Não há em Vinhedo
quem não conheça o Chico (o barbeiro, não o Buarque). Há quem
diga, inclusive, valendo-se de uma velha falácia, que se você não
sabe quem é o Chico, você não é um verdadeiro vinhedense.
Não sei se por
aprendizado profissional ou por seleção natural do ramo, Chico
aprendeu a ouvir mais do que falar. Rapidamente, então, tornou-se
um grande amigo de todos os vinhedenses com ego mais inflado.
Amigo, portanto, de
todos os cidadãos do principado, o mestre barbeiro ouve diariamente,
com muita paciência, seus fregueses entrarem e saírem de seu birô
com as mesmas desculpas: “vou só no banco, você guarda meu
lugar, Chicão?”, “vou só até ali, porque se eu não for, como
o mundo depende de mim, talvez ele exploda, mas você segura meu
lugar, Chiquinho!”
Chico, sábio, só alerta: “a ordem é de chegada, se outro entrar eu vou atender”.
O cidadão cordial
vinhedense se irrita: é incapaz de admitir que a regra, que o
processo, que essa "formalidade inútil", seja mais importante que a
(suposta) amizade que ele tem com o barbeiro.
Sérgio Buarque de
Hollanda, pai do Chico (o Buarque, não o barbeiro - afinal nossa
história tem traços biográficos não autorizados), define assim uma das principais
características do brasileiro: colocar os laços afetivos acima dos
racionais, o que ele chamou de “homem cordial”.
Tenho minhas dúvidas
se essa é uma característica do brasileiro ou da classe média, mas
em ambos os casos o vinhedense é o cordial de dar inveja. Se você
tem um problema, ele fala direto com o prefeito. Se você tem um
prazo, liga no celular do secretário. Se você tem um compromisso,
fala direto com o Chico.
Mas o Chico não se
abala: “a ordem é de chegada...”.
Quando eu sofro alguma
injustiça ou violência do Estado em Vinhedo, eu lembro do Chico.
Porque meu problema tem duas dimensões: aquela que o homem cordial
vinhedense entende, que me afeta diretamente e que ele quer
solucionar ignorando o processo; mas outra que lhe escapa, que é o
problema em si, sua causa, sua repetição.
Solucionar apenas o meu
problema não acaba com a minha aflição, porque eu sei que o
problema continua aí e que nem todo mundo é amigo do primo do
brother do camarada do barbeiro do prefeito.
E eu não me engano: ser conservador não é ir sempre no mesmo barbeiro. Ser conservador é ser esse homem cordial, que quer solucionar o problema da família dele e não o problema em si, o problema de seu grupo e não a causa. Ser conservador não é querer que o pobre morra, é deixar o pobre morrer, porque é querer uma regra para manter todos na linha e uma exceção para garantir seu privilégio. É não se importa que a fila do SUS seja longa e pedir penas mais duras para quem desrespeita as leis, mas no barbeiro a história é outra história, barbeiro é besteirinha: "Pô, Chico!"
1 palpites:
Letal!
Postar um comentário