sábado, 27 de novembro de 2010

De Kafka a Liza Gilbert

. . Por Unknown, com 11 comentários

"I left my home in Georgia
Headed for the Frisco Bay
I've got nothin' to live for
Looks like nothing's gonna come my way, yeah...
Sittin' on the dock of the bay
Watchin' the tide roll away
Sittin' on the dock of the bay
Wastin' time..."
(Otis Redding)




Poucas obras talvez tenham um início tão emblemático como A Metamorfose, de Franz Kafka, ou melhor, talvez poucas obras sejam tão emblemáticas como este livro do escritor nascido em Praga: "Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso." Gregor é um funcionário público com uma vida padronizada, pautada pelas obrigações tanto em relação à sua família como em relação à sociedade, na qual as relações entre as pessoas eram norteadas por um interesse material, mercantil, somente. Kafka, com o poder que só "o papel e a caneta" poderiam lhe dar, transforma-o em uma barata. Então, com o absurdo que não só a literatura permite, Gregor adquire humanidade. Enquanto homem, Gregor era um inseto desprezível e nojento, imagina-se, como uma barata. Ao longo da novela, todavia, como uma barata do tamanho de um homem adulto, Gregor é de fato um Ser Humano, preso dentro de um quarto. E, ao mesmo tempo, pela mesma transformação, também, passam seus familiares, que adotam uma postura mais sensível entre si e em relação a Gregor.

Quando assisti ao Comer Rezar Amar (Eat Pray Love), adaptação do livro de Liza Gilbert, do qual ela é também personagem, mais uma vez me lembrei de Kakfa, porque a primeira vez que a recordação me ocorrera foi vendo Na Natureza Selvagem (Into the Wild), que conta a história de Christopher McCandless.

Nos diz Liza:
- Preciso mudar.
(...)
- Eu nunca dei um tempo de duas semanas só pra mim.
(...)
- Toda a minha enorme sede de vida desapareceu.
- Quero ir a algum lugar e me maravilhar.
(para se sentir livre)

Liza vai à Itália, à Índia e à Bali. Já Chris McCandless deixa pra trás tudo, família, amigos, dinheiro, ateia fogo no carro e em seus documentos, e desaparece no interior dos EUA.



A postura de Chris parece muito mais crítica, afinal, está contestando A Sociedade. Ele abre mão de tudo para viver em meio às aventuras que a natureza pode lhe proporcionar, distante da falsidade, das mentiras que os homens vivem uns com os/pelos outros. Chris deseja encontrar-se consigo, longe de tudo que apresenta e representa a sociedade na qual todos vivemos. Submete-se a um processo que ele mesmo nomeia de "revolução espiritual". Assim, Chris encontra Liza, e ambos, a seus modos, dialogam com Kafka.

Se a atitude de Chris pode parecer crítica, no entanto, nada tem de inovadora. Por exemplo, Edgar Allan Poe já descrevia o flâneur, trabalhado também por Walter Benjamin. Este, por sua vez, pensava o poeta Charles Baudelaire da Paris de meados do século XIX, transformada pela revolução industrial. O flâneur é uma figura sobretudo urbana e que ressaltava a perversidade das relações humanas, das quais, não por acaso, Chris também se queixava. A diferença é que, ao invés de partir para o isolamento da Natureza, o flâneur se esquece em meio à multidão presente nas ruas.

Enquanto Kafka transforma seu personagem logo de início em uma barata para torná-lo humano, Chris rejeita tudo e todos à sua volta, mostrando o quão barata, asqueroso e repulsivo, tudo ao seu redor é. Já Liza, talvez, se apresente como uma espécie de Gregor, sentido-se uma barata e em busca de uma transformação que a realize. Destituída de "crítica social", Liza viaja o mundo em busca de si própria, consome o mundo e a diversidade dele para si.

