"Je vous salue Sarajevo" (acima), de 1993, estava na 29ª Bienal de Artes de São Paulo e tem como autor Jean-Luc Godard, que analisa uma única foto da guerra na Bósnia, ocorrida entre os anos de 1992 e 1995. Embora faça referência a uma guerra particular, o texto, além de belíssimo, tem como grande máxima uma definição universal que adoro:
“Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, TV, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. (...) A regra quer a morte da exceção.”
Mais ainda, se repararmos os cortes e closes de imagem que Godard usa durante o curta, a regra é mostrada com um fuzil na mão, apontando para corpos que insistem em subverter - “artistas da vida” tão grandiosos quanto Dostoievski, Cézanne ou Antonioni.
Ao espectador atento, a agressiva metáfora, impactante por se tratar de um momento claro de repressão, continua viva. Levando a cabo as definições, sempre que houve arte, houve regra e exceção. Se hoje há arte, deve, necessariamente, existir também uma regra que quer a “morte da exceção”. Essa regra, talvez não seja representada apenas diretamente com fuzis, mas, em tempos de relativa paz, transveste-se em imagens, padrões de comportamento, moralismos, mercadorias, e outros cerceamentos cotidianos que, com ou sem intenção, enclausura qualquer forma libertária que não esteja de acordo com as normas.
Lembro-me que, durante as revoltas de Maio de 1968 na França, uma das frases mais pichadas nos muros dizia: “A arte está morta. Nem Godard poderá impedir”. O cineasta, nesse vídeo de 1993, exatos 25 anos depois, parece tentar responder à provocação. Para ele, a “arte de viver ainda floresce” e isso não é um otimismo. O “ainda” tem o sentido de reticências, indicando a possibilidade de futura suspensão da arte de viver - de subverter e fugir das regras impostas. Teríamos então uma sociedade apática e normativa, controlada pelo medo, sem contrapontos, sem arte.
Há filmes que duram dois minutos, mas permanecem latentes por tempo inestimável. Passados quase quinze anos do “Je vous salue Sarajevo”, as perguntas ficam e atormentam todos os dias: quanto de nós é regra ? E quanto ainda nos resta de exceção?
“Pois há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, TV, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. (...) A regra quer a morte da exceção.”
Mais ainda, se repararmos os cortes e closes de imagem que Godard usa durante o curta, a regra é mostrada com um fuzil na mão, apontando para corpos que insistem em subverter - “artistas da vida” tão grandiosos quanto Dostoievski, Cézanne ou Antonioni.
Ao espectador atento, a agressiva metáfora, impactante por se tratar de um momento claro de repressão, continua viva. Levando a cabo as definições, sempre que houve arte, houve regra e exceção. Se hoje há arte, deve, necessariamente, existir também uma regra que quer a “morte da exceção”. Essa regra, talvez não seja representada apenas diretamente com fuzis, mas, em tempos de relativa paz, transveste-se em imagens, padrões de comportamento, moralismos, mercadorias, e outros cerceamentos cotidianos que, com ou sem intenção, enclausura qualquer forma libertária que não esteja de acordo com as normas.
Lembro-me que, durante as revoltas de Maio de 1968 na França, uma das frases mais pichadas nos muros dizia: “A arte está morta. Nem Godard poderá impedir”. O cineasta, nesse vídeo de 1993, exatos 25 anos depois, parece tentar responder à provocação. Para ele, a “arte de viver ainda floresce” e isso não é um otimismo. O “ainda” tem o sentido de reticências, indicando a possibilidade de futura suspensão da arte de viver - de subverter e fugir das regras impostas. Teríamos então uma sociedade apática e normativa, controlada pelo medo, sem contrapontos, sem arte.
Há filmes que duram dois minutos, mas permanecem latentes por tempo inestimável. Passados quase quinze anos do “Je vous salue Sarajevo”, as perguntas ficam e atormentam todos os dias: quanto de nós é regra ? E quanto ainda nos resta de exceção?
O vídeo é uma apresentação intitulada "Este lado para cima", do grupo teatral Brava Companhia, apresentado no Mirada, Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, em 2010.
5 palpites:
Fiquei curiosa sobre a semelhança que tem Kafka e essa atriz! Qual seria?
Obrigado pela visita Arianne!
