sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Arte: Ser ou não Ser

. . Por Thiago Aoki, com 5 comentários

Desculpa-me pela postagem um pouco mais longa, eu te perdoarei caso pares de ler após a primeira linha.

Já é sabido que este blog fala sobre Arte e Cultura. Aqui, postamos artigos próprios sobre música, cinema, fotografia, artes plásticas, entre outros. Porém em nosso, digamos, "backstage" discutimos muito sobre pressupostos que utilizamos, em vista a tentar fazer um editorial mais ou menos coerente. É claro que seria impossível a mão única, visto que somos cinco sociólogos e, como se sabe, a principal característica do cientista social é contrariar o que estiver à sua frente. Pois bem. Recentemente, em uma de nossas indigestas reuniões, discutíamos afinal o que seria arte e cultura, avaliando essa tentativa que fazemos de não analisá-las como campos autônomos, desvinculado do restante da sociedade, como o faz a crítica tradicional. É um questionamento que sempre vem à tona, afinal, impossível uma resposta concreta e definitiva.

Eis que, durante leitura do caderno Ilustrada, do dia 20/01, dois artigos que indiretamente falavam sobre o tema, me chamaram a atenção. O primeiro, de Mário César Carvalho, sobre o ritmo tipicamente latino reggaeton, cujo título era "Análise: adjetivos contra o ritmo dizem mais sobre os críticos". Já o segundo, de Marcelo Coelho, falava sobre o vale-tudo na arte, mas não encontrei na internet o texto aberto para não assinantes da Folha, potanto escolhi aqui, outro artigo do mesmo autor e ainda melhor elaborado, no site Digestivo Cultural, cujo título é "A letargia crítica na feira do vale-tudo da arte".

O texto de Mário Carvalho mostra como a crítica, preconceituosamente, age de modo a colocar empecilhos contra negros e latinos que tentam fazer algo distinto na música, foi assim com jazz, funk, soul, rap e agora o reggaeton. Mas, no final das contas a indústria cultural acaba por apropriar-se desses ritmos e a "enquadrar a malandragem".

Já o artigo de Coelho é, na verdade, uma análise acerca do livro de Luciano Trigo (A grande feira: uma reação ao vale-tudo da arte contemporânea), sobre o qual o autor simpatiza-se (mais no Digestivo do que na Folha). O cerne do livro, nas palavras do colunista, é mostrar como "o resultado pernicioso que a 'falência da crítica' e a ausência de debate proporcionam: um aglomerado de pseudo-obras de arte estão sendo incondicionalmente aceitas por todos, independentemente de seu valor, mas legitimadas por marchands, galeristas e acionistas, além de serem agraciadas por críticos de arte que não conseguem senão adular o espetáculo/imbróglio comercial no qual a grande parte da produção de arte se envolveu e da qual se tornou prisioneira." O autor discorre sobre vários exemplos e bibliografia sobre o tema e conclui: "O texto de Trigo nos faz pensar. E principalmente nos faz pensar até que ponto muito do que circula por aí se autodenominando e sendo chamada de obra de arte não passa de 'signos portadores de valor financeiro'. E nada mais que isso".

Para ilustrar os artigos, dois exemplos que me vieram à cabeça ao lê-los. 1- certa vez alguém que já não lembro comentou comigo que ao cansar-se de andar pelos corredores da Bienal, sentou-se em um banco com as penas cruzadas e cabisbaixo, quando percebeu alguém tirando sua foto. Ao tirar satisfação com o dono da câmera, o rapaz disse que pensou que estava fazendo uma "intervenção artística". 2- Em 2007, Katja Schneider, diretora do Museu de Arte de Moritzburg (Alemanha), atribuiu a Ernst Wilhelm um quadro, na verdade pintado por uma chimpanzé fêmea. (nada contra os símios, que fique claro à geração verde)

