Trabalhar em uma livraria tem seus benefícios, dentre os quais conhecer as novidades dos mercados editorias ou simplesmente ter acesso a um acervo bem maior do que a estante de nossa casa. E foi por lá, em 2008, tive acesso a uma velha novidade, um livro do poeta brasileiro José Paulo Paes. Pouco conhecia do autor, na verdade acho que só a sua "Canção do Exílio Facilitada", presente em praticamente todos os livros didáticos de literatura que já passaram por minhas mãos. Bom, o próprio título do livro, "Poesia Completa", me exime de descrever do que se trata, mas não de recomendá-lo veementemente.Sua leitura, á época, me ajudara a enfrentar um antigo trauma que possuía com relação ao movimento concretista. Explicarei como.
Foi bem antes, durante um flerte com os soviéticos, em especial com Maiakoviski que havia chegado aos concretistas brasileiros como Décio Pignatari, Augusto de Campos, entre outros, que bebiam na fonte de uma citação do poeta russo: "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária". A ideia proposta pelos cconcretistas de acrescentar o elemento visual à poesia, bem como quebrar com um certo expressionismo reinante daquele tempo, me parecia um interessante movimento no modernismo reinante. Era uma retomada da antropofagia e do Oswald de Andrade, ou seja, mostrar como a transformação deve ocorrer em um movimento que se proponha anti-tradicional. Mas algo não me descia naquilo. Gostava de alguns poemas do Pignatari (Em especial Beba Coca-Cola) e das peripécias visuais de Augusto de Campos, mas algo me limitava em suas leituras. Problematizei então a mudança de uma forma poética enquanto talvez o leitor (no meu humilde caso) não estivesse preparado para tal. Eu via as poesias, mas não lia. A poesia concreta tem um ritmo e uma fluência, como todas as outras poesias, mas como saber identificá-lo? Na poesia tradicional, ou até mesmo no modernismo, é muito mais fácil. Esse choque com o novo me aproximou e distanciou, ao mesmo tempo, da poesia concreta.
Pois bem, como eu dizia, trabalhar em uma livraria tem seus benefícios, mas engana-se quem pensa que é como estar em uma biblioteca. Para que a megastore esteja impecável, é preciso muito trabalho, uma escala 6x1 mortífera e ainda paciência e sorrisos para o cliente. Tempo para os livros mesmo, pouco, afinal, não se quer um Dostoievski após trabalhar oito horas em um shopping, ainda mais tendo que concluir a faculdade no período noturno, mas serve para entendermos porque os reality shows fazem tanto sucesso em um mundo de trabalho precarizado. Enfim, o livro de Paes chegara, durante a arrumação da sessão de "lançamentos" da loja, em minhas mãos. Abri em página qualquer, por rotina, como que buscando saber para qual perfil de cliente indicaria e:
Foi bem antes, durante um flerte com os soviéticos, em especial com Maiakoviski que havia chegado aos concretistas brasileiros como Décio Pignatari, Augusto de Campos, entre outros, que bebiam na fonte de uma citação do poeta russo: "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária". A ideia proposta pelos cconcretistas de acrescentar o elemento visual à poesia, bem como quebrar com um certo expressionismo reinante daquele tempo, me parecia um interessante movimento no modernismo reinante. Era uma retomada da antropofagia e do Oswald de Andrade, ou seja, mostrar como a transformação deve ocorrer em um movimento que se proponha anti-tradicional. Mas algo não me descia naquilo. Gostava de alguns poemas do Pignatari (Em especial Beba Coca-Cola) e das peripécias visuais de Augusto de Campos, mas algo me limitava em suas leituras. Problematizei então a mudança de uma forma poética enquanto talvez o leitor (no meu humilde caso) não estivesse preparado para tal. Eu via as poesias, mas não lia. A poesia concreta tem um ritmo e uma fluência, como todas as outras poesias, mas como saber identificá-lo? Na poesia tradicional, ou até mesmo no modernismo, é muito mais fácil. Esse choque com o novo me aproximou e distanciou, ao mesmo tempo, da poesia concreta.
