Pouco assisti das famosas retrospectivas de final de ano, que inundam a TV brasileira todo dezembro. Eu inclusive tentei, mas me irrita a linha seguida pelos mesmos, iniciando com tragédias e escândalos dos mais variados (enchentes, mortes de celebridade,s corrupção na política), transitando até orgulhos de nossa pátria e situações positivas de exceção (Brasil sede da copa e olimpíada, alguém que se curou de alguma doença, entre outros). Essa linha tragédia-redenção, com maniqueísmo de dar inveja a roteirista de comédia romântica hollywoodiana, parece propagar uma esperança ilusória e conformista, numa espécie de "hipocrisia de fim de ano" tão bem desmascarada pela crueldade de Boris Casoy.
Mas se fizesse a retrospectiva do que não foi retrospectado culturalmente, citaria dois brasileiros cuja morte, em 2009, fora praticamente ignorada por toda grande mídia. Falo aqui do carioca Augusto Boal e do baiano Mestre Neguinho do samba.
O primeiro, até foi um pouco mais celebrado, talvez por sua influência dentro do campo artístico brasileiro. O tão endeusado Chico Buarque, por exemplo, compôs o hit Meu Caro Amigo, cuja letra é uma carta destinada a Boal, seu caro amigo. Mas, mais do que personagem central da canção, Boal fora talvez o maior dramaturgo brasileiro, fundador do teatro do oprimido, que mesclava a ação de intervenção social ao teatro, tornando-se referência de importância internacional para a comunidade teatral. Pesquisem os prêmios recebidos, peças dirigidas e hão de se surpreender com o currículo dele. O jornal inglês The Guardian chegou a dizer que "Augusto Boal reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawski". Sua militância no teatro levou o diretor inclusive a ser um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz, em 2008, e a ser nomeado pela Unesco, em Março de 2009, dois meses antes de sua morte, embaixador mundial do teatro.
Já o caso de Mestre Neguinho, que nem na wikipedia está, é mais complicado. Talvez por ser negro, nordestino, ou simplesmente não ser amigo de Chico. Entretanto, a romper com a mídia bairrista de São Paulo, o cortejo de Mestre Neguinho fora levado de corpo de bombeiros pelas ruas soteropolitanas e acompanhado pelas batucadas de Didá, Olodum, Muzenza, Ilê Ayiê, Filhos de Gandhy, entre outros. Todos esses grupos musicais beberam do ritmo inventado por Mestre Neguinho, o Samba Reggae. Ainda assim, o ápice de seu reconhecimento se deu quando o Rei do Pop Michael Jackson, ironicamente também morto em 2009, viera ao Brasil gravar o clipe do hit "They Don´t Care About us", acompanhado pelo Olodum, em plena Bahia. A mistura entre o pop rock e o samba reggae fora ritmada e "orquestrada" por Neguinho.
Não se trata aqui de exigir que a morte de Neguinho e Boal fossem tão lembrados como a de figurões - Michael Jackson, Clodovil, Levi-Strauss etc. Tampouco a ideia igualmente reacionária e simplista de que tudo o que é pop e midiático não presta. Porém, falamos aqui de dois brasileiros que, não só tiveram seus respectivos talentos, mas criaram e inovaram. Um teatro nosso, um ritmo nosso. Nacionalismo? Também não, prefiro a antropofagia. Seria mais uma repulsa por sermos ainda, como disse o historiador Sérgio Buarque de Holanda - também conhecido como "pai do Chico" - "desterrados em nossa própria terra". Por hora, entretanto, limito-me a constatar que, do alto de nossas vassouras, nossa memória curta não é referente apenas às questões políticas.
Mas se fizesse a retrospectiva do que não foi retrospectado culturalmente, citaria dois brasileiros cuja morte, em 2009, fora praticamente ignorada por toda grande mídia. Falo aqui do carioca Augusto Boal e do baiano Mestre Neguinho do samba.
O primeiro, até foi um pouco mais celebrado, talvez por sua influência dentro do campo artístico brasileiro. O tão endeusado Chico Buarque, por exemplo, compôs o hit Meu Caro Amigo, cuja letra é uma carta destinada a Boal, seu caro amigo. Mas, mais do que personagem central da canção, Boal fora talvez o maior dramaturgo brasileiro, fundador do teatro do oprimido, que mesclava a ação de intervenção social ao teatro, tornando-se referência de importância internacional para a comunidade teatral. Pesquisem os prêmios recebidos, peças dirigidas e hão de se surpreender com o currículo dele. O jornal inglês The Guardian chegou a dizer que "Augusto Boal reinventou o teatro político e é uma figura internacional tão importante quanto Brecht ou Stanislawski". Sua militância no teatro levou o diretor inclusive a ser um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz, em 2008, e a ser nomeado pela Unesco, em Março de 2009, dois meses antes de sua morte, embaixador mundial do teatro.
