domingo, 7 de fevereiro de 2010

Cadê o controle remoto?

. . Por Unknown, com 5 comentários

Há um enunciado, impreciso de minha parte, que atribuem a Deleuze, ou a Deleuze e Guattari, que gostaria profundamente de conhecer a obra, ou contexto em que ela foi utilizada. Isto, porque me dá receio falar dessa frase como se conhecesse os mesmos filósofos e suas respectivas obras. E possivelmente só me lembre dela porque um professor a repetia sempre muitas vezes. Tenho pra mim que em O que é a filosofia? a sentença a que me refiro não está. Como um excelente aforismo, é curta, bastante ampla e, por isso, me soa perigosa, pois assim me parecem aforismos: quando uma mesma sentença é utilizada em contextos diferentes, pode ter seu sentido muito alterado, quem a enuncia lhe atribui um significado desejado, e que outrora poderia não possuir. Mal comparando, seria como vestir roupas pretas dizendo ser “anarquista”, pois assim foram um dia identificados os integrantes desse movimento, e ainda podem ser; só que na Itália do período Mussolini, a cor negra das roupas lembraria os “camisas negras”, por exemplo, que nada tinham de “libertários”. Desse modo, é bom saber o contexto no qual uma oração é empregada para não cair em um quadro teórico indesejado.
Passados poucos dias da tragédia incomparável que se sucedeu no dia 12 de janeiro de 2010 no Haiti, o mundo inteiro sabendo, comentando e já tendo visto, pelos mais diferentes meios de comunicação, a magnitude de tudo, eu me perguntava qual era o sentido de “tolerar o intolerável”, de Deleuze. Acompanhando a reação de algumas pessoas, repetidas vezes, pedindo para trocar de canal na televisão, ou mudar de assunto, diante do "Haiti". Não toleramos, ou toleramos o intolerável? Será que cabe a oração nesta circunstância? Também me canso de repetições, era exaustivo tudo aquilo, um show, no sentido perverso do termo, um espetáculo macabro de imagens e vídeos. Um país esquecido, explorado, abandonado pela história dos destinados ao “progresso da civilização”, e que então se tornou o centro das atenções, mais do que nunca, urgentes. Por que virar o rosto e seguir caminho? Insensibilidade, não são pessoas legais? É como um filme de terror?
Outro filósofo, estadunidense, Richard Rorty, num conhecido debate com o antropólogo Clifford Geertz sobre etnocentrismo, relativismo, diversidade cultural, pontua muito bem um traço de nossa sociedade liberal, democrática: a tolerância à diversidade. Abriríamos constantemente, afirma Rorty, novas janelas para o mundo, para a multiplicidade presente nele, com cuidado, já que, mesmo assim, não compartilharíamos determinadas crenças, valores, pensando em radicalismos e fundamentalismos religiosos espalhados mundo afora. Tenho cá pra mim que, se não ignoramos “as janelas abertas”, estamos é fechando-as.
Agora, o que me deixou profundamente ... sem saber o que dizer ... foi um comentário no jornal Folha de São Paulo após o depoimento do nosso professor, Omar Ribeiro Thomaz, no mesmo jornal. Thomaz estava no Haiti junto com alunos e amigos nossos, desde o início de janeiro, o artigo dele foi publicado no dia 14 de janeiro. No relato de Omar, há um trecho claro, explícito, onde aquele país depois de um passado de escravidão negra, da proclamação da república ignorada, de um cenário político durante a Guerra Fria que os submeteu, como a quase toda América, à agenda estadunidense, de intervenção americana também sobre a economia, que sobre o manto da "ajuda" só destruiu, enfim, a forma como tudo isto pode se expressar seria então na cor da pele. Transcrevo: “Diante da fúria da natureza não cabe outro sentimento que o de uma frustração que deita raízes numa história profunda e que subitamente pode ganhar cor: o mundo dos brancos nos destruiu; o mundo dos brancos diz que quer fazer alguma coisa, mas o que faz, além de nutrir seus telejornais com fotos miseráveis que só fazem alimentar a satisfação autocentrada dos países ditos ocidentais? Não são poucos os agentes das organizações internacionais que anunciam que a “comunidade internacional” estaria cansada do Haiti. Após escutar os haitianos ao longo de anos, de tentar entender o sentido de sua história, digo que são os haitianos que estão fartos das promessas daqueles que dizem representar a “comunidade internacional”. E então, no dia seguinte, surge o dito comentário infeliz: "Assim como muitos sindicatos usam a luta de classes contínua como ferramenta para alimentar o seu fundo de comércio, alguns antropólogos parecem usar a luta racial para o seu. É o que concluo após a leitura do aloprado artigo de ontem de Omar Ribeiro Thomaz. Se alguém tiver dúvida de que a antropologia brasileira do século 21 tem uma agenda ideológica muito definida, basta ler as paranóias publicadas naquele artigo. São as viúvas do comunismo procurando outras bandeiras para prosseguir com sua luta destruidora da sociedade, não respeitando nem as tragédias dos povos." (João Luiz Da Costa Carvalho Vidigal - São Paulo, SP).
Por favor, “luta destruidora da sociedade, não respeitando nem as tragédias dos povos”?
?
O que seria “respeitar”? Tolerar o intolerável?
Por fim, dias depois, um dos editores do mesmo jornal, Ruy Castro, resumiu bem: “Nenhum livro, filme ou série de TV jamais poderá dar conta da real dimensão da tragédia de Porto Príncipe. Mesmo a simples reconstituição de um desses – daqueles – dramas individuais está além da capacidade humana de descrever o terror”. Só me pergunto qual o “terror” é aquele que vivemos, estando ou não no Haiti.
Quando inventarem um controle remoto pra trocar desses “tipos de canal”, por favor, me avisem...

5 palpites:

Texto denso, crítico e sensível. Mas não quero trocar de canal...quero consertar a televisão. E não creio que o controle seja o meio ideal para isso. Já inicia do seu nome, que denomina poder, dominância.

Controle emoto eu não sei, mas já inventaram o coquetel molotov! hehehe

Bom, parece que encontrei "uma possível resposta"
http://www.substantivoplural.com.br/a-injecao-do-dia-depois/

Tolerar o intolerável...
Tantos tolos e tolices...
Esse texto dá um tapa em todos: mandou bem!

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