Pois bem, como eu dizia, trabalhar em uma livraria tem seus benefícios, mas engana-se quem pensa que é como estar em uma biblioteca. Para que a megastore esteja impecável, é preciso muito trabalho, uma escala 6x1 mortífera e ainda paciência e sorrisos para o cliente. Tempo para os livros mesmo, pouco, afinal, não se quer um Dostoievski após trabalhar oito horas em um shopping, ainda mais tendo que concluir a faculdade no período noturno, mas serve para entendermos porque os reality shows fazem tanto sucesso em um mundo de trabalho precarizado. Enfim, o livro de Paes chegara, durante a arrumação da sessão de "lançamentos" da loja, em minhas mãos. Abri em página qualquer, por rotina, como que buscando saber para qual perfil de cliente indicaria e:
SEU METALÉXICO
economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
Abri em outra, aleatório:economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
EPITÁFIO PARA UM BANQUEIRO
negócio
ego
ócio
cio
o
negócio
ego
ócio
cio
o
E ali, naqueles dois poemas acho que consegui, senão entender o concretismo por si, entender o que ele poderia signifcar para mim, ou seja, o que me faltara no passado. E assim foi, durante cada brecha do serviço, nos poucos tempos que restavam do atarefado almoço e antes de dormir, exausto, era aquela poesia concreta que lia, talvez porque era aquilo que conseguia ler, que tinha tempo de ler e que me lembrava da fragmentação e pragmatismo de um mundo que exige de você compreensões semióticas que vão muito mais além do imediato, ou de um mundo em que a delonga não é permitida. Nada mais concreto do que trabalhar no shopping. Sim, o concretismo fazia sentido. Meu reencontro com o autor veio alguns meses depois, em outro livro. no mesmo procedimento Era uma coletânea de haicais da Cia das Letras, série Boa Companhia, e, por incrível que pareça, em mais uma abertura aleatória de página, caí nos haicais do mesmo Paes, que sequer eu sabia integrante da coletânea
Apocalipse
O dia em que cada
habitante da China
tiver o seu volkswagen
---
LAR
espaço que separa
o volkswagen
da televisão
Daí pra frente, foi consequência. Pesquisei mais, vi que tinha ótimos trabalhos de conotação infantil, mas falsamente ingênuos, como "Ana e o Pernilongo" e "Dicionário". Descobri em um dos seus poemas, versos entre os mais bonitos que já li, sobre uma sociedade machista de sua época em "Outro Retrato" ou o simples, curto e belo Madrigal. Tem também os historiográficos como o já citado Canção do Exílio Facilitada, L´Affaire Sardinha, O segundo império. Entre tantos outros.
Vale a pena ver a excelente entrevista para o Jornal da Poesia, realizada no ano de 1998, em que o autor responde a contundentes questionamentos sobre o que é o "fazer poesia" contemporâneo. E explica a frase provocativa, título de um dos seus poemas, "A poesia está morta e juro que não fui eu": "A poesia morre toda vez que se publica um mau poema. Por isso mesmo, só publico um poema quando acho que estou de mãos limpas. Se me enganei, perdão: mandem-me para a guilhotina. ". Paes, que teve a sorte-azar de ser de uma geração de gênios da poesia como Dummond, Bandeira, entre outros, e acabou um pouco esquecido pela historiografia literária, moreu meses após a entrevista, dez anos antes de eu o conhecer, com as mãos limpíssimas e sem saber que de mim aliviou fardos de traumas e trabalhos.
Vale a pena ver a excelente entrevista para o Jornal da Poesia, realizada no ano de 1998, em que o autor responde a contundentes questionamentos sobre o que é o "fazer poesia" contemporâneo. E explica a frase provocativa, título de um dos seus poemas, "A poesia está morta e juro que não fui eu": "A poesia morre toda vez que se publica um mau poema. Por isso mesmo, só publico um poema quando acho que estou de mãos limpas. Se me enganei, perdão: mandem-me para a guilhotina. ". Paes, que teve a sorte-azar de ser de uma geração de gênios da poesia como Dummond, Bandeira, entre outros, e acabou um pouco esquecido pela historiografia literária, moreu meses após a entrevista, dez anos antes de eu o conhecer, com as mãos limpíssimas e sem saber que de mim aliviou fardos de traumas e trabalhos.
3 palpites:
Boa, Thi! Também tenho dificuldades com a leitura do concretismo, sempre me parece mais do que consigo imaginar, tinha (ou tenho) até certo preconceito, acabo passando batido.
Um sujeito, acho que não é concretista, mas que me intriga bastante, talvez contemporâneo, mas já falecido também, e que me surpreendeu bastante num daqueles dias de biblioteca em que um livro dele caiu nas minhas mãos e eu fiquei curiosíssimo por conhecer mais é o Leminski.
Desde o nosso trabalho de Sociologia da Cultura sobre tropicalismo, em que tive contato com alguns poetas concretistas, não mais havia me envolvido tanto com tal poesia. É de enorme esforço também para mim compreender, leer, além de ver o concreto que se passa a subjetivo e cognitivo.
Boa redação.
Obrigada!!!
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