(Aviso já: um texto um pouco mais longo e denso sobre arte contemporânea)
Esses dias, tive contato com uma palavra que me remeteu à sua beleza enquanto termo e fonema: "Hermético". Escutei-a em seu terceiro significado no dicionário Houaiss: "difícil de entender e/ou interpretar, obscuro, ininteligível". Dizia-se que a arte contemporânea, mais especificamente a dança contemporânea, seria "hermética", daí sua baixa popularidade e dificuldade em formar um público que venha de outro lugar que não da própria classe artística.
Algumas linhas pedagógicas afirmam que o brinquedo, do modo como o conhecemos, mais limita do que educa uma criança. Isso porque o brinquedo tem uma estrutura rígida com regras de como deve ser usado, muitas vezes estimulando o pensamento único e a repetição de movimentos. Um exemplo grotesco: nada mais se faz em um escorregador do que subir a escada e descer a rampa bundado, repetindo-se ciclicamente. Pouco se estimularia, em ambos casos, a imaginação e a sinestesia da qual a criança poderia provar. A proposta é que as escolas comecem a construir espaços semi-estruturados, com elementos que forneçam possibilidades, cuja brincadeira ou atividade seja norteada pela imaginação da própria criança, evitando que a criança seja condicionada a partir da estrutura em si. Ela mesmo criará suas regras e normas.
Me parece que esse tem sido o movimento na arte contemporânea hoje, ao trazer às exposições e espetáculos com tamanho grau de obscuridade. Espera-se que cada um que se depare com o trabalho tenha significado/experiência distintos, chamando isso de "ampliação da subjetividade do espectador".
O problema é que se esquece da praticidade que se tem em descer um escorregador. Além disso, para a criança, ela nunca está apenas descendo uma rampa, seria menosprezá-la. Rubem Alves disse alguma coisa no sentido de que deveríamos viver nossa vida com o espanto e a curiosidade de uma criança que encontra uma conchinha. O escorregador do clube, para mim, já foi ponte, tunel do tempo e até cachoeira.
Do mesmo modo, não acho que é o caso de culpar apenas o público pelo "baixo grau de instrução", "pouco contato com as artes" ou "falta de sensibilidade". Não, não é culpa do futebol. É simplesmente natural sentirmo-nos afugentados diante do novo, daquilo que nos foge do controle, do comum. Precisa-se sim, do lado do artista, pensar para quem e até quem chegará a arte que está fazendo. É possível uma arte provocativa, que consiga seduzir o público, mas que não caia no mero hermetismo, tampouco seja óbvia e que ainda obtenha a proeza de ser aclamada pela crítica? É. Acreditem, já brinquei em escorregadores que davam várias voltas, de diferentes formatos, velocidades, texturas, até com recursos tecnológicos. E a molecada adorava. Também já tive a oportuidade de conhecer diversos espetáculos, exposições, intervenções dos mais inovadores serem aplaudidos de pé por pessoas das mais tradicionais.
Entretanto, em alguns momentos, o que a suposta inovação tem provocado - tanto para o público da arte contemporênea como para as crianças exiladas de seus parquinhos - é o mesmo que alguns críticos fazem ao utilizarem o termo "hermético", ao invés de "obscuro": nada.
Muitas vezes, uma tela branca é apenas uma tela branca. Ou, como disse algum antropólogo, num contexto bem diferente, uma piscadela é apenas uma piscadela.
(PS: Espero não ter sido (tão) obscuro, quer dizer, hermético. E sim, sou leigo)
Esses dias, tive contato com uma palavra que me remeteu à sua beleza enquanto termo e fonema: "Hermético". Escutei-a em seu terceiro significado no dicionário Houaiss: "difícil de entender e/ou interpretar, obscuro, ininteligível". Dizia-se que a arte contemporânea, mais especificamente a dança contemporânea, seria "hermética", daí sua baixa popularidade e dificuldade em formar um público que venha de outro lugar que não da própria classe artística.
