segunda-feira, 23 de julho de 2012

Anti-Soneto ou Cenas de Uma Loja de Eletrônicos

. . Por Thiago Aoki, com 0 comentários


Lendo nos jornais, a realidade parece um soneto métrico e rimado, que não sabe se lindo ou se chato. Mas certamente insuficiente.

Entretanto, a vida urge. A luta de todo homem é ter motivo pra se desafiar. Pode até ser divertido. Deitar nos trilhos com os olhos aberto para ver por debaixo do trem. Usar espelho no sapato para dançar com a moça de saia sem que ela perceba.

E assim, com esse espírito, o senhor que assobia na construção só pensa na morena que conheceu no samba do domingo à tarde. O maluco que vagueia pela rua só pensa em conseguir dinheiro pra pinga. O homem que compra ouro – pelo menos é o que se lê em seu colete azul – pede um pingado na pastelaria, parece apressado. Pelo barulho das lojas se abrindo, é mesmo hora de correr atrás do dourado.

É só mais uma manhã que demarca o início de mais um dia no centro da cidade.

Na televisão do mostruário da loja de eletrônicos é possível assistir à rica socialite lamentando a violência de seu país – “por que não nasci na Europa?”. Deitados no chão da calçada da loja, dois mendigos discutiam para saber quem tem razão sobre a existência de Deus, antes de serem expulsos pelo segurança.

Malandro que é malandro sabe negociar. Ou, como disse o tio do pastel, bamba que é bamba não tem medo de bacharel. Com os raios de Sol, os mais friorentos fogem das sombras, é inverno em julho.

Em poucos minutos já não se vê os mendigos, tampouco a socialite, animais se atacando deixam a tela mais bonita.

Esqueça todas as certezas, compartilhamentos de razões absolutas e lições de equilíbrio proferidas pelos puristas formadores de opiniões. No mundo real, há que se ser dionisíaco, perder a compostura. Escrever torto por linhas retas, buscar o anjo torto que atormenta o poeta. Este, na busca do imensurável, já não mede mais os versos, apenas grita em autodefesa poesias para sobreviver ao gauche destino.

Na vitrine da loja de eletrônicos, ainda embaçada pela neblina matinal, agora se vê uma criança desenhando com sua mão um coração distorcido. E, nesse momento, tanto faz quem inventou o Bóson de Higgs.

- Filho, vamos embora, senão o moço vai brigar com você.

A mãe aponta para o segurança, que não esboça reação enquanto o menino chora escandalosamente. Desconcertada, a jovem tenta ainda contornar a situação enquanto afasta o garoto da vitrine.

- Olha lá, que lindo, o leão correndo atrás do veadinho.

O menino ainda não parece convencido, mas vai se afastando aos poucos da vitrine. Pouco importa, em meio a tudo, ainda é possível ver a esperança na ponta de seus dedos.


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