Em muitos lugares do interior, o refrigerante vinha dentro de um saquinho. Era legal assoprar no canudo pra fazer bolha, à revelia de minha mãe. Mas na escola, propositalmente deixava de pedir o refrigerante, gostava de pensar que a menina que me propunha um golinho no recreio estava oferecendo mais que a tubaína. A primeira vez que descobri que deixava de ser criança foi quando percebi que já era mais comum levar o copo à boca do que abaixar a cabeça para que a boca chegasse ao canudo.
Hoje, minha vida é inventar motivos para sabe-se lá o que. Só sei que corro, corro, corro. Socorro: chuva de cacos, e eu me esquivando, um por um. Lá longe, sob um toldo vermelho, homens sem cabeças dividem uma coca-cola esperando a chuva passar. Parecem dar gargalhadas.
No fast food,um velho gordo come compulsivamente, já são três copos de refrigerante vazios em sua mesa. “Não é fome”, penso comigo. Na outra mesa, dois garotinhos discutem, um zomba do outro por ter dinheiro pra comprar o sorvete mais caro, ao contrário do amigo, que logo retruca e aponta com o dedo: “Nem ligo... Quando você for velho, vai ficar como aquele velho gordo”. A mãe, tia, irmã, ou coisa que o valha que acompanhava os meninos não consegue segurar a gargalhada e engasga-se com a coca-cola, que chega a sair pelo nariz. Se dissesse que não pensei “bem-feito”, mentiria.
Lá estava ela, bebendo uma latinha de refrigerante em uma das mesas, sozinha. Segurava o canudo com dois dedos: forte o bastante para não escapar dos lábios e suave o suficiente para não atrapalhar o fluxo do líquido. Entreguei uma florzinha que encontrei no meio do caminho e ela sorriu. Mas só acreditei que gostou de verdade do presente quando deixou a latinha inacabada sobre a mesa e saímos. Em uma mão ela carregava a flor, na outra me carregava.
2 palpites:
Já dizia um sábio amigo meu: o mundo será melhor quando os trabalhadores tomarem o controle das fábricas de Coca-cola!
Ótimo texto. Ao acompanhar a leitura vamos visualizando e participando.
Postar um comentário