VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

domingo, 30 de maio de 2010

Mal Humorado

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários

Acho que as pessoas me consideram extrovertido, alguns, menos criteriosos, até me acham engraçado. Outros, amigos mais antigos, reclamam da repetição das piadas sem graças após sofríveis anos de convivência. Mas, de fato, o humor - do pastelão ao sarcasmo fino - sempre me perseguiu.

Hoje, fiquei um bocado receoso com a interessante entrevista do cartunista Quino para a Ilustrada da Folha de São Paulo. O tom que a edição da reportagem apresentou demonstra um Quino tanto quanto ranzinza, niilista, descrente. Que se sente idiota em posar para fotos jornalísticas e observa nos humoristas uma "raça em extinção". Se Mafalda, sua principal e mais notável personagem, acreditava em um mundo melhor, estava enganada. "Repare que de Adão e Eva saiu um filho assassino. Logo, de quatro pessoas que havia no mundo, 25% era um delinquente. Então não mudou nada. Somos assim". Para Quino, explicar o fato de a Mafalda continuar sendo atual, mesmo tendo acabado em 1973 é tão simples como identificar as loucuras que aconteciam no castelo de Hamlet com a atual Casa Branca: a sociedade nada mudou e "o ser humano segue tão mal como sempre".

A primeira dificuldade é ouvir isso de alguém que lutou contra um dos mais crueis regimes ditatoriais. A segunda é olhar para a televisão, para a rádio, para o teatro e notar que o "humor" é fórmula do sucesso midiático e cultural. Como se dizer que o mundo está tão ruim como outrora e que os humoristas estão em extinção?

"Nós humoristas éramos um pouco as pessoas que denunciavam situações que nem todo mundo se dava conta. E, agora, o que se vai denunciar? Há vários livros denunciando de tudo na política e não acontece nada. Antigamente você desenhava algo e ia preso. Agora, nada importa."

Parece um pouco aquilo de que Caetano Veloso em alguma de suas entrevista disse sobre o fato de que a ditadura militar, de certa forma, levou a uma época de rara criatividade na cultura nacional. Mas o que não me encaixa na cachola, tanto na fala de Quino como de Caetano, é entender por que a democracia, essa liberdade pela qual ambos lutaram, levaria ao ostracismo, à inércia cultural ou humorística. Hoje, a febre no humor é o stand up comedy, que inclusive um de nossos Indigestos já se engraçou de fazer. O fato das denúncias do cotidiano apresentadas pelos comediantes não serem reprimidas como um quadrinho de Quino durante a ditadura Argentina não indica necessariamente a perda da importância ou dimensão do humor nas sociedades. Nos quadrinhos brasileiros, por exemplo, temos uma safra magnífica de quadrinistas assim como os grandes d'O Pasquim, citados por Quino como exemplo. Só para citar alguns contemporâneos: Laerte, Adão Iturrusgarai, Allan Sieber, André Dhammer, entre outros.

Todos que me leem e conhecem sabem que não sou fã, nem entusiasta da democracia de mentirinha que vivemos e da sociedade de e para o consumo da qual fazemos parte, muito pelo contrário. O que quero dizer, e defender, é que, para além de questionar a qualidade do que surge em nossa época ainda temos que aprender a lidar com democracia, tecnologia e liberdade. Quesitos que nunca tivemos com tanta abundância e ênfase, mas cujos resultados ainda são altamente questionáveis. E talvez seja essa dificuldade que perpasse a entrevista do cartunista argentino. Somos livres? Somos democráticos? Para que(m) serve a tecnologia? É isso que está em disputa e em questão para todos os segmentos, inclusive o cultural. E a resposta que construiremos é que nos ajudará a propor um novo mundo. Sem nos esquecermos, entretanto, que essa resposta só pode existir COM os três elementos - democracia, tecnologia e liberdade - ou alguém acha que pode viver sem algum deles? Então, é melhor que lutemos, como diz aquele profético samba do Paulinho da Viola, "sem preconceito, nem mania de passado / sem querer ficar do lado / de quem não quer navegar". É isso que esse Blog tenta fazer.

sábado, 29 de maio de 2010

Divulgando - Festival Internacional da Leitura de Campinas

. . Por Thiago Aoki, com 0 comentários


Acontece, a partir de hoje, o 2° Festival Internacional da Leitura de Campinas (FILC). Nós que, por vezes, criticamos a apatia cultural campineira, inadimissível por seu tamanho e estrutura, temos que reconhecer quão interessante se faz esta proposta. O evento, parecido até no nome com a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), ainda não possui tal dimensão, porém caminha, a passos largos para se tornar referência nos bastidores da literatura nacional.

