O Mistura Indigesta nunca teve um editorial, porque editorial é coisa de mídia grande, organizada, com CNPJ, não de um grupo de amigos com quatro ou cinco postagens mensais.
E também porque achamos que é pretensão querer dizer pro leitor a opinião de um coletivo, para influenciá-lo ou coisa assim. Nossa opinião está em tudo que escrevemos, nas notícias que postamos. É fácil saber, não precisamos forjar uma imparcialidade, ela não existe em lugar algum, até quem está neutro toma um partido.
Mas tem alguns momentos de nossa história, muito ímpares, em que a coceira bate, e é preciso coçar, mesmo que as unhas estejam afiadas e sangre um pouquinho a pele, sabe? Talvez um desses momentos tenha sido no dia 13/06, quando, pasmos, assistimos às imagens que todos viram da repressão desproporcional, descabida, entre outros dês, da polícia de vários lugares do país.
Nós aqui do blog, somos chatos, classe médias, temos graduação em ciências sociais. Pouco usamos ônibus. Mas talvez a partir desse dia, não seja mais de ônibus que estejamos falando. De repente, a gente percebe que o preço do ônibus, as quarenta e quatro horas de trabalho, a o massacre do Pinheirinho, as ocupações pelo mundo, da marcha das vadias, do cara lá que engana o patrão pra jogar bola, são todas várias faces de uma mesma coisa, de um mundo que por vários motivos nos cerceia. Você deve saber, “no primeiro dia eles vêm roubam uma flor”, “quem não se mexe não sente as amarras”, “os poderosos podem matar até três rosas” e etc.
Em algum momento esse monte de citação que, por algum motivo, estavam dentro do armário, testados pelo tempo, mais próximos à prateleira de literatura do que de história, voltaram a fazer sentido. E mesmo sem usarmos ônibus, gostamos e precisamos dizer que, mais do que contra a repressão policial, somos à favor das ocupações das ruas, dos engarrafamentos gerados, dos questionamentos dessa tal democracia e de seus pilares (governo, mídia, etc) que ruem a cada barulho de bomba contra um ativista desarmado só porque ele não é padrão FIFA, porque não grita baixinho, porque insiste em incomodar, porque atrapalha o trânsito, porque picha, porque não se conforma com uma ordem e conjunto de regras que lhe foram dadas.
Esse editorial é principalmente um mea-culpa de nós mesmos, que não escrevemos editoriais e adoramos uma contradição. Talvez uma forma de dizer foi mal, alguns de nós não fomos às ocupações, nos envolvemos em movimentos coletivos como se envolve a classe média, sim, desencantada mas criticamente. Em meio a nosso ceticismo nos conformamos em ser contra, porque o mundo que nos deram, a gente não quer. Porque o não também constrói um mundo, mesmo que a gente sequer imagine como ele seja. Estamos dizendo basta como quem porta vinagre na avenida, como quem usa caneta bic ao invés de gás lacrimogênio e bala de borracha, como quem acredita que quebra quebra é também juntar um monte de letrinhas e não deixá-las apenas sobre o papel ou na tela do computador, porém, levando tudo isso para encarar a violência, a miséria e o descaso cotidiano.
Hoje temos algo para ser a favor, então, o mínimo que fazemos com esse editorial, ou o que quer que seja, é divulgar: Dia 17 de Junho, às 17 horas, lá em São Paulo, Dia 20 de Junho, às 17h no Largo do Rosário, em Campinas, ou onde você estiver.
Finalizamos com alguns textos nossos, individuais, mas também de cada um de nós, por que não?
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Felizes aqueles que dormem o sono dos acríticos,
Que desdenham as súplicas
Ouvidas na subida da rua
Por vozes vivas e lúcidas
Que sonham dormir em paz.
Felizes aqueles que dormem o sono dos acríticos,
Que travam o feixe e fecham o vidro frente ao farol
Sem saber quem é aquele que sua sob o sol.
Felizes aqueles que dormem o sono dos acríticos,
Pois deles são o reino da apatia.
Lá são amigos da moral,
Têm a mulher que querem
Com o dinheiro que pagarão.
E empoderados pela boa conduta
Decretam como equívoco
O mais puro infantil sorriso
E a mais indignada lágrima adulta.
Felizes aqueles que dormem o sono dos acríticos
Por não terem em seus olhos submissos
As lentes lamuriosas da subversão
Para que sigam versando verdades sensatas
Em poemas métricos e rigorosos
Do jornal trágico de cada dia.
Felizes aqueles que dormem o sono dos acríticos.
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Quando me cobram pela liberdade que é inata, você acha natural,
Mas quando a cobro de volta sou vândalo no seu jornal.
Não se faça de besta como se fosse atrocidade:
Não se trata de justificar a violência,
Mas de deslegitimar a desigualdade.
Você sabe bem quem está certo e quem está errado.
Violência é parar uma avenida ou nascer paralisado?
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ontem, mais ou menos às 18h, eu sai do computador, não liguei a tv, não vi nada do que aconteceu "em tempo real" em São Paulo. hoje de manhã, tentei, apenas tentei passar pela avalanche de informação, imagens, textos, discussões, vídeos, tudo que apareceu.
eu não quero viver nesse mundo.é terrível estar em um "lugar público" para ler essas coisas e se sentir constrangido até pra chorar.
sinto muita vontade de estar em São Paulo, queria estar. sinto muita raiva, sinto meu estômago no céu da boca. ninguém acerta vários olhos por acaso. eles miravam nos rostos. ninguém acerta tanto jornalista por acaso. eles começaram uma guerra, e faz tempo, não é de ontem. só que não entenderam que não podem mais se esconder. não é uma questão de passagem de ônibus.
eles não vestem apenas fardas, eles não são apenas de partidos, eles não são só a grande mídia, eles, eles, eles... eles não estão só do lado de lá. eles, eles, eles, eles...
chega.
1 palpites:
Se tranca
porque banca nenhuma abrirá amanhã de manhã
porque essa notícia ninguém vai querer escrever
porque o calor do fogo se sente na sala de estar
porque a realidade é o que se vê na janela
e nenhuma gravata ou farda irá te proteger
e nem missa e nem culto e nem rito irá te acalmar
a notícia que você quer ler no jornal matinal
de maneira nenhuma vai aparecer
(do cancioneiro de zé macambira)
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