Chris e Liza estão à frente de suas decisões, de suas próprias histórias, numa postura que se confunde em meio a vários elementos, à coragem, à autoafirmação, à vaidade, ao egocentrismo, e até mesmo à indiferença, em algumas situações. Ao longo de suas trajetórias, quem se sobressai, quem está a frente, no começo, no meio e no final, no caso de Chris trágica e resignadamente, são eles, Liza e Chris. Voltados a questões distintas, Chris inconformado com a sociedade na qual vive, querendo se afastar para se transformar, e Liza incomodada consigo mesma, precisando mudar, ambos parecem seguir com rigor os valores aos quais estão ligados. São EUs enormes desfilando, que poucas concessões estabelecem ao mundo e às pessoas ao seu redor. Sujeitos bem informados, que muito bem falam, mas que têm dificuldade para ouvir. E, ironicamente, nada de novo descobrem quanto a si próprios, apenas se redescobrem. Com Chris a situação é ainda mais irônica, porque ele se depara com a obra de Boris Pasternak, que esteve com ele o tempo todo desde que partira, e da qual ele gostava muito, Doutor Jivago.

Por isso Kakfa, em A Metamorfose, triunfa, na posição de escritor genial, nos comunica nossa miséria, de barata que todos somos, em perspectiva.

♫ ♫ "Sittin' on the dock of the bay/ Watchin' the tide roll away/ Sittin' on the dock of the bay/ Wastin' time..." ♫ ♫

"A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em buscar novas paisagens,
senão em ter novos olhos" (Marcel Proust)

11 palpites:

Desculpe-me a falta de tato com minhas palavras, mas mais uma vez lhe digo: tire da cabeça esse filme ou esse livro. Não vejo tal ligação que tu faz entre "Comer Rezar e Amar" com "Na natureza selvagem". As duas fugas começam diferentes, tem objetivos diferentes e são de uma natureza (se assim posso dizer) diferente.
Chris não enxerga na sociedade caminho algum para uma nova sociabilidade e se refugia em meio a natureza numa crítica às relações sociaid mediadas pelo capital.
Nossa querida protagonista do livro/filme sai em sua 'revolução espiritual' por conta de uma crise com seu casamento, por nunca ter conversado com Deus e por estar de saco cheio da sua vidinha mesquinha de jornalista riquinha nos EUA. Sem a grana que ela tinha (e que vai conseguindo com o que vai escrevendo durante a viagem) nunca teria conseguido viajar o mundo. Sua revolução nada tem a ver com as relações sociais, ou com um mundo pelo o qual ela não enxerga mais escolhas ou que necessita de uma transformação. A sua revolução interior tem um objetivo claro: ela queria encontrar uma pessoa que a entendesse. Queria alguém para viver ao lado, porque ela acredita nas pessoas, acredita nos prazeres da vida, acredita que consegue ver o mundo cor de rosa mesmo ele sendo do modo que é...
Estou errado ou você está pendendo para o lado de um querido que uma vez ouvimos comentar n'A Coisa sobre a revolução interna?

Tsc-tsc.

E comparar com Kafka? Não li a matamorfose. Me deu vontade de ler, só para acrescentar meus argumentos...

Aaaahhhh!
Agora, sim, curti essa parada!
Sem meias palavras!

Não, não, não! Não estou virando aquele simpático rapaz da "revolução interna" a que você se refere no final de seu comentário! ;)

Não li o livro de Liza Gilbert, apenas assisti ao filme. E concordo com o teu argumento, do casamento dela, de "vidinha mesquinha de jornalista riquinha nos EUA", da grana para viajar pelo mundo, etc, dos motivos pessoais, também.

Sim, é um diálogo meio de surdos que não sabem libras, é verdade, entre Liza e Chris, se fosse possível. Ainda penso, e insisto nisso, que Chris e Liza, mesmo dando elaborações muito distintas sobre suas vidas e o mundo ao redor, a sociedade e as pessoas, enfim, têm, sim, posturas muito semelhantes, individualmente. O "mundo rosa" de Chris é a Natureza, por assim dizer.

