O cara que pela vez primeira afirmou que Deus é brasileiro deve ser como aquele outro que disse que o trabalho dignifica o homem: no mínimo um otimista. Pois tanto me parece improvável conhecer tal nacionalidade do todo-poderoso, como também essa ideia de que trabalhar leva a uma elevação moral, embora vivamos ambas constatações como se fossem paradigmas irreversíveis. O fato é que mal acaba a copa da África e um surto de nacionalismo parece tomar conta dos meios de comunicação, já prevendo os dois maiores eventos esportivos internacionais em terras tupiniquins, a Copa do Mundo de futebol (2014) e Olímpiadas (2016).
Parece-me um tanto quanto contraditório que vistamos verde-amarelo, exibindo a todos vídeos com nossas belezas naturais e, concomitantemente, joguemos pedra em uma política externa que de algum modo, tenta, finalmente, nos tirar do papel periférico imposto por toda nossa história.
Assim como é quase piada um país tão "nacionalista" e que ainda tenha, todo santo dia a cada esquina, tanto preconceito de classe, cor e gênero. Essa suposta união trazida por eventos esportivos é balela. Balela tão grande como os torcedores que terão oportunidade ($$$) de assistir aos jogos da seleção em 2014, provavelmente, bem diferenciado daqueles que realmente compõem o imaginário do futebol brasileiro em seu cotidiano sem copa.
Mas vindo de um país no qual quem diz "isto é uma vergonha" humilha garis, em que o Lula se alia ao Collor, nosso nacionalismo esquizofrênico é apenas mais umas das inconsistências contemporâneas desse gigante ornitorrinco adormecido.
Há algum tempo atrás, quando frequentava alguns antros anarquistas, estes se vangloriavam pelo célebre lema "sem Deus, sem pátria e sem patrão". A esquerda, noutro sentido, vaiou, em festivais musicais, artistas que possuíam influência do imperialismo ianque, o tal do iêiêiê, música de alienado. A direita, por sua vez, sempre foi pátria, família e propriedade, ainda que Nelson Rodrigues tenha dismistificado a tríade.
Pensando hoje em contradições históricas e todo esse ufanismo esportivo, é recorrente em minha viagem sociológica a Antropofagia dos primeiros modernistas. E me impressiona como a resposta desse movimento atende aos requisitos da globalização que ocorre décadas e mais décadas depois. A ideia é simples a grosso modo: assim como os índios devoram seus inimigos para apropriar-se de suas virtudes, o mesmo deveríamos fazer com as influências externas e com as distintas formas de produção cultural. Valer-se delas para fazer algo novo e com características nacionais. O modelo-síntese é a apropriação shakespeariana do "tupy or not tupy, that is the question", frase utilizada por Oswald de Andrade no psicodélico "Manifesto Antropofágico". Hoje o maior exemplo prático dessa antropofagia talvez seja o Rap brasileiro, que pouco tem de semelhante, em seu conteúdo, com o Rap produzido nos EUA, país de origem. Nesse bololô global, é praticamente impossível pensar em algo genuinamente nacional, unicultural. E nem deve ser, essa suposta pureza seria mais um limite do que uma qualidade. Entretanto é muito viável pensar que uma produção com criatividade nacional tem um valor subjetivo diferenciado para nós, em suma, uma identidade.
Dizer que acreditamos na população, na cultura e na nação brasileira é tão fácil como dizer que acreditamos que Deus é brasileiro. Difícil, porém, é praticar palpavelmente tal crença no dia-a-dia. Aliás, muito dos que praticam, os verdadeiros nacionalistas, sequer querem saber que raios significa essa palavra. E muitos cujos lábios a pronunciam, pouco fazem por merecer tal título.
De qualquer modo, na hora de sermos nacionalista - e, acreditem, eu tento ser - é melhor sabermos diferenciar um Anauê de um Abaporu.
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