Este ano, a programação conta com grandes nomes da literatura contemporânea. Só para citar alguns:

Thiago de Mello - Um dos principais poetas brasileiro do século XX, autor do magnífico "Estatutos do Homem", dedicado a Carlos Heitor Cony e escrito durante exílio no Chile, em 1964, onde teve Pablo Neruda como seu principal amigo. Talvez um pouco desconhecido por seu regionalismo, por sua raiz amazonense, que o tirou dos grandes centros cooptados pela indústria cultural brasileira.

Rubem Alves - Apesar de nascido em Minas, Rubem Alves é considerado o grande expoente campineiro na filosofia e educação. Sua fala, que este blogueiro teve oportunidade de ouvir algumas vezes, é um deleite, assim como suas crônicas e pensamentos. Seus temas prediletos são educação, tempo, envelhecimento, literatura, arte. Deu pra entender já né?

Gabriela Leite - Ex-prostituta, acabou se tornando socióloga pela USP. Talvez ali tenha percebido que sua antiga profissão não fosse assim tão imoral se comparada aos autos da academia. É fundadora da ONG Davida, que defende os direitos das prostitutas e idealizadora da Daspu, grife desenvolvida por garotas de programa.

Allan Sieber - Grande acerto em colocar os quadrinistas como parte integrante da produção literária . Dos contemporâneos, Sieber é um dos melhores e mais inovadores. Integrante do politicamente incorreto compartilhado por seu amigo André Dhamer, Sieber hoje escreve tiras para a Folha de são Paulo e possui o Blog "Allan Sieber Talk to Himself Show".

Vamos parar por aqui pra não ficar tão longa a postagem. Mas além de todos os convidados, o Festival terá como autora homenageada a grandiosa, imensa, Hilda Hilst. Por fim, diversos show e intervenções culturais ocorrerão durante as mesas e palestras. Para começar bem, a abertura oficial será hoje (29/05) à noite, com, nada mais nada menos que, Luiz Melodia e Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, imperdível.

Os eventos ocorrerão em três pontos da cidade: SESC, Lago do Rosário e Estação Guanabara.

Para maiores e melhores informações, consultem o site oficial, com a programação completa.
Mas, independente de tudo, mexa-se.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

. . Por Caio Moretto, com 0 comentários

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A Copa vem aí...

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários

Que o futebol é parte integrante da Cultura Nacional, isso é um fato. E fica ainda mais evidente a cada Copa do Mundo como ele se constitui como parte da identidade nacional. Ainda mais se pensamos que nossa identidade é construída não apenas por nós mesmos, mas principalmente pelo modo como as outras pessoas nos enxergam. Tanto que alguns rebeldes em 1970 negavam-se, sob protesto, a torcer pela seleção brasileira, considerando o esporte como manipulação e alienação política. A seleção encantou e ganhou. Talvez hoje esses rebeldes sintam-se um tanto quanto arrependidos de tal proposicionamento ou ainda torçam o nariz ao ver tamanha espetacularização econômica que domina o esporte. Ou ambos. O número de marcas que apoiam a seleção nunca foi tão grande e a verba de contratos e patrocínios praticamente quadruplicou de 2006 para 2010. Dizer-se apoiador da seleção brasileira significa, na propaganda, dizer que sua empresa é responsável pela alegria proporcionada a cada brasileiro. E mesmo que não ganhemos a Copa, a culpa não será de quem investiu no time. Se intelectuais não gostam de tanto iêiêiê, quem trabalha certamente prefere perder 90 minutos da árdua escala para ver a amarelinha brilhar. Folguinha para ver os jogos da seleção é quase artigo da CLT. Em meio a essa euforia e super-produção futebolística que vivemos, lembro-me aqui, através de leitura do ótimo Blog da Redação do UOL, de uma das mais fantásticas jogadas de marketing que já existiram, realizada no final de 2009, na Itália, pela cerveja Heineken, patrocinadora oficial da Champions League.



