sábado, 2 de novembro de 2013

O homem cordial vinhedense (ou A classe média vai ao barbeiro)

. . Por Caio Moretto, com 1 commentário

Não há em Vinhedo quem não conheça o Chico (o barbeiro, não o Buarque). Há quem diga, inclusive, valendo-se de uma velha falácia, que se você não sabe quem é o Chico, você não é um verdadeiro vinhedense.

Não sei se por aprendizado profissional ou por seleção natural do ramo, Chico aprendeu a ouvir mais do que falar. Rapidamente, então, tornou-se um grande amigo de todos os vinhedenses com ego mais inflado.

Amigo, portanto, de todos os cidadãos do principado, o mestre barbeiro ouve diariamente, com muita paciência, seus fregueses entrarem e saírem de seu birô com as mesmas desculpas: “vou só no banco, você guarda meu lugar, Chicão?”, “vou só até ali, porque se eu não for, como o mundo depende de mim, talvez ele exploda, mas você segura meu lugar, Chiquinho!”

Chico, sábio, só alerta: “a ordem é de chegada, se outro entrar eu vou atender”.

O cidadão cordial vinhedense se irrita: é incapaz de admitir que a regra, que o processo, que essa  "formalidade inútil", seja mais importante que a (suposta) amizade que ele tem com o barbeiro.

Sérgio Buarque de Hollanda, pai do Chico (o Buarque, não o barbeiro - afinal nossa história tem traços  biográficos não autorizados), define assim uma das principais características do brasileiro: colocar os laços afetivos acima dos racionais, o que ele chamou de “homem cordial”.

Tenho minhas dúvidas se essa é uma característica do brasileiro ou da classe média, mas em ambos os casos o vinhedense é o cordial de dar inveja. Se você tem um problema, ele fala direto com o prefeito. Se você tem um prazo, liga no celular do secretário. Se você tem um compromisso, fala direto com o Chico.

Mas o Chico não se abala: “a ordem é de chegada...”.

Quando eu sofro alguma injustiça ou violência do Estado em Vinhedo, eu lembro do Chico. Porque meu problema tem duas dimensões: aquela que o homem cordial vinhedense entende, que me afeta diretamente e que ele quer solucionar ignorando o processo; mas outra que lhe escapa, que é o problema em si, sua causa, sua repetição.

Solucionar apenas o meu problema não acaba com a minha aflição, porque eu sei que o problema continua aí e que nem todo mundo é amigo do primo do brother do camarada do barbeiro do prefeito.

E eu não me engano: ser conservador não é ir sempre no mesmo barbeiro. Ser conservador é ser esse homem cordial, que quer solucionar o problema da família dele e não o problema em si, o problema de seu grupo e não a causa. Ser conservador não é querer que o pobre morra, é deixar o pobre morrer, porque é querer uma regra para manter todos na linha e uma exceção para garantir seu privilégio. É não se importa que a fila do SUS seja longa e pedir penas mais duras para quem desrespeita as leis, mas no barbeiro a história é outra história, barbeiro é besteirinha: "Pô, Chico!"

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