terça-feira, 9 de março de 2010

O Gospel de lá e o Gospel de Cá

. . Por Thiago Aoki, com 3 comentários

Alguém mais cansou de ouvir "entra na minha caaasa, entra na minha viiiida"? Após o crescimento expressivo da Igreja Protestante brasileira, divulgada pelo mundo por futebolistas e artistas, foi a vez da música gospel nacional enfim se firmar no mercado fonográfico, prova disso é o grupo mineiro "Diante do trono", que chegou a expressivos 7,5 milhões de discos vendidos, além de 2 milhões de DVDs. Pois bem, não faz meu estilo, verdade, mas o que me conduz a estas palavra é mostrar o porquê da gritante diferença de nosso gospel para o estadunidense, muito mais swingado, e crítico, sendo influência central para demais gêneros predominantemente negros como o jazz, soul, funk (não o carioca), blues, entre outros.

Como já dei a dica, a questão racial é ponto central para essa diferença. O gospel norteamericano deriva, musicalmente, do que foi chamado do "Negro Spiritual". Um movimento de escravos que valiam-se do próprio corpo - claro, era a única propriedade que possuiam - para dar certo ritmo à celebrações religiosas. O termo Gospel, advem do inglês antigo, "God-Spell", ou "boas novas", em referência ao evangelho. Juntando tudo, temos negros com musicalidade ancestral, que aderiam, ainda que segregadamente, às Igrejas Protestantes dos bairros negros estadunidense. Daí pra virar música, foi um passinho. Mas uma musica especial, com a tradicional impetuosa voz negra, oralidade e ritmo - muito diferente dos hinos cristãos das Igrejas Brancas, mais próximas ao Canto Gregoriano. Daí também o fato das letras mais contestadoras ao sistema social vigente. Como exemplo básico, temos o Reverendo Martin Luther King, pessoa mais jovem a receber um Nobel, por sua dedicação, entre uma e outra pregação, à luta pelos direitos civis dos negros estadunidense, imortalizado, entre outras coisas, pelo seu discurso proferido nos degraus do Lincoln Memorial, intitulado "I have a dream".



Curiosamente, em seu funeral, após bruto assassinato, a cantora Mahalia Jackson entoou a bela canção "Take my hand, precious lord", de autoria de Thomas Dorsey, considerado, nos EUA, "the father of Gospel Music" (o pai da música gospel). Dorsey, curiosamente era um cantor de blues, com certo sucesso, quando guinou sua carreira para o gospel, enfrentando inclusive a resistência dentro da própria igreja para fazer ecoar seus cânticos, mundo a fora.



A relação entre o gospel e os outros gêneros musicais de origem negra também é estreita. Do gospel, por exemplo vieram, além da própria Mahalia, Bessie Smith, Aretha Franklin e Ray Charles, em cuja música "Georgia on my mind", ao meu ver, fica explícita a influência gospel no que diz sentido à musicalidade. Ainda assim, talvez o maior divulgador da música gospel para o mundo, durante o século XX, talvez tenha sido Elvis Presley. Justo ele, branco e profano, por ironia do destino. Elvis era declaradamente apaixonado pelo ritmo e interpretou canções das mais diversas, dentre as quais, podemos citar, "Oh happy day", de Edwin Singers, primeiro cantor gospel a alcançar um disco de ouro com o estouro do hit.



Enfim, a indústira reconhecera o potencial mercadológico do gênero, mais ou menos como acontece atualmente no Brasil, embora algumas megastores ainda não trabalhem com o gospel nacional. De qualquer modo, o que queria era apenas delimitar, através das características culturais, as diferenças do gospel de lá pro de cá. Para este blogueiro, infelizmente, perdemos em criticidade, swing e voz. Isto porque se tomarmos como exemplo o trajeto de escravos brasileiros, atravessaremos da bela musicalidade do candomblé para o samba, já que a Igreja predominante no país era a cristã, diferentemente dos norteamericanos, mas isso fica para um próximo post.

3 palpites:

Este comentário foi removido pelo autor.

Parabéns pelo post, muito bom! E só pra complementar, vale lembrar da religião que surgiu na Jamaica e que deu origem ao reggae: o Rastafarismo. O gênero musical, que tem como origem musical o ska, foi primordialmente a expressão mais significativa dos seguidores da religião rasta, apesar de não ser evidentemente classificado como um gênero gospel. Abraço a todos!

Sim sim, também teve boa parte dos negros que acabaram aderindo ao islamismo, dentre os quais destacam-se Malcon X e Mohamed Ali. Relendo o texto, talvez tenham faltado citar os Panteras Negras, que também obtiveram certa influência da Igreja Protestante. E por aí vai..rss...obrigado pelo comentário..

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