O projeto ficou denominado como "Heineken Case Study" (Estudo de caso da Heineken) e tinha como alvo a grande partida da primeira fase da Champions League: Real Madrid x Milan, clássico que praticamente parou a Europa na época de seu acontecimento. A ideia era complexa. A Heineken combinou com pouco mais de 200 italianos entre professores, chefes executivos e namoradas para convencerem seus pares (alunos, empregados e namorados), todos fanáticos pelos times em questão, a assistirem a um concerto de música erudita que ocorreria no mesmo dia e horário do jogo, sem contar a estes que seriam vítimas da ação publicitária. Pois bem, a partir de argumentos esdrúxulos, torcedores fanáticos submeteram-se a assistir ao concerto e, durante a execução, um telão transmitia poesias diversas. Era claro no rosto de cada "espectador" a angústia e desespero por não estar acompanhando à partida. Após 15 minutos de tortura, aparece, no telão, algo como "É difícil dizer um não para sua namorada ?" "E para seu chefe?" "E para a partida?" "Como vocês iriam perder essa partida?". E logo a música característica da Champions League começa a ser ouvida e a reação da plateia é mostrada ao vivo para mais de 1,5 milhões de espectadores que aguardavam a transmissão da partida. "Nesse momento, Milan e Real Madrid estão subindo ao campo". E, então, a partida começa a ser transmitida ao vivo no telão, para alívio, aplauso e euforia das cobaia da "pegadinha" da Heineken.

Além da genial publicidade, que conquistou a web e noticiários durante aquele período, o que fica claro é o poderio que o futebol tem para com o mundo. A copa vai chegando e cada vez mais é difícil e constrangedor dizer-se não acompanhante do mundo futebolístico. Pior ainda é preferir concerto e poesia às quatro linhas. Por outro lado, seria argumento cult e elitista pensar que aqueles que preferem o clássico europeu à música clássica são atrasados culturalmente. Inclusive, acho que boa parte dos que se consideram "eruditos", preferem que apenas uma minoria tenha condição de ser. O fato é que se trata de dois eventos culturais distintos, cada qual com seu público-alvo e popularidade. Eu mesmo, confesso, preferiria ir ao estádio num jogo do Corinthians do campeonato paulista do que a um camarote do show do Chico Buarque no Citibank Hall, e creio que o próprio Chico entenderia minha escolha. Porque tanto é verdade a máxima de Guimarães Rosa já citada em outro post de que "pão ou pães é questão de opiniães", como aquela anônima que diz: "gosto é igual braço, tem gente que tem, tem gente que não tem".

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Vergonha Nacional

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários



Acabo de voltar do cinema...Com raiva...Hoje em dia, em épocas de avançado estágio de acumulação capitalista, é quase um pecado perder hora e meia de tempo por filmes que não valem os R$3,50 da promoção de segunda! Tem também um amigo que me dizia que assistir filme ruim no cinema é como brochar. Como não sei o que significa o segundo termo, apenas digo que a estadia no cinema hoje foi muito, muito, muito ruim pra mim. Por não querer pagar alguns cruzeiros a mais pelo tridimensional "Alice no país...", acabei caindo na cilada de assistir ao longa brasileiro "Segurança Nacional", estrelado pelo Thiago Lacerda (eu sei: não deveria me surpreender com a ruindade do filme!). Nem o ótimo Milton Gonçalves, que faz o papel de um presidente popular e negro de nosso país salva a fraquíssima trama. A história, mirabolante, consegue pegar as piores características hollywoodiana, e ampliá-las ao extremo. Não é preciso ser cinéfilo para achar ruim a arte do filme, pra saber que a trilha sonora estava mal encaixada, que os diálogos eram toscos, que a atuação dos atores foi terrível e o roteiro pra lá de incoerente. Prova disso é que, ao acabar o cinema, as pessoas riam de indignação ou, impotentes diante da situação, suspiravam de sofreguidão por ter aguentado aqueles 90 minutos. Enfim, não tinha nada de mais passando, o que é normal, pois as estreias param durante o período da copa, só queria mesmo é aproveitar a ida ao shopping e a promoção do cinema.


