sexta-feira, 28 de junho de 2013

O que vi nesses últimos dias - Sobre as manifestações pelo país

. . Por Thiago Aoki, com 3 comentários



Mas se através de tudo corre a esperança, então a coisa é atingida. No entanto a esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra significa sobretudo espera. A esperança é já. Deve haver uma palavra que signifique o que quero dizer. (Clarice Lispector)

Estranho esses últimos dias.

Vi pessoas discutindo estratégias de luta no café da manhã, política de mobilidade urbana no almoço e emendas constitucionais durante o jantar. Uma campeonato internacional no Brasil, é verdade, mas este ficou no máximo para o cafezinho entre as refeições.

Vi pela primeira vez reivindicações que não são apenas contra algo, mas por algo. Vi o congresso aprovando coisas que todos queriam à toque de caixa, consensos imediatos entre situação e oposição, como se quisessem em alguns dias acabar com séculos de distanciamento do resto do país. Vi lideranças se reunindo, marqueteiros se martelando, bandeiras sem saber quem as poderia defender.

Vi a mídia olhando-se no espelho, não gostando do que via, mas nada que apavorasse tanto como quando olhava pela janela e via a multidão dizendo que o povo não é bobo. Teve cronistas especializados em verdades absolutas voltando atrás, emissoras se justificando, termos que mudaram e o apoio às manifestações, agora democráticas. Um dicionário de antônimos em menos de uma semana, que contou ainda com dois garotos bailando jornalistas e coronéis no programa de TV.

Vi gente de verde amarelo dizendo coisas absurdas sobre o Brasil. Militantes de vermelho que não aceitaram gente diferenciada no protesto. Pessoas aprendendo política na prática, que tinham interesse e nunca souberam que podia ser tão legal esse treco. E no meio disso tudo, vi muitos que pareciam nada ter a perder, esses que vi, mas não identifiquei, tinham pedras nas mãos e os rostos escondidos, dava pra ver apenas os olhos. O que traziam esses olhares? Ainda me pergunto sem respostas.

Só sei que eu vi o Caveirão da polícia recuar e uma tropa da cavalaria fugindo de uma multidão.

Vi ainda gente ser demitida por posicionamentos políticos, um rapaz morrer caindo da ponte, uma gari enfartar com o gás, repórter tomando tiro de borracha no olho, chacinas na periferia, bombas lançadas de helicópteros contra a multidão, queimaduras de terceiro grau. Não, a barbárie não triunfou, ela apenas se expôs.

Mas também vi amigos criando, quase que por necessidade visceral. Inventando poesias, músicas, crônicas, quadrinhos, teorizando às pressas, como se dissessem, “eu também não sei o que será que será”. Alguns até se tornaram referências nas redes sociais. E na efervescência de ideias e produções despertas dentro cada um, uma alegria, ainda que contida, em pensar que a ação coletiva – adormecida há tanto tempo no colo de nosso ceticismo – poderia ser possível.

E talvez por isso, ou por algum motivo que ainda não consegui colocar em palavras, entre as frestas da fumaça do gás lacrimogêneo eu vi nesses últimos dias a esperança, nebulosamente, aparecer.

3 palpites:

Belíssimas palavras! Não podemos deixar o fogo baixar, mesmo que isso custe viver sob o lacrimogêneo..

Como não vi isso antes?!?!?!?! Compartilhando!

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