quarta-feira, 3 de março de 2010

And the Oscar goes to...

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários

Domingo é dia de Oscar. Para um mísero blogueiro terceiromundista como eu, movido pelo "auto-baixo-financiamento", fica praticamente impossível assistir a todos os indicados. Porém, leal a minha cinefilia, fiz o básico, peguei as críticas, os favoritos e, auxiliado por minha fiel (espero!) namorada, saímos na empreitada de assistir aos principais concorrentes.

Pois bem, vamos em frente. Muita gente questiona o Oscar, seu glamour e ostentação. O favoritismo de "Avatar", de James Cameron, condiz com as críticas. Roteiro ruim, atuação fraca dos atores, montagem comum, mas com altíssimo grau tecnológico e um investimento estimado de básicos U$500 milhões, dinheiro com o qual, este que vos escreve, muito melhor aproveitando, construiria o estádio do Corinthians. Não comentarei aqui este filme, para isso já basta as milhares de reportagens que se embalaram na corrente do sucesso do longa. Apenas adianto que é perpassado por discussões superficiais e maniqueísta do malvado homem branco humano e sua relação mecânica/exploratória com a natureza, diferentemente da espécie de índio bonzinho que habita o outro planeta numa relação orgânica e religiosa de cooperação natural. Curiosamente, quando a coisa aperta o heroi branco norteamericano que resolve com tudo, abrindo mão de sua vida anterior pela causa dos explorados e indefesos índios, que obedecem a tudo que o novo brother ordena. Prefiro aqui, mostrar três filmes que, por qualquer amante das ciências humanas e suas intersecções com as telonas, devem ser assistidos, independente dos vencedores das estatuetas douradas.

Dos concorrentes à categoria, melhor filme é, sem dúvida, "Bastardos Inglórios", do diretor-pop entre os neocults Quentin Tarantino. É o que melhor faz aquilo que torna o cinema mágico: recria, inventa, questiona, inverte, leva a cabo as palavras de Federico Fellini, segundo o qual, "o cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus". A fotografia, figurinos, diálogos, trilha sonora e montagem impecáveis. A primeira cena do filme no diálogo de um caça-judeus nazista, interpretado com maestria pelo poliglota Christoph Waltz, com um camponês já mereceria, por si, entrar para história do cinema. Mas, entre todas, três categorias deveriam obrigatoriamente ser levadas pelo Inglorious: "melhor diretor", "melhor roteiro original" e "melhor ator coadjuvante" - alguém por favor me explica o que foi essa atuação de Waltz? Há entre os conspiracionistas de plantão quem tenha dito que Tarantino estimula o revanchismo judeu que norteia a política externa contemporânea do eixo EUA-Israel. Balela. Pelo contrário, finalmente os judeus não são coitados, mas sim pessoas com sangue nas veias, que matam, torturam, contra-atacam, exercendo, de fato, sua função em uma guerra. Noutras palavras, é criado um mundo onde a moral tradicional torna-se segundo plano e o espectador é levado a torcer pelo massacre da milícia judaica, comandado pelo tentente Aldo Raine (mais uma ótima interpretação de Brad Pitt) sobre os nazis. Personagens fortes que criam entre si elos tênues e tensos e que, se existido tivessem - e quem garante que não? - mudariam a história do mundo. Insere-se, junto com "Pulp Fiction", na lista das melhores obras do diretor.



Se Tarantino abusa da imaginação, o filme de Lee Daniels, "Preciosa - uma história de esperança", vale-se da ultra-realidade para contar seu roteiro. A história se passa no Harlem, bairro negro americano, em 1987, e tem como protagonista Claireece Precious (daí o irônico "preciosa") Jones, a atriz Gabourey Sidibe - negra, gorda e feia. Além disso, espera seu segundo filho, com 16 anos, ambos resultados de estupro incestuoso por parte do pai. Sua mãe, com atuação impecável de Mo'Nique, à maltrata verbal e fisicamente, fazendo-a de escrava, e exigindo que o Estado lhe dê a pensão pelas netas, já que a "preciosa" ainda não chegou à maioridade. Eis que uma professora lésbica de humanidade incrível, a bela Paula Patton, chama Jones para uma escola alternativa, com outras jovens socialmente excluídas. Soma-se a ela uma assistente social (Mariah Carey), provavelmente inexistente no mundo tamanho acerto em suas atitudes, e as coisas começam a mudar. O filme escapa de duas possíveis armadilhas. A primeira seria o maniqueísmo sensacionalisa, que não ocorre, visto atitudes violentas da própria Preciosa, bem como alguns sentimentos humanos reproduzidos pela mãe. A segunda poderia ser o excesso de personagens densos, mas cada um é bem incorporado ao roteiro. Enfim, é um filme que emociona, e que mostra com muita propriedade a segregação racial nos EUA, em pleno início da década de 1990. Mereceria "Melhor Atriz" e "Melhor Atriz Coadjuvante", embora a maior parte da crítica considera o longa apenas favorito no segundo quesito, já que Meryl Streep ainda é a queridinha dos estadunidenses. Mas, independente disso, será estranho ver uma negra, gorda, que fez o papel que fez, sendo premiada pela fábrica de rostos padronizados de Hollywood. Em uma das cenas do filme, Preciosa olha para o espelho e vê refletida uma loira, branca de cabelos lisos, como ela gostaria de ser, de certa forma uma crítica a todo esse espetáculo. Tudo bem, eu também acho o indiano "Quem quer ser um milionário" contraditório com os padrões do Oscar devido ao roteiro também crítico à seletiva espetacularização social decorrente da premiação. Vai entender, mas será, sem dúvida um momento interessante de se acompanhar, espero que o discurso da atriz, Mo'Nique ou Gabourey Sidibe, ao menos ele, seja contundente como o filme.



