me apaixonei por Vera Loyola

. . Por Unknown, com 3 comentários

Demorei um pouco pra me lembrar do nome da moça, já a cor do vestido curto dela não foi difícil recordar. Como se diz, “ela causou” de ódios e xingamentos mil, no prédio da faculdade onde estava com o vestido rosa, a reflexões as mais abstratas, conceituais, sobre "A Liberdade". Hoje, não me atreveria a dizer que a reconheceria, mas do seu rosto pouco tenho em mente, apesar de recentemente ter visto que ela lançou uma grife de roupa e gravou um vídeo-clipe com um grupo musical, o Inimigos da HP. Pelo menos dá pra dizer que não foi apenas “cinco minutos de fama”, feito um “ex-BBB”. Geisy Arruda ainda tem algum status num mundo, muitas vezes, só, apenas e tão somente, de status.
Já na última edição da revista Bravo!, a capa traz Lady Gaga como aquela que atingiu o maior número de visualizações de vídeos-clipe pelo youtube. A cantora teria sido quem mais se utilizou, e bem, com sucesso, da internet. Mas toda vez que cruzo os olhos com alguma coisa de Beyoncé, ou de Lady Gaga, ou de ambas, lembro da Geisy Arruda.
Talvez porque não faz muito, também, um comercial de cerveja (Devassa) foi proibido por causa, diziam algumas análises, da “objetificação do corpo da mulher”. Sem tentar fazer muita firula teórica, digo, grosseiramente simplificando, haveria uma associação da imagem da modelo, ou atriz, Paris Hilton, que protagoniza o comercial, à latinha da dita cerveja. O comercial, a propaganda, aparentemente, quem sabe sugerisse que o consumidor da cerveja desejaria da mesma forma a mulher, no caso, Paris Hilton, e a cerveja.



Guardo aqui minhas dúvidas sobre os argumentos da proibição do comercial.
Não me convence que a o vontade de beber cerveja seja parecida com o desejo sexual. Em outro plano, o da "objetificação" de homens e mulheres, acredito que héteros ou gays têm “objetos” de desejo abstratos, que são homens e mulheres, ora, não importa se héteros ou gays. Agora, se alguém vê beleza em Vera Loyola, ou na Juliana Paes, no Raul Gil, ou no Bruno Gagliasso, é outra história. E mesmo assim, todos perdem o termo “objeto” quando confrontados diretamente, face a face, como seres humanos portadores de vontades, opiniões, enfim, enquanto vivos, são "sujeitos". Posso achar a Juliana Paes linda e ser apaixonado pela Vera Loyola, por exemplo. Só que não é o caso, felizmente.
Agora, quando li sobre a proibição do comercial, a matéria, daquelas que aparecem quando saímos do portal do e-mail, ironizava ser justamente no Brasil, país conhecido pelos biquínis mínimos, da nudez do carnaval, no qual se fazia a restrição. Como se não se utilizassem roupas curtas, e bem curtas, mundo afora. Pior, se estendêssemos o raciocínio, no limite, desdobrando o argumento, chegaríamos no velho estereótipo que, muitas vezes, é naturalizado internacionalmente, de que “a mulher brasileira” é sinônimo de “fácil”, “vulgar”, e que carrega o seu par, “o homem brasileiro” entendido como “safado”. Difícil seriam as ditas “ciências humanas”, ou simplesmente, as “humanidades”, sobreviverem sem a construção de alguma generalização para discutir e refletir sobre muitas questões, porém, elas são perigosas, e repetidas vezes enormemente equivocadas.
Lembro ainda que, recentemente, visitei três cidades marroquinas, e me chamava muito a atenção ali, claro, a diversidade da vestimenta, da expressão corporal pelas ruas de homens e mulheres. Muitas perguntas me ficaram, mas aprendizado espero ter trazido algum: um país majoritariamente muçulmano não proíbe completamente as mulheres de mostrarem os cabelos, por exemplo; e o islamismo não é machista. Porque da mesma forma que um país cristão, como o Brasil, não é uniforme na expressão de sua religiosidade, de sua moralidade pública e privada, também o Marrocos, ou a Argélia não podem ser vistos de maneira homogênea. Ser um país cristão ainda não diz muito, já que mesmo declarando-se católico, ou protestante, por exemplo, o grau de ramificação do cristianismo é enorme. E a relação entre credo e prática social , em geral, não é necessariamente direta. Outro exemplo, não dá pra achar que o teólogo Leonardo Boff pensa da mesma forma que Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, mesmo ambos sendo católicos, cristãos. A mesma relação existe no islamismo.
Mais, "A Liberdade", por mais que seja preciso defendê-la em muitos contextos, é um conceito, sobretudo, europeu e cristão. Então, dizer que o islamismo é “machista” é um bordão muito fácil, que não procura o significado da relação entre homens e mulheres no contexto islâmico.
É difícil imaginar, mas até mesmo “A Liberdade” pode ser opressora, agressiva, como podem sugerir as fotos de Marc Garanger, soldado francês que lutava contra o movimento de independência argelino na década de sessenta. O olhar das mulheres sugere que a violência pode não estar somente nas armas de fogo, mas nas lentes da câmera também.
O debate acerca do islamismo reapareceu recentemente por causa da tentativa francesa de proibir o uso do véu fechado (a burca), sob a alegação de que repartições e transportes públicos necessitam de identificação. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, teria dito, inclusive, que a burca representaria a subjugação da mulher. Vemos, mais do que nunca, a encenação de um embate entre duas perspectivas de mundo completamente diferentes. O véu que cobriria o rosto de algumas mulheres islâmicas é visto como entrave à nossa sociedade dita liberal e democrática, aos valores republicanos, laicos e universais, por exemplo, na identificação das pessoas. Porém, se dificulta a identificação, Sarkozy, não quer dizer que subjulga, são duas coisas bastante distintas.