Mas, no caso de Chris, é preciso cuidado, discordo de que ele tenha qualquer postura "transformadora", como você disse em relação a Liza, que nada tem mesmo. Ele simplesmente nega tudo. Você também não disse que ele é "transformador", claro. Ah, e ele também tem seus motivos pessoais, mesmo que não seja "encontrar o Amor", como parece ser com Liza.

Da forma como escrevi, parece mesmo que estou tentando "salvar" o
filme de Liza, pela comparação com Kafka. A comparação entre os filmes é apenas uma sugestão, só encontramos as diferenças e semelhanças entre algo comparando mesmo.

E, puxa, já estou esperando que você leia logo A Matamorfose, já te empresto nesta semana mesmo. Acredito que a força da novela está justamente na metáfora, no esquema de imagens que ela nos possibilita criar para pensar outras situações. E como toda boa metáfora, às vezes, nos perdemos nela, colocando-a em lugares, ou situações nas quais ela não "caberia". Se Liza hipoteticamente se sentisse uma barata, é porque eu a vi de fato como uma barata. Chris não, torna o mundo e as pessoas ao redor um profundo esgoto.
Usei o Kafka mesmo como um pretexto pra falar do filme. Ou melhor, talvez tenha usado os filmes para falar de A Metamorfose. Não sei, a ordem não altera o produto :p

Por favor, depois me diga até mesmo se nem dá pra falar de Kafka com esses filmes, se for o caso.

Pô, fiquei mó contente com teu comentário, mano!

Abração!

Este comentário foi removido pelo autor.

"É preciso uma antropologia/sociologia do senso-comum"(Rita de Cássia).

Olha, acho que você faz uma coisa muito importante metodologicamente que é analisar um livro comercial e best seller, sem a tentação intelectual de simplesmente destruí-lo, mas compreendendo-o. A ponte entre Chris, personagem aclamadamente cult, e Liz, personagem aclamadamente comercial,é uma enorme e bela provocação que você nos coloca.

Também não acho que o argumento leve à revolução interna, como o provocador aí de cima hehehe.

Também sou cético quanto à postura de transformação social de Chris.É mais uma fuga quase que adolescente de um mundo de regras do que a vontade de transformá-lo. Transforma, sim, muito de seus valores em valores humanistas, mas a ideia de mudar o mundo indo pra uma montanha gelada? Acho exagero Fabinho.

Em compensação o ponto colocado pelo Fábio é muito importante. É uma depressão meio malhação. Um tanto quanto positiva, polyana. Uma necessidade de mudar, mas de quem está enjoada com a regra do jogo, não como quem se sente oprimida socialmente pela mesma.

Lembrando Durkheim (olha onde meu pensamento chegou!), o "suicídio social" de Chris é egoísta (eu estou certo e a sociedade está errada). Enquanto o de Liz é altruísta (a sociedade está certa, mas eu não me encontro nela).

Mas aí a pergunta Fabinho. Até que ponto a dor de quem se deprime por falta de dinheiro é diferente de quem se deprime por excesso de dinheiro? Alguém pode se considerar mais ou menos "barata" que alguém devido à diferente natureza?

Não sei. O Post é polêmico e melhorou ainda mais as dúvidas depois da ótima intervenção do Fabinho. É por isso que adoro esse espaço...

Ah, esqueci. Pra mim, o filme da Liz é muito semelhante a um poema também polêmico, que a família da Clarice dize que é dela, e um outro cara, Edson Marques diz que é dele. Segue o link:

http://fastlove.wordpress.com/2008/03/20/mude-com-edson-marques/

Opa, sabem que eu sempre acompanho o blog docêis né!? Parabéns, primeiramente... vocês estão cada vez melhores.

Depois, apenas pra botar mais lenha na fogueira, digo, na metáfora, lembram a "conclusão" a qual nosso digníssimo Alexander Supertramp chegou ao final: "felicidade só é real quando compartilhada"?

