A filosofia às vezes
me coloca umas perguntas que me deixam fora do ar. De tempos em
tempos, por exemplo, releio O mito de sísifo, de Albert
Camus, e fico paralisado com a pergunta: “será que a vida vale a
pena ser vivida?”. Passo dias apenas perambulando pela minha
própria rotina como um observador tentando entender o absurdo que é viver uma vida
finita.
Mas esse ano as
questões que realmente me tiraram o chão não tiveram nada de
filosóficas ou existenciais.
Um pedreiro chamado
Amarildo sumiu depois de uma abordagem da polícia. E eu perdi o sono
pensando: onde está Amarildo?
Nove pessoas foram
assassinadas pela polícia na Maré sem nenhum tipo de enfrentamento
ou julgamento. E eu perdi o sono pensando: e se fosse no Leblon?
Um funcionário da
Unifesp resolveu não aceitar um insulto de um grupo de policiais.
Assassinado na mesma noite por homens encapuzados (não me venha com
black blocks), eles me tiraram o sono com a pergunta: quem matou
Ricardo?
Hoje morreu um menino
chamado Douglas, da idade dos meus alunos, assassinado por um
policial. E não há nada que me tire desse estado de merda. Por que
se Deus me tirar isso, ele me tira o que resta da minha
humanidade. Hoje eu certamente não dormirei de novo, porque um
pedaço de mim morreu ali quando o moleque perguntou: por que o
senhor atirou em mim?
"Por que o senhor atirou
em mim?"
Amanhã eu vou dar
minhas aulas normalmente. Vou olhar meus alunos e pensar: podia ter
sido eu, podia ter sido um de vocês. Se a rotina, os prazos
e as cobranças permitirem, vamos ler a morte do leiteiro de Drummond
e ver a Clarice falando como morreu a cada bala levada pelo "bandido" mineirinho.
Vamos ficar deprimidos e depois rir de outra coisa qualquer, porque são lados da mesma
tentativa de humanização.
Mas no final do dia vai
continuar doendo, porque somos todos Douglas. Porque o dia que não
doer, nossa resposta a Camus talvez seja definitiva.
Pois é, me engano,
talvez sejam essas as perguntas mais existenciais.
"Por que o senhor atirou em
mim?"
2 palpites:
mais um texto muito bom, caio
Mto boa sua reflexão Caio...
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