Com menos holofotes, o falsamente despretencioso "Amor sem escalas" - de Jason Reitman, famoso por "Juno" - também trata de um tema caro à sociedade contemporânea, a frieza do mundo corporativo. George Clooney intepreta um executivo de uma empresa que terceiriza demissões, tendo, portanto, como função correr os EUA para demitir pessoas, o que faz com êxito e sem demonstrações de remorsos. Rian Binghan, personagem de Clooney, sequer tem residência física, e trata com extrema indiferença sua família, e seu sonho é completar 10 milhões de milhas viajadas. A trama se inicia quando Binghan conhece a igualmente workaholic Alex, interpretada Vera Farmiga, que pode ser considerada sua versão feminina e inicia um romance executivo, pautado pelos seus encontros durante a vida de trabalho. Entra também na vida de Binghan, a jovem Natalie, uma espécie de trainee do executivo, que tenta fazer pose de durona mas não consegue suportar a crueldade requerida pela função de seu chefe. Enfim, é uma comédia romântica na qual o romance torna-se segundo plano, visto que os questionamentos de Natalie sobre a desumanização do mundo corporativo, bem como os diálogos com os trabalhadores que são mandados embora, roubam a cena. Embora não preencha nenhum quesito da premiação de domingo como favorito absoluto - talvez Clooney corra por fora como melhor ator -, é um filme que vale a pena ser visto. Repete a difícil tarefa, normalemente executada por Woody Allen, de tocar em questões delicadas e tensas de maneira cômica e leve, sem ser, entretanto, superficial ou simplista. Assim, a melhor classificação, como afirmei anteriormente, seria de "falsamente despretencioso".



Faço uma ressalva para "Guerra ao Terror", que vem sendo aclamado pela crítica e deve levar algumas estatuetas. Assisti há algum tempo, antes de chegar aos cines, e não gostei, mas o sentimento foi tão distinto da análise corrente, que prefiro, humildemente, aguardar para assistí-lo novamente, para ter uma opinião melhor formada, embora tenha certeza que, no quesito guerra, nem se compare ao "No vale das sombras", de 2007, que nada levou, tanto da crítica como do certame de Hollywood. O que o Oscar nos mostra? Características da indústria cinematográfica e padronizações estadunidense, bem como os discursos aceito pela hegemônica indústria de entretenimento, é claro. Mas também filmes que merecem ser levados adiante, para além do ilusório galmour hollywoodiano. Bom Oscar a todos!

4 palpites:

Adorei a análise! infelizmente também concordo com o diagnóstico da previsibilidade do Oscar...

enfim, aos vencedores, as batatas!

Chico Jorge

é my brother, fiquei bastante interessado por amor sem escalas, e temos uma opinião similar quanto aos bastardos inglórios. Alias o tema de amor sem escalas tem sido uma constante na minha vida corporativa, estou colocando minha carreira em analise enquanto leio Amor Liquido de Bauman, e fico assustado com a desumanização que os escritórios estão promovendo nessa modernidade liquida

abração brother

Também gostei da análise. Caso tivesse elogiado Guerra ao Terror teria parado de ler. rssrs

Não entendi o pq de tanto frisson nesse filme. Vc não comentou, mas The Blind Side é outro filme que está no OSCAR de gaiato.

Bom Oscar a todos, eu acho difícil, já que para quem não tem TV PAGA, tem que se contentar com a triste exibição da Rede Bobo.

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