segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Por que o senhor atirou em mim?

. . Por Caio Moretto, com 2 comentários

A filosofia às vezes me coloca umas perguntas que me deixam fora do ar. De tempos em tempos, por exemplo, releio O mito de sísifo, de Albert Camus, e fico paralisado com a pergunta: “será que a vida vale a pena ser vivida?”. Passo dias apenas perambulando pela minha própria rotina como um observador tentando entender o absurdo que é viver uma vida finita.

Mas esse ano as questões que realmente me tiraram o chão não tiveram nada de filosóficas ou existenciais.

Um pedreiro chamado Amarildo sumiu depois de uma abordagem da polícia. E eu perdi o sono pensando: onde está Amarildo?

Nove pessoas foram assassinadas pela polícia na Maré sem nenhum tipo de enfrentamento ou julgamento. E eu perdi o sono pensando: e se fosse no Leblon?

Um funcionário da Unifesp resolveu não aceitar um insulto de um grupo de policiais. Assassinado na mesma noite por homens encapuzados (não me venha com black blocks), eles me tiraram o sono com a pergunta: quem matou Ricardo?

Hoje morreu um menino chamado Douglas, da idade dos meus alunos, assassinado por um policial. E não há nada que me tire desse estado de merda. Por que se Deus me tirar isso, ele me tira o que resta da minha humanidade. Hoje eu certamente não dormirei de novo, porque um pedaço de mim morreu ali quando o moleque perguntou: por que o senhor atirou em mim?

"Por que o senhor atirou em mim?"

Amanhã eu vou dar minhas aulas normalmente. Vou olhar meus alunos e pensar: podia ter sido eu, podia ter sido um de vocês. Se a rotina, os prazos e as cobranças permitirem, vamos ler a morte do leiteiro de Drummond e ver a Clarice falando como morreu a cada bala levada pelo "bandido" mineirinho. Vamos ficar deprimidos e depois rir de outra coisa qualquer, porque são lados da mesma tentativa de humanização.

Mas no final do dia vai continuar doendo, porque somos todos Douglas. Porque o dia que não doer, nossa resposta a Camus talvez seja definitiva.

Pois é, me engano, talvez sejam essas as perguntas mais existenciais.

"Por que o senhor atirou em mim?"

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