Resumo da ópera, quando entramos, pisando em ovos nesse campo amplo e delicado que é arte e cultura precisamos ter em vista o que está por trás de cada trabalho, de cada artista. O movimento que a Indústria Cultural faz, levando alguns ao sucesso e outros ao anonimato, não é ingênuo e não pode ser ignorado. Há uma complexa trama subliminar envolvendo mídia, patrocinador, artista, valor de exposição, mercado consumidor e crítica. Há outros fatores extra-artístico que determinam o que é e o que não é aceito como arte. O preconceito de críticos sobre determinados ritmos ou obras diz mais do que aos próprios críticos, mas sobre a dinâmica de dominação da própria sociedade. Dissecar essa dinâmica e esse jogo de vencedores e vencidos, é o nosso desafio. Ao ler neste Blog o artigo sobre Vale-Cultura escrito por um de nossos Indigestos, pensei sobre como determinar o que poderia ser consumido como cultura. Por que tendemos a não aceitar o gasto com um ingresso pro jogo do Corinthians, uma Playboy, ou para um show do Calypso? E por que sequer questionamos a possibilidade de se utilizar para exposições, mostras e galerias que muitas vezes alavancam e mantêm essa própria estética dominante? Como hierarquizar o campo artístico, senão pela reprodução desse elitismo?

Por fim, somando os artigos e os exemplos, como subverter a letargia de uma crítica já enquadrada por um valor de mercado e instrumentalizada pela dominação social?

É o que tentaremos, com muitas falhas e limitações, fazer aqui, ainda que não tenhamos a pretensão de nos livrarmos dessas perguntas que surgem como espectros que devem seguir todos que se proponham a falar sobre Arte e Cultura.

5 palpites:

Salve Chinês!
Este comentário tem outras razões além de reafirmar meu estatuto de chato mais assíduo a este blogue que clama por notícias do Hugão e pela presença do Fabinho que, por enquanto estrou somente com seu habitual carisma.

Você fala de ritmos de preto de favelado e que quanto toca ninguém fica parado e lembra do jazz, do funk, do soul e do rap. Na minha presença você não poderá esquecer de mencionar nosso samba humilde samba. Aliás, trecho de música do Cartola com o Cachaça "Tempos Idos" que eu sempre insisto que é "Indústria Cultural" em português. Aliás, com lirismo e contado do ponto de vista do artista, o que a torna ainda mais interessante.

Mas aproveito para tentar desobstruir dos meu trapézios uma obsessão toda a vez que eu entro aqui pra ver se tem novidades: uma musiquinha do Noel chamada nada mais nada menos que "Mulher Indigesta"

Passo o linque de um vídeo inexplicável que foi o único que a gúgol achou a baixo da letra:

Mas que mulher indigesta!(Indigesta!)
Merece um tijolo na testa

Essa mulher não namora
Também não deixa mais ninguém namorar
É um bom center-half pra marcar
Pois não deixa a linha chutar

E quando se manifesta
O que merece é entrar no açoite
Ela é mais indigesta do que prato
De salada de pepino à meia-noite

Essa mulher é ladina
Toma dinheiro, é até chantagista
Arrancou-me três dentes de platina
E foi logo vender no dentista

http://www.youtube.com/watch?v=HiepTE72vmk

Smac,
Pesssshhhhh

Claro, o samba...Acho até que o Vinícius errou, porque nem na poesia ele é branco...

Agradeço a respostas por minhas angústias, mas creio que ainda temos muito o que discutir sobre a nossa arte e nossa cultura.
Beijos

eu acho que nesta música o dia de hoje se refere ao dia especificamente de "hoje" em que ele tava escrivinhando e não o "atualmente"...

assim, afirmar que o poeta era preto nem ele mesmo ousou, ao que preferiu o ainda mais poético "branco mais preto do brasil, da linha direta de xangô"

a propósito, essa história de "seu filho quer ser preto" - ou, no caso, "eu queria ser preto" - é conversa...

na hora do sapeca iáiá preto mesmo leva porrada dos homi...

e nessa hora ninguém um branco que se assuma preto é duro de encontrar, heim?

o poetinha classe média bebedor de escóti e boa-vida do vinícius certamente não

smac

Estou esperando a contribuição do nosso leitor mais assíduo para com a sua especificidade de "gostar de comédias romanticas". Creio que seria um belo post com uma opinião bem elaborada...

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