sexta-feira, 30 de julho de 2010

Avesso do Avesso

. . Por Thiago Aoki, com 5 comentários

Não é de hoje que se criticam as metrópoles. Baudelaire já o fazia com muita propriedade em Paris muito tempo atrás. Foi ele, inclusive, que cunhou o termo "flâneur", que em francês significa algo como "passeador", aquele que vaguei pela cidade a contemplá-la, sem rumo. E transformando a historia num disco riscado que insiste em reptir seus trechos é sempre ela, a cidade, o objeto de reflexões e disputas.

Não há sorrisos em São Paulo. Por trens e ônibus, os olhares fatigados, impotentes, quando não fechados em sono, poucas vezes deixam escapar um sorriso. A impessoalidade reina - cada um com seu sofrimento, no seu espaço. O bom-dia com sorriso entusiasta, que ando fazendo como provocação, assusta os funcionários acostumados a seguir rígidos protocolos gerenciais que não incluem tal expressão. E uma cidade sem bom-dias é uma cidade triste.

Mais jovem, quando passeava em São Paulo, gostava de tentar adivinhar onde as pessoas desceriam no metô. "Aquele japonês vai descer na Liberdade..Deve trabalhar em algum restaurante.." Mas trabalhando aqui, vejo que pouca graça tem a brincadeira. É muito fácil, pois no horário do rush, todos vão para o mesmo lugar: o próximo ônibus, o próximo trem, a próxima espera. Em uma palestra com um grande arquiteto, ele nos disse sobre o desafio de se fazer um arquitetura provocativa em uma cidade como São Paulo, onde a média de tempo que as pessoas levam para chegar ao trabalho é de 3h. Seguindo a risca o racicínio, são 6h diárias de transporte. Ou seja, correto mesmo seria a jornada de 2h diárias de trabalho para completar 40h semanais. Mas acho que essa lei não passaria na câmara.

Nos novos metrôs, não é mais o operador que narra as estações, colocaram a gravação de uma mulher de voz bonita que finge não estar cansada. Fico pensando no tédio do maquinista cujo tajeto são idas e vindas de linhas retas, como a esteira dos Tempos Modernos de Chaplin. Acelera... Breca... Acelera... Breca... Acelera... Opa, mais um corpo se jogou contra o trem... Breca... Acelera...

Antes de estar em São Paulo, adorava aquela máxima: quanto mais conheço os homens, mais gosto dos meus cachorros. Achava pessimista e provocativa. Mas quando vejo, por estatísticas, que a metrópole possui mais pet shops do que padaria, começo a me preocupar. É preciso ser humanista em São Paulo

Aliás, matuto cá dentro que diabos seria a política em São Paulo. No sentido original da palavra, política (politeia) significa a "prática da cidade(polis)". Agora entendo porque quando alguém fala algo que não entendemos, dizemos que está "falando grego". O termo está longe de ser viável. Seja para empresários enforcados em suas gravatas ou por Zumbis que vagueiam nos vagões feito zumbis, a cidade está longe de oferecer oportunidades. Os versos nas paredes do metrô parecem tentar resistir, provocar: pare, leiam... O mesmo o faz a pichação vândala e necessária no prédio do banco: "São Paulo, pare pra pensar". Em vão, aqui, parar é ser atropelado.

Sim, São Paulo tem diversidade cultural, riqueza gastronômicas, tecnologia, agito, salários elevados, museus, shoppings, grandes empreendimentos, mas por vezes a imagem que me vem, e não sai, à cabeça são de homens e mulheres. Talvez não tenhamos, ainda, conseguido interpretar muito bem o que Vinícius de Moraes quis dizer com "túmulo do samba".

De qualque forma, asssim como um peixe busca a água para respirar, é preciso encontrar, ou criar, em São Paulo - na ponta de cada spray, no buraco de cada muro, no poema em cada parede, no sorriso em cada bom-dia, na dor de cada passo - a resistência.