De qualquer modo, o que mais me assusta é saber que o filme já havia rodado em 2006 e só agora chegou as telonas, bem em ano eleitoral. Num enredo pra lá de duvidoso, com um presidente da república sensato e sensível, um serviço de inteligência que deixaria a CIA no chão e um exército de poderio que amedrontaria qualquer superpotência. O centro de discussão do filme é o SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), defendido por governistas e criticado por opositores - que no final também estão envolvidos com o tráfico. Thiago Lacerda interpreta, pessimamente, um Jack Bouer brasileiro, como bem definiu a crítica do Omelete. E ele, em conjunto com a eficiência do serviço secreto e a coerência do presidente, consegue evitar um desastre atômico por traficantes colombianos que, sabe-se lá como, conseguiram uma bomba nuclear. Além disso, a tônica ufanista predomina, com várias cenas em que o conteúdo é estreitamente a bandeira tremulante. O presidente é ovacionado por criancinhas, enquanto o hino nacional é cantado, e não pela Vanusa. Todas as cenas em que a FAB entra em ação, o nome dos caças e das armas são exibidos, louvando nossa potência armística. Em uma das tomadas, operários da Petrobrás trabalham contente e felizes com seus uniformes-propagandas. Enfim, por que a volta do filme às telonas? Sem sucesso, sem público, sem críticas? Um filme patrocinado por Ancine e Petrobrás, com parceria com dezenas de empresas.


Quando saiu o filme "Lula, o filho do Brasil", fui um dos poucos que defendi sua exibição, pois a biografia do presidente, ao meu ver, é talvez a mais interessante do país, por sua trajetória e amplitude. E mais, cinematograficamente daria um bom roteiro. Ainda não tive coragem de assistí-lo, pois, ao que tudo indica, a linguagem idealista e mercadológica também vai de encontro ao que se faz em "Segurança Nacional", ou seja, instrumentaliza-se o cinema para chegar sabe-se lá aonde.


Infelizmente, por vezes, em diversos momentos da história mundial, a autonomia que deveria existir na cultura é comprometida pela necessidade de se adequar o projeto à linha de financiamento das agências governamentais. Se bem que esse filme mais atrapalha do que melhora a imagem do governo, pois é impossível não se questionar do porquê de algum dinheiro ser destinado a tal produção.



Mas, calma, Lula não é um mentiroso, safado, analfabeto, blá blá blá. Na política nacional não existem santos ou demônios. Até acho que a cultura é hoje um dos pontos fortes do governo. Conseguiu uma ampla mudança desde que o PT chegou ao poder, retomando os investimentos do Estado e ampliando as linhas de fomentos, tudo isso com um importante aumento na auto-estima nacional. Aliás, tinha engatilhada para hoje uma postagem sobre as mudanças nas políticas culturais do governo Lula para FHC, já com vistas às eleições desse ano, na qual, mais uma vez, todos falarão sobre a cultura e educação. Afinal, dizer que apoia a cultura é tão fácil como dizer-se contra a pedofilia. De qualquer modo, essa postagem ficará para outra hora, ou para outro Indigesto, porque esse filme me deu uma paralisia racional, e as únicas palavras que me vêm à mente são para desfazê-lo.


domingo, 9 de maio de 2010

Esperança Equilibrista

. . Por Thiago Aoki, com 4 comentários

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."


Inspirado por e-mail de um Indigesto amigo, percebi que quando penso em Fernando Pessoa, o que me vem a cabeça são esses versos, os primeiros da bela "Tabacaria", poema de Álvaro de Campos, mais um de seus múltiplos personagens. Então me pergunto: por que aquele mesmo poeta fingidor que nos inspira a passar além da dor e a não apequenarmos nossa alma, no poema "Mar Português", agora nos condena a não sermos nada? Pior, por que gostamos de ler coisa tão trágica ou grandiosa sobre nós mesmos? Em suma, a malvada esperança.

No final de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", ao fazer um balanço de sua vida, o personagem-narrador diz que teve seus êxitos e fracassos, e que algum desatento poderia pensar que seu saldo, em vida, fora nulo. Porém, lembra-se de fato que lhe fazia o saldo positivo: "não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria". Um dos mais belos trechos de Machado de Assis.

Em "Morte e Vida Severina", nosso João Cabral de Melo Neto nos narra a história de Severino, um retirante como outro qualquer, que busca de trabalho e encontra a mais crua miséria. Numa dessas andanças, conhece José, mestre carpina, morador de um mocambo paupérrimo. Ao constatar tanta pobreza, fome e falta de perspectivas no local, Severino indaga:

"— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?"

Seu José não responde à pergunta pois uma mulher entra, interrompe e lhe anuncia o nascimento de novo filho, a mulher de José daria a luz, naquele momento. Eis que, no trecho final, após a criança já ter vindo ao mundo, saudada pelas pessoas do vilarejo, a resposta de seu José vem:

"— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."


