sábado, 16 de janeiro de 2010

Conversa de doidos - Chema Madoz e Luis Buñuel

. . Por Thiago Aoki, com 3 comentários

Se José María Rodriguez Madoz fosse brasileiro, provavelmente seria conhecido como Zé Maria ou simplesmente Zé. Mas é espanhol, nascido em Madri, 1958, e por lá ficou conhecido como Chema Madoz, azar o nosso que sequer conseguimos pronunciar seu nome. Por que José Maria tornou-se Chema? Não sei, mas essa mania de mudar o sentido lógico das coisas pode dizer muito sobre esse fotógrafo, pois é exatamente isso que ele faz em seu trabalho.
Com sua Hasselblad, Madoz pega os objetos comuns do cotidiano e alterna sua funcionalidade e sentido. Não é nonsense, tampouco ingênuo. Não apenas o contraste do preto e branco muito bem utilizados destaca o fotógrafo, mas especialmente o conteúdo de sua obra. Suas fotografias possuem um ar de ironia e provocação. Ao nos depararmos com as mesmas, é impossível não questionarmo-nos sobre a normalidade, ou melhor, sobre sua imposição. Quanto do que fazemos e dizemos acontecem apenas pelo hábito de fazermos do mesmo modo? Ainda mais em uma sociedade onde as possibilidades de mudanças tornam-se cada vez mais escassas, um mundo mergulhado na apatia política-social. Pode ser que essa impressão que tenho de Madoz seja viagem de minha imaginação, mas acho que é justamente nisso que o fotógrafo baseia-se: na interpretação que cada espectador terá daquela, digamos, "disfuncionalidade" dos objetos. É brincar com a própria imaginação, levá-la para além da razão estrita e ativar outras percepções, como aconteceu comigo. Luis Buñuel, o grande surrealista do cinema, amigo pessoal de Dalí, afirmara que "a imaginação é o nosso primeiro privilégio, tão inexplicável como o caso que a provoca". Engraçado que foi justamente Buñuel que me veio a cabeça quando vi pela primeira vez as imagens de Madoz. Aliás, mais especificamente uma cena do filme "O fantasma da liberdade"(1974), um dos últimos de sua filmografia. Esta cena abaixo, para mim é uma das mais magníficas do cinema.



Inclusive, se você começou a ler esse mísero post por aqui - pra ver do que se trata o vídeo e se valia a pena ler esta coluna desde o início - faço-lhe um apelo para que assista, pelo menos os cinco primeiros minutos desta cena. Nela, duas famílias burguesas típicas da época do filme combinam um encontro. Quando Buñuel mostra a mesa, a surpresa é que invés de cadeiras, temos privadas e invés de refeição revistas. Durante a conversa, um dos homens divaga sobre o problema da superpopulação, como todas aquelas pessoas terão condição para "evacuar"- leia-se cagar. A conversa é interrompida pela garotinha, filha do casal, que diz "Mãe, estou com fome" e a mãe, constrangida, logo corrige a menina, dizendo para não usar palavras impróprias na mesa. Logo depois, um dos homens pede licença e pergunta baixinho à empregada "onde fica a sala de jantar", então, segue para um cômodo parecido com um banheiro, mas que invés de privada tem uma cadeira e invés de revista, comida e vinho. Ele senta e faz sua refeição. E por aí vai, não me estenderei (isso mesmo, estender é com "s" e extensão é com "x", obrigado pela correção Rita) porque só essa cena valeria um post inteiro. No filme, cujo título, segundo o próprio autor, é uma alusão à primeira frase do Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx ("Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo"), Buñuel critica veementemente o modo de vida burguês e a liberdade prometida pela sociedade de consumo, através justamente do trajeto normalidade-absurdo, mais ou menos o mesmo trajeto percorrido por Madoz.

E em ambos, guardados seus distintos contextos, saímos com a sensação de que o absurdo não é tão absurdo assim, ou, talvez, que a realidade, o cotidiano, o normal sejam também um grande devaneio. E é com este argumento que, antes que me questionem, fujo da rotulação de Madoz a alguma escola artística, mais fácil escolher um hospício.

Veja mais imagens de Chema Madoz em seu site oficial.

3 palpites:

Adorei! Entrei no site do Chema para ver mais e com certeza vou pegar esse filme do Buñuel para assistir inteiro. Muito bom!

Boa, Thiago!
Vale mais do que a pena ver também O Anjo Exterminador, do mesmo Buñel.

demais ambos o filme e as fotos. aliás, me lembrem de mostrar pra vocês uma seção do Pasca chamada "200 Cartuns" do Caulos. Se parecem muito com essas fotos...

Smac
Peixe
ps: cadê o texto do hugão??? cadê o hugão????????????

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