5 palpites:

Sr Aoki, primeiramente quero parabenizá-lo pelo estilo do texto. gostei pacas da forma como vc escreveu, da rapidez do texto e dos tracadalhos bem postados.
No entanto, não concordo com o final. deparei-me com uma pergunta inquietante: resistir a que? a cidade? as suas características frias? resistir a sua velocidade?
Não sei se concorda, mas acho que faltou mirar num alvo mais determinado.
um abraço, dos eu pequenino lateral direito/ala multi uso,
João Priolli.

Pô, Chininha,
(em noite de comentários meus hoje... nossa...)
Que ótimo texto, ótemo! Mas não vou entrar nos detalhes!
Só que quando li, voltei, li de novo, e me inquietou também um ponto. Não por coincidência, a mesma coisa destacada pelo Jãozim.
Resistir a quê?
Em última caso, à nossa insana vida, que procura mesmo, muitas e muitas vezes, a insanidade do tipo paulistana?
O flaneur não resiste, se deixa perder na caótica multidão, na ênfase dada por Baudelaire. Escolhemos (e somos escolhidos) diariamente (por)essa loucura, por aí(aqui). Queremos então um vida em meio à Natureza Selvagem, tal como Victor Hugo, porque o problema é a sociedade, são as pessoas?
Mas, esquecendo relações teóricas, achei linda a poesia do teu texto, querido!
Um beijo!

Meus caros,
Poucas experiências em minha vida foram mais deprimentes do que o metrô da capital. To contigo, Chinês, o que me chama a atenção é que todo mundo me parece triste. Nunca gostei dessa cidade. Ela me parece com um droga qualquer. Há quem se delicie - você deu muitos motivos pra isso. Mas quando eu vejo as pessoas lá, vejo somente tristeza.
Não sei se é preciso resistir e ficar por aí não...
Talvez seja melhor fugir daí pra morar na praia, como tanta gente tem feito.
Aliás, menos gente bem que faria bem praí...

um smac triste,
Peixe

Estive lendo por esses dias o livro de Marjane Satrapi, Persépolis, onde conta a história, por meio dos quadrinhos, da autora: uma menina iraniana que vive em meio a revolução iraniana, muda de país, volta. Virou até filme. Talvez eu faça uma postagem sobre ele, mas o que gostaria de comentar é sobre o final do seu texto onde diz de encontrar ou criar tal resistência. Numa parte do livro ela diz sobre as tradições do regime iraniano nas décadas de 80 e 90, e diz que cada vez mais saiam de casa se perguntando sobre as roupas, sobre o véu, sobre maquiagem, coisas que eram proibidas as mulheres e outras coisas aos homens, o que fizeram todo um povo a parar de pensar politicamente, sobre as liberdades do povo, sobre o poder do governo, sobre as prisões políticas, a liberdade de expressão, ou seja, o medo ao regime fez com que as pessoas perdessem o senso de análise e reflexão, sendo esse medo o motor da repressão. Ai, qualquer gesto virava ato de rebeldia, como mostrar os cabelos, se maquiar, etc. Um contexto em que as micro resistências mexiam publicamente com as pessoas, o regime. No entanto, o que parece que você propõe, ou coloca, são essas micro-resistências dentro de uma logicidade da urbes, de uma metrópole como São Paulo, em que você mesmo diz que a tristeza, a rotina, faz com que as pessoas mesmo com 6h de viagem de ida e volta ao trabalho não percebam uma arquitetura. De que modo propões uma resistência numa cidade cansada da sua mesmice e da sua esteriladade com a vida de seus habitantes? E, meio que junto ao João, resistência a que e a quem?

No final das contas, coloquei meu livro na mala e fui a praia, fugi...e era o Persépolis!

Rimbaud teceu críticas ao urbanismo engasgado. Tom Zé ganhou o festival de MPB com a São São Paulo, que bem falava: "se amam com todo ódio/ se odeiam com todo amor (...)são paulo é só trabalhar", Roberto Piva, dissidente da poesia marginal dos anos 70, também fez críticas a metrópole.

Ah, bom lembrar também do exímio sociólogo vivo bauman, que trabalha com os fluxos nos ambientes urbanos.

Abraço!

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