Acho que as pessoas me consideram extrovertido, alguns, menos criteriosos, até me acham engraçado. Outros, amigos mais antigos, reclamam da repetição das piadas sem graças após sofríveis anos de convivência. Mas, de fato, o humor - do pastelão ao sarcasmo fino - sempre me perseguiu.
Hoje, fiquei um bocado receoso com a interessante entrevista do cartunista Quino para a Ilustrada da Folha de São Paulo. O tom que a edição da reportagem apresentou demonstra um Quino tanto quanto ranzinza, niilista, descrente. Que se sente idiota em posar para fotos jornalísticas e observa nos humoristas uma "raça em extinção". Se Mafalda, sua principal e mais notável personagem, acreditava em um mundo melhor, estava enganada. "Repare que de Adão e Eva saiu um filho assassino. Logo, de quatro pessoas que havia no mundo, 25% era um delinquente. Então não mudou nada. Somos assim". Para Quino, explicar o fato de a Mafalda continuar sendo atual, mesmo tendo acabado em 1973 é tão simples como identificar as loucuras que aconteciam no castelo de Hamlet com a atual Casa Branca: a sociedade nada mudou e "o ser humano segue tão mal como sempre".
A primeira dificuldade é ouvir isso de alguém que lutou contra um dos mais crueis regimes ditatoriais. A segunda é olhar para a televisão, para a rádio, para o teatro e notar que o "humor" é fórmula do sucesso midiático e cultural. Como se dizer que o mundo está tão ruim como outrora e que os humoristas estão em extinção?
"Nós humoristas éramos um pouco as pessoas que denunciavam situações que nem todo mundo se dava conta. E, agora, o que se vai denunciar? Há vários livros denunciando de tudo na política e não acontece nada. Antigamente você desenhava algo e ia preso. Agora, nada importa."
Parece um pouco aquilo de que Caetano Veloso em alguma de suas entrevista disse sobre o fato de que a ditadura militar, de certa forma, levou a uma época de rara criatividade na cultura nacional. Mas o que não me encaixa na cachola, tanto na fala de Quino como de Caetano, é entender por que a democracia, essa liberdade pela qual ambos lutaram, levaria ao ostracismo, à inércia cultural ou humorística. Hoje, a febre no humor é o stand up comedy, que inclusive um de nossos Indigestos já se engraçou de fazer. O fato das denúncias do cotidiano apresentadas pelos comediantes não serem reprimidas como um quadrinho de Quino durante a ditadura Argentina não indica necessariamente a perda da importância ou dimensão do humor nas sociedades. Nos quadrinhos brasileiros, por exemplo, temos uma safra magnífica de quadrinistas assim como os grandes d'O Pasquim, citados por Quino como exemplo. Só para citar alguns contemporâneos: Laerte, Adão Iturrusgarai, Allan Sieber, André Dhammer, entre outros.
Todos que me leem e conhecem sabem que não sou fã, nem entusiasta da democracia de mentirinha que vivemos e da sociedade de e para o consumo da qual fazemos parte, muito pelo contrário. O que quero dizer, e defender, é que, para além de questionar a qualidade do que surge em nossa época ainda temos que aprender a lidar com democracia, tecnologia e liberdade. Quesitos que nunca tivemos com tanta abundância e ênfase, mas cujos resultados ainda são altamente questionáveis. E talvez seja essa dificuldade que perpasse a entrevista do cartunista argentino. Somos livres? Somos democráticos? Para que(m) serve a tecnologia? É isso que está em disputa e em questão para todos os segmentos, inclusive o cultural. E a resposta que construiremos é que nos ajudará a propor um novo mundo. Sem nos esquecermos, entretanto, que essa resposta só pode existir COM os três elementos - democracia, tecnologia e liberdade - ou alguém acha que pode viver sem algum deles? Então, é melhor que lutemos, como diz aquele profético samba do Paulinho da Viola, "sem preconceito, nem mania de passado / sem querer ficar do lado / de quem não quer navegar". É isso que esse Blog tenta fazer.
2 palpites:
Chinês, na minha opinião, vc podia botar o linque do stand up do Caião.
Smac
Gostei desse seu post e da temática do blog!
No caso, eu adoro essa mistureba cultural.
Atualmente eu estou voltando a ter interesse por quadrinhos, coisa que eu meio que esqueci por um tempo.
Quanto ao nosso país, tudo vira uma forma de consumo, principalmente a arte, conforme você mesmo citou.
Abaços!
Postar um comentário