Tentava falar outrora do recente filme de Spike Jonze, "
Onde Vivem Os Monstros", porque, fundamentalmente, o que mais me encanta nesse filme é o mundo fantástico, a imaginação do garoto Max. Na história do filme, o menino, como qualquer criança um tanto mimada, briga com a mãe e a irmã por atenção. Ele foge, se esconde, e assim vive uma aventura com os “monstros” de sua imaginação. Cada uma das criaturas que habita a cabeça dele tem traços bem marcados, de tipos comportamentais, muitas vezes, estereotipados. Tudo bem, muitos diretores tentam brincar com caricaturas humanas, com humor e ironia, como Wood Allen, para falar de determinados assuntos, entretanto, pra mim, a beleza de “
Onde Vivem...” é comunicar que ninguém “é assim”. Max é todos aqueles “monstros” ao mesmo tempo: não tem um único perfil, tem vários.
Parece ainda que, ultimamente, muitos filmes exploram a temática do imaginário humano. Quem sabe, o mais esperado deles seja a leitura de Tim Burton de “
Alice no País das Maravilhas”, acompanhado de “
O Imaginário do Dr. Parnassus”, dirigido por Terry Gilliam. A gravação de “
O Imaginário...” foi alterada devido a morte de Heath Ledger, contando a partir de então com a participação de outros atores famosos, como Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell. Esse último filme, tenho cá pra mim, deve ser uma leitura do “inconsciente coletivo”, a lá Jung, pois, ao passar pelo espelho do Dr. Parnassus, a personagem de Ledger, por exemplo, junto com outros personagens, entra em contato com os absurdos (ou não) que habitam nossos pensamentos. Só que a maneira com que cada um vê as diversas coisas com as quais foram educados, criados, enfim, até mesmo a forma como vêem a si próprios, tudo depende dos caminhos que seguem, ou escolhem, dos sentidos que atribuem às coisas e, ainda, de alguma forma, dos olhares que marcam a trajetória de cada um. Por uma infeliz casualidade, a morte de Ledger deixa tudo isso mais claro, já que nas vezes em que a personagem dele passa pelo espelho, aparece ali dentro de diferentes formas, sendo interpretado ora por Depp, ora por Law, ou por Farrell. São as diferentes faces de um mesmo ser.
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Coraline e o Mundo Secreto" é uma animação do ano passado que deveria estar no time dos mais falados pela leveza e graça que nos traz, mais, também pelos elementos de um suspense infantil doce que nos carrega consigo. A menininha é recém mudada numa enorme casa e aos poucos vai descobrindo a vizinhança, um menino enigmático e o esguio gato dele, e outros vizinhos bem incomuns. Ela conhece, também, os espaços de sua própria casa, enquanto os pais dela vão seguindo a rotina. Coraline então encontra uma passagem secreta num dos quartos, pretexto que surge para que ela viva a fantasia do mundo que desejava, e aos poucos a história ganha todo um mistério. No filme, desse modo, constrói-se um jogo entre a realidade e o sonho, a poesia, o mistério e o medo.
Quando éramos crianças, ou até hoje, muitos de nós assistíamos a "Mundo da Lua", série da TV Cultura que contava com a genialidade e a simplicidade de Gianfrancesco Guarnieri. Lucas era o nome do garoto que adorava ligar um aparelhinho, uma espécie de rádio com o qual fazia contato com a Terra, enquanto estava no quarto e deitado na cama, ali vivia, vivia imaginando.
Em dias recheados de... não sei como dizer... de versões, de opiniões, de respostas, de um clima de horror, de desconfiança (como os que envolvem a morte, pelas mãos de uma maluco, do cartunista Glauco, por exemplo, e o julgamento do casal Nardoni, pra ajudar), algumas palavras na nossa linguagem ganham destaque. Está na moda, por exemplo, ser “bipolar”, até quem nem sequer sabe diferenciar os estados de cada um dos “pólos” já sai dizendo que fulano “só pode ser bipolar”. O "mal" está sempre "lá”, é a “loucura” do mundo por aí, a espreita. Começam a aparecer, ou melhor, se aclaram as formas de controle social, fundantes das relações humanas. No entanto, o que me assusta são as "receitas" de controle, de domínio, de reconhecimento, de identificação do perigo, das manifestações do que se vê como "loucura", "mal". Lembro, com o perdão pela infâmia, o dragão mulato com luvas de pelica que viveu no Rio de Janeiro na transição do Império à República. Em “O Alienista”, Machado de Assis faz com que o “doutor” da cidadezinha interne uma por uma das manifestações de insanidade, até que, no final, o próprio médico se isole, enlouquecido. E um filme que merece destaque, neste ponto, é "Minority Report", cuja ficção possibilita antecipar, prever crimes, punindo executores antes que praticassem assassinatos. Mais uma bela dramatização do conflito entre o Destino e as escolhas, atravessados pelos contextos que vivemos. Ainda que o filme não trate de questões a respeito da loucura, da insanidade, de patologias das quais podemos sofrer. É sempre delicada a margem que separa o biológico da psique, um distúrbio orgânico da confusão dos pensamentos.
Não dá simplesmente pra fechar os olhos, em momentos assim, tapar os ouvidos e correr, se escondendo debaixo das cobertas, tal é a minha vontade, como se as mantas forjassem a nossa transformação e do mundo ao nosso redor... Talvez fechar apenas um dos olhos seja uma saída, assim abrimos as portas à imaginação, sem que sejamos dominados pela loucura que pode habitar a completa escuridão, ou o excesso de luz, e, ao mesmo tempo, tentamos manter algum grau equilíbrio, de razão...