Também recomendo que leiam o livro, caso ainda não tenham feito, homônimo ao filme. Este eu também posso emprestar.

Não creio, Chinês, que o carinha que vai se refugiar nas montanhas tenha a intenção de transformar o mundo. Tem sim uma intenção anterior a ir às montanhas de se resignar desse mundo com o qual não crê mais.

Em Chris não há um suicidio "social". É real. O não encontrar-se com a sociedade, o não caminho, não o leva uma superação por outra forma, seja lá qual fosse...mas não busca a felicidade, mesmo que ele a descubra real na compartilhação da mesma.

E não digo de dor, nem de compará-las no seu ambito subjetivo. Comparei as buscas no plano objetivo. Nas ações e nos discursos.

A busca de Liz não enxerga que suas dores podem provir de relações sociais e morais anteriores à ela e que à ela foram colocadas. A felicidade, a busca incessante pela mesma, a revolução interna para encontrar-se nesse mundo, as opressões de casamento, de amor, de prazeres, de um modo de ser e viver que estão aí, postas.

Chris, ao meu ver, subverte essas relações por não reconhecer nelas aquilo que se possa chamar de sociabilidade. Prefere a fuga. A fuga das relações sociais, do mundo, da vida...mas compreende o mundo na sua caminhada, não na sua face subjetiva, interna à ele mesmo, nas relações sociais objetivas que estão desumanizadas. Não as reconhece nem nele mesmo.
Não é questão de dor e comparação.

Sentir-se barata, se quiseres no sentido amplo, pode a qualquer um acontecer. No sentido de Kafka já não sei. Não li o livro. No entanto, pelo que já ouvi, responda-me, a metafora está ai para ser usada em qualquer circustância?

Beijos

Thiagão, do que li até hoje da Clarice Lispector, este poema não deveria ser dela... sei lá... parece mesmo escrito pela Liza Gilbert...

Não sei, Fabinho, reli o texto umas vezes, se comparei não foi pra elogiar, acreditar, incentivar uma postura como a de Liza Gilbert, aliás, o “happy end” do filme deveria ter uma observação: "daqui a pouco ela enjoa, quer mudar de novo e larga o brasuca bonitão".

Não, a metáfora não está aí para ser usada em qualquer circunstância, acredito. Resta saber se ela cabe mesmo no que estamos falando, sobre Kafka, com A Metamorfose.
O “suicídio” de Chris é social, sim, Fabinho, da forma como o vejo, antes mesmo da casualidade de morrer envenenado. Acho que dá pra ver, também, como uma forma de “suicídio egoísta”, como quer o Thi, apesar dos lances durkheimianos terem um aspecto forte de estatística, não são casos isolados. Liza é quem não passa por nenhuma forma de “suicídio”, por assim dizer.
Queria ressaltar uma coisa, o lance de “mudar” próximo a “consumir”. O lance da viagem, do trânsito, da itinerância, do caminhar, da paisagem, da descoberta visual, pela qual Chris também passa, especialmente, em Liza ganha forma de “consumo”, ela quer comprar, acredito. Ela não está se isolando, não está negando nada. Ela não nega nem ela mesma, me arriscaria a dizer. Porque o princípio dela é “mudar” bebendo cappucino, comendo macarronada e meditando. Ela não estaria nem a procura de si própria, apesar dela dizer isso, porque acho que o que ela faz, ao invés de “mudar”, é simplesmente “trocar”, no sentido mercantil da coisa mesmo, de produtos indiferenciados, embalagens para as quais se projeta “a nova felicidade”, que em seguida podem ser, novamente, trocadas. Liza trata o mundo e as pessoas sobretudo como se fossem mercadorias, no limite – e esta é a nossa vida. “Cansei! Chega desse meu casamento, das roupas sociais, das formalidades, dos projetos futuros”, “Posso ter um namorado hippie, fazer meditação, virar vegetariana, recitar mantras”. “Cansei, quero viajar o mundo, comer macarronada, falar italiano, fazer um retiro espiritual”.