E a discussão vai se ampliando, se difundindo, se ramificando, em diversos planos. Encontrei, assim, uma poesia interessante, pois amarrar os diferentes horizontes me parece cada vez mais distante:

No se me importa un pito que las mujeres
tengan los senos como magnolias o como pasas de higo
un cutis de durazno o de papel de lija.
Le doy una importancia igual a cero,
al hecho de que amanezcan con un aliento afrodisíaco
o con un aliento insecticida.
Soy perfectamente capaz de sorportarles
una nariz que sacaría el primer premio
en una exposición de zanahorias;
¡pero eso sí! -y en esto soy irreductible- no les perdono,
bajo ningún pretexto, que no sepan volar.”
(Olivério Girondo)

Pensando em Geisy, Paris Hilton, Lady Gaga e Beyoncé, me vem uma frase de Nelson Rodrigues que foi citada por Ruy Castro quando do auge da discussão sobre o caso de Geisy: “Só o rosto é obsceno, do pescoço pra baixo poderíamos andar nus”. E mais do que a exposição excessiva do corpo, talvez o que mais me incomode seja o fato delas não terem olhos (nunca lembro de procurar pelo rosto quando elas aparecem), já que imagino que o que nos dá a possibilidade de voar, conforme Girondo, seja a alma, cuja janela todos já ouviram dizer que está no olhar.

3 palpites:

Caramba, quantos temas e perrsonagens abarcados numa unica trama! Ainda bem que estão todos devidamente encaixados.

Costumo ser extremamente crítico quanto a difusão do conceito de "imparcialidade", sempre o achando extremamente dominador. Mas assim como qualquer reles mortal, dificilmente me atrevo a pensar, num lapso do cotidiano, a noção dominadora de "liberdade". Tão obvio, tão enganador. e angustiante tb, quando alguem vem me falar da "liberdade" como a arma crítica contra o oriente islamificado. Pq o islamico ja perdeu a liberdade no ocidente há muito tempo. basta ver o que o senso comum nos oferece sobre o assunto.

Divagações, apenas divagações, essas minhas...

Texto muito, muito bem escrito, começa leve e consegue, por fim, trazer discussões mais que pertinentes, além de poético. Em suma: complexo e completo.

Abraços amigo!

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