Algumas linhas pedagógicas afirmam que o brinquedo, do modo como o conhecemos, mais limita do que educa uma criança. Isso porque o brinquedo tem uma estrutura rígida com regras de como deve ser usado, muitas vezes estimulando o pensamento único e a repetição de movimentos. Um exemplo grotesco: nada mais se faz em um escorregador do que subir a escada e descer a rampa bundado, repetindo-se ciclicamente. Pouco se estimularia, em ambos casos, a imaginação e a sinestesia da qual a criança poderia provar. A proposta é que as escolas comecem a construir espaços semi-estruturados, com elementos que forneçam possibilidades, cuja brincadeira ou atividade seja norteada pela imaginação da própria criança, evitando que a criança seja condicionada a partir da estrutura em si. Ela mesmo criará suas regras e normas.
Me parece que esse tem sido o movimento na arte contemporânea hoje, ao trazer às exposições e espetáculos com tamanho grau de obscuridade. Espera-se que cada um que se depare com o trabalho tenha significado/experiência distintos, chamando isso de "ampliação da subjetividade do espectador".
O problema é que se esquece da praticidade que se tem em descer um escorregador. Além disso, para a criança, ela nunca está apenas descendo uma rampa, seria menosprezá-la. Rubem Alves disse alguma coisa no sentido de que deveríamos viver nossa vida com o espanto e a curiosidade de uma criança que encontra uma conchinha. O escorregador do clube, para mim, já foi ponte, tunel do tempo e até cachoeira.
Do mesmo modo, não acho que é o caso de culpar apenas o público pelo "baixo grau de instrução", "pouco contato com as artes" ou "falta de sensibilidade". Não, não é culpa do futebol. É simplesmente natural sentirmo-nos afugentados diante do novo, daquilo que nos foge do controle, do comum. Precisa-se sim, do lado do artista, pensar para quem e até quem chegará a arte que está fazendo. É possível uma arte provocativa, que consiga seduzir o público, mas que não caia no mero hermetismo, tampouco seja óbvia e que ainda obtenha a proeza de ser aclamada pela crítica? É. Acreditem, já brinquei em escorregadores que davam várias voltas, de diferentes formatos, velocidades, texturas, até com recursos tecnológicos. E a molecada adorava. Também já tive a oportuidade de conhecer diversos espetáculos, exposições, intervenções dos mais inovadores serem aplaudidos de pé por pessoas das mais tradicionais.
Entretanto, em alguns momentos, o que a suposta inovação tem provocado - tanto para o público da arte contemporênea como para as crianças exiladas de seus parquinhos - é o mesmo que alguns críticos fazem ao utilizarem o termo "hermético", ao invés de "obscuro": nada.
Muitas vezes, uma tela branca é apenas uma tela branca. Ou, como disse algum antropólogo, num contexto bem diferente, uma piscadela é apenas uma piscadela.
(PS: Espero não ter sido (tão) obscuro, quer dizer, hermético. E sim, sou leigo)
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3 palpites:
Olha, muito bom. Coloca o debate entre "arte na autoralidade" e "arte na subjetividade do observador" de maneira muito menos hermética do que normalmente aparece.
Como diria o mesmo Mekarinho, podi crê. E como diria o Tíbio, ou talvez fosse o Perônio... enfim, eu diria mais, entendi, a crônica abaixo é uma espécie de preâmbulo desse texto...
Hummm, chíque!
Gostei do texto!
Outro problema seria o outro significado da palavra: " totalmente fechado". Muitas vezes a obra é realizada do artista para ele mesmo, não dando nenhuma possibilidade do público de brincar no escorregador. Nesse sentido a proposta de se fazer brinquedos semi-estruturados não é ruim, assim como uma obra de arte que não se mostra totalmente completa pode ser mais interessante ao público. ( Sem desprezar o escorregador tradicional, que, aliás, também era usado pelos mais ousados de forma inversa - subindo na rampa e descendo na escadinha).
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