Do Kafka, talvez não dê pra falar com a Liza mesmo, estou quase convencido pelo que acabo de dizer, porque, pra resumir o argumento, ela só buscou “novas paisagens e novas pessoas”, não encontra “novos olhos”, apesar de “orientalizada” e tudo o mais. Já nem com Kafka, mas com Proust mesmo. Tentei não entrar muito na leitura que fiz do filme, no texto acima, mas é por aí...
A oposição entre humanização e animalização na novela fica complicada de trabalhar com a Liza ao pensar em troca, consumo, objetificação das pessoas... Ela segue humana-barata, meio a meio, como nós todos, ainda que rica e morando num paraíso :p Parece não ocorrer uma tensão maior, como talvez na inversão de Kafka que falei ocorrendo com Chris...

Xuxa, li o livro do John Krakauer sobre o Chris/Alex, no ano passado. Achei muito legal, muito mesmo, bem melhor que o filme. E não é que “livro é sempre melhor que filme”. O livro tira o aspecto heróico do filme, centrado no Chris/Alex, mostrando a história de outros tantos Supertramps nos EUA, e, principalmente, a experiência do próprio Krakauer como alpinista, as reflexões dele sobre tudo isso. É o que lembro. Achei bem interessante, os personagens com os quais o Alex encontra ao caminhar pelo interior dos EUA também são ampliados, ganham mais densidade, particularmente, fiquei mais impressionado com a história do velhinho que ele encontra no final, e que no filme já tinha me chamado atenção. Ah, a referência a Boris Pasternak, com Doutor Jivago, era pra não contar o final do filme, rs!

Beijos!

Ah, mas sem meias palavras Hugo. Todo mundo já viu este filme.

Não li o livro de Liza e nem vi o filme. Então vou falar só pelo que conheço sobre o Chris, tanto o livro quanto o filme.

Acho que não se trata de um suicídio, não mesmo. Ele se relaciona na sua viagem de formas variadas com as pessoas, encantando a muitos. Ele está mesmo numa busca. Chego até a duvidar se ele não acreditava mesmo mais na sociedade (afinal, há muitas sociabilidades distintas nos EUA, e ele experimentou diversas e até se encantou com algumas).

Então acho a metáfora, neste sentido, boa. Nos dois casos tratam-se de buscas. Agora, quanto o fato da busca de Liza ser mais consumista ou não, isto é irrelevante. Chris também teve que trabalhar um tempo e juntar dinheiro pra fazer sua viagem. É interessante o fato, por exmeplo (que não lembro se tem no filme) que ele, antes de entrar em cada cidade, enterrava seus poucos pertences e seu dinheiro. Estes pequenos fatos não me permitem pensar que tenha sido um suicídio ou uma crítica ferrenha ao modelo americano (aliás, al enterrar e proteger seus pertences ele está sendo bem, digamos, americano).

Ainda sobre esta questão de mudanças, consumos, individualismo, dá pra pensar em Bataille também, que faz um apelo ao consumo, ao destruir ao invés de construir como modo de destruir os modelos capitalistas. Não que seja o caso da Liza, mas vejo isto claro em Chris, sobretudo quando ele queima o carro. E com Bataille também dá pra fazer uma volta a Kafka, que influenciou seu pensamento. Mas aí já me falta fôlego.

(só queria levar a metáfora mais longe, acreditando que seja possível questionar os modelos, pensar em transformação, mesmo sendo egoísta ou então imersos em toda uma lógica - ethos ou habitus - do antigo modelo que se quer transformar. isto é, acredito ainda no indivíduo, eu acho)

Xuxa, exagerei, realmente, poderia ter dito logo de cara...

