quarta-feira, 31 de março de 2010

Bola Pra Frente

. . Por Thiago Aoki, com 0 comentários

Sim, fiquei com o papel póstumo do Mistura. 2010 retira mais um de nós brasileiros, mais uma perda, mais um vazio. Depois de Glauco, morreu esta semana Armando Nogueira, cronista esportivo da mais alta qualidade. Neste caso, a lacuna a ser preenchida é ainda maior do que aquela provocada pela morte do cartunista. Afinal, no caso de Glauco temos duas gerações da mais alta qualidade para recompor o quadro, diferentemente do caso da crônica esportiva praticada por Armando. Isto porque o gênero, composto em sua maioria por jornalistas ou ex-jogadores, anda cada vez mais técnico, fazendo análises frias sobre os esquemas táticos e (des)organizações esportivas. Não que seja dispensável esse tipo de excerto, porém cronistas mais lúdicos e literários como Armando Nogueira, João Saldanha, Nelson Rodrigues, Mário Filho, estão em falta. A escassez de tal figura tão importante no imaginário esportivo é, de certo modo, também consequência de um futebol dito moderno, onde o "profissionalismo", "força física" e "tática" vêm tomando conta dos gramados.

Juca Kfouri faz muito bem a parte investigativa. Xico Sá, Torero e Mário Prata têm humor refinado. Nando Reis dá voz aos torcedores. Esquema tático é com o PVC. Ugo Giorgetti também conta causos. Mas, quem se aproxima da poesia de Armando Nogueira? Talvez Tostão, não sei. Ainda assim, poucos, na crônica esportiva, ainda são frasistas, ainda não foram corrompidos pela dicotomia polemicista-padronizado. Quem, de algum modo escreveria frases como:

"Se pelé não fosse homem seria bola"
"A tabelinha de Pelé e Tostão confirma a existência de Deus"
"Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio"
"Os cartolas pecam por ação, omissão ou comissão"
"Tu, em campo, parecia tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Milton Santos"
"A seleção brasileira jogou com a frieza e a indiferença dos apátridas" (sobre eliminação da copa de 2006)
"Deus castiga quem o craque fustiga"
"Se a bola soubesse o encanto que tem não, não passaria a vida rolando de pé em pé"

Nas áureas épocas em que assistia TV a cabo, acompanhava seu programa na TV, onde entrevistava e lia crônicas. Era sensacional. Depois, apenas pelo google tinha contato com os textos do cronista. E foi também pelo google que soube de sua morte. Na verdade, o último texto que li de Armando, foi quando ainda trabalhava na livraria contentando-me em ver, por juz, seu nome entre os eleitos pela coletênea "Os melhores da crônica brasileira", da José Olympio, de 1977. A crônica (que mais parecia um conto) chamava-se "Peladas" e coloco-a ao lado de outra de Nelson Rodrigues - sobre a invasão do Maracanã de 1976, escrita para "O Globo" - como as duas maiores, ou pelo menos mais marcantes que me lembro de ter lido.

Mais do que a morte de uma história, até então viva, do futebol, perdemos em poesia e fino trato com a pelota. O consolo é que estava velhinho, impossibilitado pelo câncer de fazer praticamente tudo.


Só mesmo por ele e por Garrincha pra alguém torcer pro Botafogo.


Bola pra frente, rumo ao gol.

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