Contrariamente ao Brás Cubas, seu José transmitiu a uma criatura o legado de nossa miséria. E esses versos, além de responderem ao Severino, servem também de contra-argumento a Brás Cubas. João Cabral explica, como diriam os filósofos do "Terra Samba", "como essa gente que sofre com fome e que passa mal / vai batucar na panela vazia e fazer carnaval". A esperança existente no povo brasileiro talvez seja o mais intrigante de nossos patrimônios simbólicos. É uma faca de dois gumes, cujo corte resultaria em duas metades opostas: frustração e conquista. Voltando a Pessoa, saber-se nada, mas viver com a coragem de se atravessar um mar bravo, ainda que se esteja fadado a nada conseguir. É missão do Severino que cada um tem em si atenuar o legado da miséria, sem saltar da ponte da vida. Miséria humana, miséria física, miséria moral.



Enfim, não caiam nesse "manifesto" da Coca-Cola - cá entre nós, esses caras do marketing são realmente bons.. Essa ideia de meio-cheio, meio-vazio é uma falsa polêmica que fica bonita ao som de Bob Dylan, mas não me engana. Tanto faz o otimismo ou pessimismo, ver a vida como copo cheio ou vazio, desde que não se ignore a profundidade do copo e o conteúdo do líquido, ou seja, até onde e como se pode chegar. Seria mais coerente que a popaganda incentivasse o público-alvo a se questionar sobre o líquido que preenche seu copo, sua vida, mas acho que isso os fariam perder alguns clientes. Melhor mesmo mesmo mantê-los conformados.

PS: Com o Corinthians eliminado na Libertadores, escrever sobre esperança foi uma terapia corinthiana, obrigado...

sábado, 8 de maio de 2010

Quando me apaixonei por Vera Loyola

. . Por Unknown, com 3 comentários

Demorei um pouco pra me lembrar do nome da moça, já a cor do vestido curto dela não foi difícil recordar. Como se diz, “ela causou” de ódios e xingamentos mil, no prédio da faculdade onde estava com o vestido rosa, a reflexões as mais abstratas, conceituais, sobre "A Liberdade". Hoje, não me atreveria a dizer que a reconheceria, mas do seu rosto pouco tenho em mente, apesar de recentemente ter visto que ela lançou uma grife de roupa e gravou um vídeo-clipe com um grupo musical, o Inimigos da HP. Pelo menos dá pra dizer que não foi apenas “cinco minutos de fama”, feito um “ex-BBB”. Geisy Arruda ainda tem algum status num mundo, muitas vezes, só, apenas e tão somente, de status.
Já na última edição da revista Bravo!, a capa traz Lady Gaga como aquela que atingiu o maior número de visualizações de vídeos-clipe pelo youtube. A cantora teria sido quem mais se utilizou, e bem, com sucesso, da internet. Mas toda vez que cruzo os olhos com alguma coisa de Beyoncé, ou de Lady Gaga, ou de ambas, lembro da Geisy Arruda.
Talvez porque não faz muito, também, um comercial de cerveja (Devassa) foi proibido por causa, diziam algumas análises, da “objetificação do corpo da mulher”. Sem tentar fazer muita firula teórica, digo, grosseiramente simplificando, haveria uma associação da imagem da modelo, ou atriz, Paris Hilton, que protagoniza o comercial, à latinha da dita cerveja. O comercial, a propaganda, aparentemente, quem sabe sugerisse que o consumidor da cerveja desejaria da mesma forma a mulher, no caso, Paris Hilton, e a cerveja.