Ainda penso que seja um "suicídio social" (insisto nas aspas) o de Cris ... Ele está numa busca, mas acredito que nesse processo, até pela escolha da mudança de nome, por exemplo, e especialmente de algumas falas marcantes, me parece que ele acreditava que as relações humanas (e nisto penso do ponto de vista social e interpessoal) eram/são algo do qual se deveria deixar. em vários momentos ele insiste nesse ponto, de que os homens e as vidas que levam são um mentira, e que ele está em busca da verdade, em meio a Natureza. uma postura muito cara ao romantismo, talvez, de um romantismo que lembra Vitor Hugo. este, ao contrário de Baudelaire entregando-se a multidão desencantadamente, preferia o isolamento na Natureza.

Concordo num ponto, e isso me encantou muito quando assisti ao filme, e li o livro, como disse no exemplo do velhinho, pela forma com que se deram os encontros dele, em itinerância. lembro que isso me levou a ficar meio obcecado pela história: o fato de alguém negar as relações, quaisquer, e construir/viver e encontrar relações de uma maneira muito bonita. importante lembrar isso, são diferentes sociabilidades, não só naquele imenso país, mas que quando usamos conceitos muito amplos, perdemos a diversidade da coisa mesmo.

Analiticamente, não acredito que seja irrelevante as expressões dessa busca, Xuxa. porque neste ponto, saímos das histórias e da metáfora, e entramos na leitura das relações de trabalho, de consumo e da significação do mundo vivido, no fim das contas, sei lá... vi este aspecto que você aponta, em Chris, mais como uma necessidade de sobrevivência, básica, justamente de quem tinha queimado tudo e precisava garantir algumas coisas antes de chegar no Alasca. são diferenças importantes entre Chris e Liza, na forma como realizam essas buscas, nos significados que atribuem a isso e aos elementos que transitam na trajetória de ambos...

Pô, fiquei curioso pela relação com Bataille, que não conheço, nunca li nada, só vi citações. Não entendi a relação...

Sim, uma das coisas que me levou a pensar no paralelo entre as histórias de Chris e Liza é esse lance dos modelos, da busca individual por uma transformação, mesmo que egocentrada, mas passível reflexos estruturais. e, novamente, voltamos a Kafka.

Abraços

Li A Metamorfose, assisti Into The Wild e assisti Comer, Rezar, Amar.

sem querer me intrometer na discussão...

Acho importante dizer que todos falam sobre "encontrar-se na sociedade em que se vive".

Cada um no seu contexto social:

- Rica que quer continuar rica e feliz.

- O rico que não quer viver na sociedade capitalista.

- O pobre que está oprimido e precisa romper seu "exoesqueleto social"


Quando Chris escreve que não existe felicidade sem ser compartilhada eu entendo que ele pretendia voltar para a sociedade que ele tanto repudiava antes de morrer. Ele morre tentando voltar aliás.

Não me atraiu realmente o estilo de vida burguês de Liza. "Rico que tem culpa por ser rico".

Bom, mas saindo dessa discussão preciso falar que curti o blog! Achei o blog por acaso. E me surpreendi em ver quem eram os autores!
Por onde andam Hugo e Fábio Bolinho?

sou o Beronha, do EIV de Botucatu, lembram?

Manda um email ae pra gente trocar idéia!

abração!

Gostei dos seus argumentos e quase fui manobrada com sua forte opinião. Contudo, creio, Kafka não tem comparações. E não é apenas esta mente fechada de minha opinião, é apenas destacar o que Kafka quereria demonstrar ao mundo com seus livros. Apesar de que o autor desejaria que suas estórias não fossem publicadas, mas aconteceu. Bem, os personagens de Kafka demonstram o quanto a sociedade despreza um ser quando já não é mais necessário em seu mundo. Digo, quando um homem torna-se imprestável, a sociedade o ignora. E a sociedade ao todo era rotulado pela família de Gregor e seu patrão. Enquanto, ao filme que você citara, ela demonstra uma libertação! Uma liberdade antes nunca sentida. Focos bem opostos: Kafka e o filme.

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