Respondi em seu blog, volte sempre! Em breve, colocaremos seu site em nosso "Recomendamos".
Um Abraço!
Gostei bastante do texto, apesar de não saber muito sobre o Godard, as manifestações e as guerras. Deu vontade de pesquisar. :)
O texto do Godard no vídeo é ótimo!
Fiquei pensando em "Embora faça referência a uma guerra particular, o texto tem como grande máxima uma definição universal". Porque "definição universal", acho que já devo ter dito isso, me incomoda.
Me parece que a sacada, o binômio arte X cultura é bem rico, principalmente da maneira como Godard o explora, no contexto em que o faz, mas no limite, não é universal... Não consigo imaginar uma argumentação floreada sobre isso, mas especialmente se pensarmos um pouco adiante no teu texto que o binômio se mantém, é uma tensão perene: "Levando a cabo as definições, sempre que houve arte, houve regra e exceção. Se hoje há arte, deve, necessariamente, existir também uma regra que quer a “morte da exceção”." Então, não conseguimos nos desfazer do par, e as perguntas se manterão de qualquer modo, como você conclui: quanto de nós é regra, e o que resta de excessão?
O que me surpreendeu vivamente, no entanto, é o miolo da parada, com a frase "a arte de viver ainda floresce" como "indicando a possibilidade de futura suspensão da arte de viver - de subverter e fugir das regras impostas". E que, justamente, vai de encontro, na contramão, do que teu texto conclui logo depois, acho, pela permanência do binômio, da tensão.
Acho que deve ser por isso que muitos chamam esse tipo de pensamento, do Godard, em última instância, de "conservador", porque parece, parece! não ocorrer transformação no sisteminha da parada, apenas um rearranjo das variáveis, imagino... Mas, pensando pelo par, não faz o menor sentido um "superar", "englobar" o outro, seria assustador se isso acontecesse... Como você coloca logo em seguida, no final do penútimo parágrafo... Meu problema parece que está com esse penúltimo parágrafo, me confundiu bastante...
Mesmo assim o sentido do "ainda" me parece uma resistência, e não uma ameaça à espreita... Também não sendo de "reticência", acho. Talvez seja um profundo realismo, distante de qualquer otimismo mesmo.
O Mekaru poderia nos ajudar bastante...
To perdido, não sei se pra escapar desse baralho teórico acuso teu texto de confusão também, ou saio de fininho dizendo que não sei direito do que estou falando :P
Beiju!
ps.: Você dizendo "lembro-se que, durante as revoltas de Maio de 68"... Ahn, como assim?? Por acaso você é uma espécie de Benjamin Button, Thiagão?? ;)
Sendo bem breve e objetivo.
A definição é universal não por ser uma verdade, mas por se adequar a momentos que extrapolam a época e o local. O fato de discutirmos essa definição até hoje em um país como o Brasil é uma prova disso.
Não, não conseguimos nos desfazer do "binômio". Você está me crucificando rs, mas eu tenho a desculpa de terminar em interrogação. Porque significa que eu mesmo não sei responder à questão. também não acho que seja uma trajetória linear onde, aos poucos, a regra engloba a exceção, mas - aí é uma opinião minha - hoje, acredito, temos menos saídas neste sentido. O fato de termos uma arte regrada tão mercadológica (inclusive as peiféricas), uma indústria cultural tão cooptadora, meios de comunicação tão pouco plurais, e políticas públicas tão pautadas no medo.
Outra questão que fica, por exemplo, quando o governo ou empresas incentivam a arte,ela perde seu caráter de exceção por agir junto com a regra?
Claro que a relação entre regra e exceção não é tão simples a ponto de ser um "binômio", mas acho que Godard o faz justamente para provocar e volto à metáfora visual. Quando o narrador fala regra (cultura), lá estão os fuzis e quando fala exceção (arte), lá estão pessoas reféns do medo de não ser regra.
Enfim, mais que definir queria colocar essas provocações que o vídeo me aflorou. Mas talvez não tenha sido tão claro, ou rígido mesmo, muito por eu mesmo não conseguir responder a tantas perguntas, que vão de encontro a um momento de pessimismo pessoal.
Abraços...
ps: parece que não, mas tenho 70 anos, vi muita coisa acontecer já!
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