Já o caso de Mestre Neguinho, que nem na wikipedia está, é mais complicado. Talvez por ser negro, nordestino, ou simplesmente não ser amigo de Chico. Entretanto, a romper com a mídia bairrista de São Paulo, o cortejo de Mestre Neguinho fora levado de corpo de bombeiros pelas ruas soteropolitanas e acompanhado pelas batucadas de Didá, Olodum, Muzenza, Ilê Ayiê, Filhos de Gandhy, entre outros. Todos esses grupos musicais beberam do ritmo inventado por Mestre Neguinho, o Samba Reggae. Ainda assim, o ápice de seu reconhecimento se deu quando o Rei do Pop Michael Jackson, ironicamente também morto em 2009, viera ao Brasil gravar o clipe do hit "They Don´t Care About us", acompanhado pelo Olodum, em plena Bahia. A mistura entre o pop rock e o samba reggae fora ritmada e "orquestrada" por Neguinho.
Não se trata aqui de exigir que a morte de Neguinho e Boal fossem tão lembrados como a de figurões - Michael Jackson, Clodovil, Levi-Strauss etc. Tampouco a ideia igualmente reacionária e simplista de que tudo o que é pop e midiático não presta. Porém, falamos aqui de dois brasileiros que, não só tiveram seus respectivos talentos, mas criaram e inovaram. Um teatro nosso, um ritmo nosso. Nacionalismo? Também não, prefiro a antropofagia. Seria mais uma repulsa por sermos ainda, como disse o historiador Sérgio Buarque de Holanda - também conhecido como "pai do Chico" - "desterrados em nossa própria terra". Por hora, entretanto, limito-me a constatar que, do alto de nossas vassouras, nossa memória curta não é referente apenas às questões políticas.
4 palpites:
Já era difícil ouvir a voz dele, difícil de acreditar agora, com isso que ele disse, será que é possível??...
Que merda, que merda, que merda!!!
Ainda sobre o Casoy, me pergunto o por que da porcaria da reportagem que antecede a felicitação dos garis, o por que colocar a fala deles ali. O sujeito que fez a reportagem poderia ficar puto com o Casoy, enfim, antes dos próprios caras e da gente com o tipo de comentário feito.
Com isso, só resta mesmo "celebrar a perda" melancólica de Neguinho e Boal...
Parabéns pelo texto, Thiago!
Li algumas pessoas bravas com as reações ao Casoy, dizendo que as reprimendas a ele são fruto do "politicamente correto". Acho que não, porque, pelo contexto, talvez, o comentário dele não tem a menor graça pra ser uma "piada" e levada com "leveza", ou no "era só uma brincadeirinha". Lembra mais o recente fato de Cesar Benjamin, em que ele lembra uma velha história que causou discussão enorme com o lançamento do tal filme do Lula.
Se era pra ser "engraçado", ou somente um comentário que todos fazemos, sim, pode ser, piadas sem conotação boçal quase nunca são uma "piada"... Mas ele ainda sim perdeu uma grande oportunidade de ficar calado. Porque se for verdade que as palavras criam laços, de cumplicidade, de companherismo, e ainda demonstram os vínculos e os círculos de vivência que se estabelecem, aos modos mais bizarros, (e não só no se apropriar da linguagem, da gíria alheia pra se fazer "incorporado")... pô, Boris, nada mais ilustrativo para representar parcela do nosso preconceito de classe média, mas você tinha que ser jornalista/comunicador???
Logo os garis, tão "invisíveis" no nosso dia-a-dia... tsc tsc tsc
mesmo do alto do meu humor infinitamente elástico eu tenho vontade de esmurrar esse sujeito, a quem eu sempre nutri uma até então injustificada antipatia.
não pra defender garis, ou não garis... o correto ou o incorreto. sei lá...
é um impulso que vem do fundo da minha alma e que eu nem quero explicar.
só quero dar um murro no meio da boca dele.
sujeito infeliz.
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