quarta-feira, 14 de julho de 2010

Quão abstrato pode ser um conceito?

. . Por Fábio Accardo, com 4 comentários

Olhem para a figura ao lado - que me dizem? Um desenho qualquer? Arte? Arte abstrata? Quadrinhos? Arte abstrata em quadrinhos? Tive a mesma reação assim que uma amiga me mandou o link do blog abstractcomics. Somente me enchi de dúvidas acerca do que se tratava. Desde sempre as histórias em quadrinhos (HQs), os comics, tiveram uma linguagem mais ou menos delineada para o meu entendimento. Eram páginas que misturavam vários tipos de linguagens como a escrita, o desenho, a arte gráfica, com um objetivo de contar um história, numa arte seqüencial lógica, com cronologia que levaria ao fim da história ali proposta. Seria eu (ou uma gama de fanáticos por quadrinhos) tão ultrapassados assim para não compreender algo que se diz comics?
Fiquei vários dias com isso na cabeça (e várias noites atordoando essa amiga com minha inquietações). Quando não se tem uma base teórica ou empírica para esse tipo de abstração, não se chega a nenhum conclusão acerca desse tipo de assunto. No entanto, nos esforçamos. Deixamos que a fruição estética nos desse algumas pistas sobre o que analisar em alguns desses exemplares do blog. Juntamos à essa fruição o pouco que sabemos, lemos e vivenciamos do mundo dos quadrinhos e da vida. E que conclusão chegamos?

As férias chegaram e me joguei na leitura de alguns quadrinhos como Will Eisner, Art Spiegelman, Alan Sieber, Liniers, Malvados. Estava dentro do que se pode chamar quadrinhos "normais" até quando me deparei com o abstractcomics. Impossível não tentar enxergar a mesma lógica dos quadrinhos nessas obras. Logo a primeira pergunta: mas isso é quadrinhos? O que me levou ao questionamento seguinte sobre o que definiria, então, quadrinhos. Das definições a escolhida foi de W. Eisner, que configura quadrinhos dentro do que se chama arte sequencial e define como "o arranjo de fotos ou imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar uma idéia". Claro que é uma escolha pessoal por uma definição, mas me parece a que pode melhor abranger as diversidades do que se pode dizer quadrinhos.

Atendo-se mais um pouco à definição: arranjo de imagens e palavras para narrar uma história. O que vemos é que alguns elementos parecem necessários estar presentes para que se configure como uma HQ. Por outro lado, os tais quadrinhos abstratos parecem brincar com esses elementos. Por exemplo aquele primeiro exemplo no início desse post: chama Mosaic-Pretzel, ou seja, é um Pretzel (daqueles de comer!) formado por mosaicos (uma técnica artística). Nele temos a presença da divisão em quadrinhos, de desenho, de cores, de movimento, mas que lhe falta uma narrativa, uma lógica seqüencial. Deixando-se levar pela percepção estética, podemos viajar um pouco nas cores, nos tamanhos, nas formas, no entanto, a estrutura dos quadrinhos parece se perder sem uma objetividade.

Nesse outro exemplar vemos uma seqüencia lógica de preenchimento. Começa com poucas letras e vai completando os espaços com mais letras, algo com movimento e tempo. Não há desenhos, apesar de aparecerem algumas formas na conjunção das letras, mas nada que configure como algo compreensível. Mesmo as letras parecem não dizer nada, ou seja, não estão num arranjo de palavras, não configuram algo semântico (não tive saco de ficar procurando palavras, tipo um jogo de caça palavras - se encontrarem me avisem!). Num esforço gigantesco podemos interpretar algo (ponto pra Lais): parece as letrinhas da Matrix e elas vão se preenchendo, como se estivesse aumentando as informações, algo que no filme é visto como uma compreensão mais apurada da realidade. No fim tudo parece se misturar, perde a nitidez, as informações se embaralham, assim como a internet, com muita informação mais que pode confundir mais que informar. Loucura? Identificamos esse com menos cara de quadrinhos mas parece dizer mais coisas.


Há muitos outros exemplares que podemos ficar brincando de interpretar (ou seria de apreciar a arte?), mas afinal o que realmente significa isso? Ou em outras palavras: que porra é essa? Descobrimos que no ano passado foi lançado no Brasil uma antologia chamada Abstract Comics que conta a história do que vem a ser esses quadrinhos abstratos e reúne inúmeros de desenhos desse tipo.
O marco inicial, segundo a antologia, parece se dar com uma dos nomes de peso das HQs, Robert Crumb, mas que ainda flerta muito com os quadrinhos, sendo mais uma abstração, uma criação psicodélica. Ao que parece essa corrente de artista gostam de brincar com os limites das definições, querem embananar o meio de campo tentando desintegrar os conceitos do que faz ser quadrinhos, mesmo ainda trazendo os elementos que o compõem. No flickr da editora fantagraphics do livroum trecho que nos explica melhor: "cartunistas e outros artistas jogaram com a possibilidade de quadrinhos cujos painéis contêm pouca ou nenhuma representação de imagens, e que não contam histórias que não sejam as que resultam da transformação e interação de formas em todo o layout de uma página de quadrinhos. Reduzido aos elementos mais básicos dos quadrinhos - a grade do painel, pinceladas e, por vezes cores -, os quadrinhos abstratos destacam os mecanismos formais que sustentam todas as histórias em quadrinhos, como o dinamismo gráfico que leva o olho (e a mente) de painel a painel, destacando também uma interação esteticamente rica entre a seqüencialidade e layout de página" (tradução própria - googleolizada).

Afinal, a que conclusão chegamos? Nenhuma. Ok, podemos conviver com os quadrinhos abstratos, mesmo que isso às vezes pareça não fazer sentindo. Até podemos gastar um tempo olhando e tentando entender alguma coisa, viajando, abstraindo coisas. Tentem. É divertido. Mas ainda assim prefiro os quadrinhos....os normais!


















Aliás, to precisando terminar um deles para emprestar pra Lais - maus...


4 palpites:

Excelentíssimo, Prezado, Querido, essas coisas, Fábio,
Obrigado, antes de qualquer coisa, pelo post.
Promento a mim mesmo, de uma vez por todas, escrever sobre o Liniers, mas é que é difícil. Agora, se você acha que eu vou procurar palavras nesse negócio aí... áfe...rs
E, putz, adorei o post, são quadrinhos bem underground, aparentemente, pelo menos pra mim. Mas o grande barato dessa história toda é se divertir, é a brincaderia estética que os quadrinhos nos proporcionam, mexendo com as perspectivas do nosso olhar (tudo bem, conversa de quem estuda antropologia...), e fazendo com a gente reflita e aprenda bastante!
Beijooo

Muito boa a postagem!
Eu também prefiro os normais, os menos, digamos, "pós-contemporâneos", rss... Mas me parece que as abstrações parecem mais legais de acordo com o estado de espírito mais confuso do espectador. Quando estamos mais racional, a abstração é mais sofrível!
Mas é uma discussão fundamental, não só nos quadrinhos, mas em todos os campos artísticos existentes.

fico com os não-abstratos por total incapacidade de apreender abstrações visuais...

deve ser algum tipo de defeito de fábrica, ou má formação do feto...

smac...

fico com os não-abstratos por total incapacidade de apreender abstrações visuais...

deve ser algum tipo de defeito de fábrica, ou má formação do feto...

smac...

    • + Lidos
    • Cardápio
    • Antigos