Recentemente, em uma ida ao banheiro, não pude escapar da revista Veja, a única leitura presente no estabelecimento, se isentarmos da contagem as contracapas de pastas de dentes e desodorantes. Não que eu esteja me justificando, porque o bom sociólogo não é aquele que se nega a ler a Veja, mas sim o que se questiona sobre o porque do sucesso da revista, e para isso é preciso lê-la.. Pois bem, folheando, caí em uma matéria intitulada "Cem anos de adulação", que especulava sobre os bastidores da amizade de Gabriel Garcia Márquez (foto), autor de "Cem Anos de Solidão", e Fidel Castro, ícone político mór de Cuba. Bom, a matéria era ruim, primeiro por seu tom especulativo e panfletário. Segundo por colocar-se contra o apoio de Garcia Márquez ao regime da ilha através de argumentos pessoais, ao invés de discutir os pontos políticos que levaram o escritor colombiano a apoiar o barbudo cubano. Ao lermos, saímos com a sensação de que Márquez seria um tolo num mundo inexistente criado por sua imaginação, o que seria menosprezar por demais o conceituado autor, de biografia notável, nobel, estudioso de Simon Bolívar.
Mas o fato da revista dedicar tal espaço para uma matéria deste naipe nos faz refletir como o posicionamento político dos escritores já tiveram influência grande, embora hoje tenham sido descreditadas.
Pela esquerda, poderímaos citar, além de "Gabo" Márquez, os controversos posicionamentos políticos do português José Saramago que apoiou e desapoiou Cuba durante tempos ou mesmo Eduardo Galeano, cujo famoso "Veias Abertas da América Latina", que virou espécie de manifesto contra a opressão estadunidense-europeia sobre os latinos. Tem também o poeta chieleno Pablo Neruda que fazia dobradinha com Salvador Allende. Se voltarmos um pouco mais no tempo, em terras tupiniquins, temos Jorge Amado, na tentativa de fundar o "realismo socialista" brasileiro, ou mesmo Graciliano Ramos que esreveu seu "Memórias do Cárcere" baseado em memórias enquanto preso pela repressão de Getúlio Vargas. O próprio Oswald de Andrade e toda a penca modernista. Mais adiante, os incontáveis poetas e escritores da geração que lutou contra a Ditadura Militar brasileira.
A direita também não fica atrás. Recentemente, um livro intitulado "Cartas a favor da escravidão" balançou os hitoriadores ao mostrar diversos documentos escrito por José de Alencar, nos quais o autor defende a escravidão no país. Na Argentina, o ótimo Jorge Luís Borges disse que faltou aos argentinos lerem mais Domingo Sarmiento, historiador estampado até hoje nas notas de 50 pesos argentinas, cuja principal tese, a grosso modo, é a da supremacia civilizatória dos brancos de características europeias do centro da Argentina sobre os gauchos e índios das províncias mais isoladas. Que dizer então de nosso Nelson Rodrigues, além de escritor, um dos maiores dramaturgos brasileiros, que se auto-considerava moralista e conservador, autor de máximas como "As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado" ou "Toda mulher gosta de apanhar. Todas não, só as normais, as neuróticas revidam" e franco apoiador do regime militar, embora tenha lutado para tirar amigos como Hélio Pellegrino e Zuenir Ventura da prisão.
Isso porque ficamos nos escritores, sem partir para cineastas, músicos, entre outros campos artísticos. Porém, hoje, pouco vemos dessa ligação íntima entre arte e política. Os escritores acabam por limitar-se a escrever, num repúdio à política jamais vista anteriormente. As críticas dos escritores contemporâneos, mesmo nos bastidores, limitam-se aos costumes (estilo Simpsons) ou à política de gabinete (estilo CQC), sem extender-se ao fazer política como um movimento maior, organizado. Provavelmente devido à crise causada pela confluência entre direita e esquerda e a aversão à política quase como um senso comum dos meios de comunicação dominantes. Apoiar o PT hoje, por exemplo, significa ser de esquerda? Ou que você está buscando um tipo de resistência ao capitalismo? Há até quem diga que Serra está à esquerda de Lula, PT, PSDB e DEM fazem acordão por doação oculta, dentre outras bizarrices que nos provocam saudades de tempos em que a batalha entre direita e esquerda era travada por Carlos Lacerda e Brizola, respectivamente. Após a queda do muro, pouca separação e alternativa tivemos quanto ao fazer política tradicional, isso somado-se ainda às crises dos movimentos sociais e inexpressão dos partidotes da extrema-esquerda. Afinal, que editora contrataria um empregado demodé e invendível, com esse papo de transformação social e apoio a esta ou aquela organização (argh!) política? (o que é, na verdade, uma balela porque o fato de você não ter uma postura política já está sendo político a partir do momento que beneficia àqueles que lucram com uma sociedade nulamente pensante)
Se continuarmos assim, preparemo-nos, por enquanto os escritores estão mergulhados na apatia política, mas logo chegarão os escritores ambientalistas, de livro feito com material reciclável e letras verdes, cujas fábulas serão mais moralizantes e politicamente corretas que as de Esopo.
3 palpites:
Veja lá como fala do Cococultura!
Uma conversa com um amigo sobre a forma da linguagem dos textos, dizia que estava tudo muito cult e de dificil compreensão, pelos conceitos e análises mais profundas. No entanto, esse último texto, além de político, para mim, conseguiu trazer em uma linguagem mais franca, um tema muito importante e com referências interessantes. Muito bom!
Lindo, Chininha!
Leve sem ser superficial, divertido sem ser bobo, sempre preciso!
Digamos (não se ache, por favor), que você daqui a pouco estará escrevendo tal qual joga futebol!
Postar um comentário