Guardo aqui minhas dúvidas sobre os argumentos da proibição do comercial.
Não me convence que a o vontade de beber cerveja seja parecida com o desejo sexual. Em outro plano, o da "objetificação" de homens e mulheres, acredito que héteros ou gays têm “objetos” de desejo abstratos, que são homens e mulheres, ora, não importa se héteros ou gays. Agora, se alguém vê beleza em Vera Loyola, ou na Juliana Paes, no Raul Gil, ou no Bruno Gagliasso, é outra história. E mesmo assim, todos perdem o termo “objeto” quando confrontados diretamente, face a face, como seres humanos portadores de vontades, opiniões, enfim, enquanto vivos, são "sujeitos". Posso achar a Juliana Paes linda e ser apaixonado pela Vera Loyola, por exemplo. Só que não é o caso, felizmente.
Agora, quando li sobre a proibição do comercial, a matéria, daquelas que aparecem quando saímos do portal do e-mail, ironizava ser justamente no Brasil, país conhecido pelos biquínis mínimos, da nudez do carnaval, no qual se fazia a restrição. Como se não se utilizassem roupas curtas, e bem curtas, mundo afora. Pior, se estendêssemos o raciocínio, no limite, desdobrando o argumento, chegaríamos no velho estereótipo que, muitas vezes, é naturalizado internacionalmente, de que “a mulher brasileira” é sinônimo de “fácil”, “vulgar”, e que carrega o seu par, “o homem brasileiro” entendido como “safado”. Difícil seriam as ditas “ciências humanas”, ou simplesmente, as “humanidades”, sobreviverem sem a construção de alguma generalização para discutir e refletir sobre muitas questões, porém, elas são perigosas, e repetidas vezes enormemente equivocadas.
Lembro ainda que, recentemente, visitei três cidades marroquinas, e me chamava muito a atenção ali, claro, a diversidade da vestimenta, da expressão corporal pelas ruas de homens e mulheres. Muitas perguntas me ficaram, mas aprendizado espero ter trazido algum: um país majoritariamente muçulmano não proíbe completamente as mulheres de mostrarem os cabelos, por exemplo; e o islamismo não é machista. Porque da mesma forma que um país cristão, como o Brasil, não é uniforme na expressão de sua religiosidade, de sua moralidade pública e privada, também o Marrocos, ou a Argélia não podem ser vistos de maneira homogênea. Ser um país cristão ainda não diz muito, já que mesmo declarando-se católico, ou protestante, por exemplo, o grau de ramificação do cristianismo é enorme. E a relação entre credo e prática social , em geral, não é necessariamente direta. Outro exemplo, não dá pra achar que o teólogo Leonardo Boff pensa da mesma forma que Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, mesmo ambos sendo católicos, cristãos. A mesma relação existe no islamismo.
Mais, "A Liberdade", por mais que seja preciso defendê-la em muitos contextos, é um conceito, sobretudo, europeu e cristão. Então, dizer que o islamismo é “machista” é um bordão muito fácil, que não procura o significado da relação entre homens e mulheres no contexto islâmico.
É difícil imaginar, mas até mesmo “A Liberdade” pode ser opressora, agressiva, como podem sugerir as fotos de Marc Garanger, soldado francês que lutava contra o movimento de independência argelino na década de sessenta. O olhar das mulheres sugere que a violência pode não estar somente nas armas de fogo, mas nas lentes da câmera também.
O debate acerca do islamismo reapareceu recentemente por causa da tentativa francesa de proibir o uso do véu fechado (a burca), sob a alegação de que repartições e transportes públicos necessitam de identificação. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, teria dito, inclusive, que a burca representaria a subjugação da mulher. Vemos, mais do que nunca, a encenação de um embate entre duas perspectivas de mundo completamente diferentes. O véu que cobriria o rosto de algumas mulheres islâmicas é visto como entrave à nossa sociedade dita liberal e democrática, aos valores republicanos, laicos e universais, por exemplo, na identificação das pessoas. Porém, se dificulta a identificação, Sarkozy, não quer dizer que subjulga, são duas coisas bastante distintas.

E a discussão vai se ampliando, se difundindo, se ramificando, em diversos planos. Encontrei, assim, uma poesia interessante, pois amarrar os diferentes horizontes me parece cada vez mais distante:

No se me importa un pito que las mujeres
tengan los senos como magnolias o como pasas de higo
un cutis de durazno o de papel de lija.
Le doy una importancia igual a cero,
al hecho de que amanezcan con un aliento afrodisíaco
o con un aliento insecticida.
Soy perfectamente capaz de sorportarles
una nariz que sacaría el primer premio
en una exposición de zanahorias;
¡pero eso sí! -y en esto soy irreductible- no les perdono,
bajo ningún pretexto, que no sepan volar.”
(Olivério Girondo)

Pensando em Geisy, Paris Hilton, Lady Gaga e Beyoncé, me vem uma frase de Nelson Rodrigues que foi citada por Ruy Castro quando do auge da discussão sobre o caso de Geisy: “Só o rosto é obsceno, do pescoço pra baixo poderíamos andar nus”. E mais do que a exposição excessiva do corpo, talvez o que mais me incomode seja o fato delas não terem olhos (nunca lembro de procurar pelo rosto quando elas aparecem), já que imagino que o que nos dá a possibilidade de voar, conforme Girondo, seja a alma, cuja janela todos já ouviram dizer que está no olhar.

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