Você quer ser famoso?
Em 1928, o arquiteto Mies van der Rohe recebeu uma comissão para desenhar um pavilhão que representasse a República de Weimar na Exposição Internacional de Barcelona de 1929. O edifício acabou por ser reconhecido, com justiça, como a mais eloquente definição daquilo que, mais tarde, seria agrupado dentro do Modernismo, [definindo-o como] algo na linha de 'Não apenas fazer muito mais com muito menos, mas tornar-se tão bom nisso a ponto de se poder trilhar um caminho para fora da desorientação e da perversidade que corroem a vida moderna, que fora dessas situações é repleta de conveniência e recompensa sem precedentes'.
O pavilhão foi desenhado para não ter portas e ser feito, em sua maior parte, de vidro. Este edifício era otimista, de quase todas as maneiras que um prédio poderia ser, quanto ao século que gostaria de prever. As evidências de opressão classista que grandes casas possuem, como escadas para funcionários ou cozinhas no porão, inexistiam. Paredes vazias, nas quais evidências de riqueza poderiam ser penduradas, foram substituídas por janelas. A realidade é o objeto com o qual as paredes transparentes forçam um confronto com a sua atenção. O pavilhão até mesmo se despe de conceitos como 'frente' e 'fundos': sem um lado no qual é possível projetar como deseja-se ser visto, a duplicidade [de posturas] é mais complicada do que simplesmente ser honesto. Este prédio espera que, sem nada para esconder-se, as próprias ideias de sigilo e malícia tornarão-se incômodas demais para existir.
Mas mesmo no próprio templo do encanto, havia um local no pavilhão que mostrava uma sombra terrível do século XX: após o salão principal havia um espelho d'água, e no meio do espelho jazia uma estátua de uma mulher nua. A escolha de colocá-la em um local intransponível para todos aqueles que olham para ela é uma definição elegante, assim como todo o resto do prédio, mas aquilo que é definido é hediondo. O fato de que a estátua fora retirada de um ponto central e colocada em uma posição que permite apenas um ponto de vista é um exemplo de algo que nossa era fez em escala industrial: a redução de volumes a imagens. Uma estátua, por definição, preenche um volume, mas limitar nossa perspectiva achata-a, restando somente uma imagem.
O ato de reduzir a liberdade de enxergar sob a perspectiva que melhor se adeque a você a uma única opção é tão antiga quanto o mito [platoniano] da caverna, onde estátuas eram reduzidas às suas sombras. Mas o pavilhão prevê que este processo virá a dominar tudo que a estátua representa: arte, distração, beleza e, eventualmente, as próprias pessoas. Todos nós compraremos, favoreceremos, amaremos e apreciaremos de uma distância intransponível. Seremos segregados de tudo que admiramos e de tudo aquilo que queremos, pois somente imagens nos são apresentadas, e sua natureza plana não permite sua apreensão completa.
Acima de todos os outros exemplos deste processo está a fama. Se somos iludidos pela publicidade a comprar uma ilusão, desejar ser famoso é desejar tornar-se a ilusão. É um desejo que confunde isolamento com raridade, solidão com excepcionalidade, e distância com elevação. É a conquista coroada de uma campanha de cem anos de duração cujo objetivo é corrigir qualquer aspecto de estar vivo que exija uma expressão complexa e irredutível de humanidade.
Então, não.
-----------------Tradução livre deste texto que parte da análise arquitetônica para chegar a uma discussão sobre as armadilhas existenciais da fama.
1 palpites:
gostei bastante. fiquei vendo fotos da construção e da estátua, esta que aparece em duas posições basicamente. o edifício me causa um desconforto positivo, uma espécie de "exposição" constante, como se a todo momento e a cada passo dentro - ou melhor, parece que nunca se está dentro dele, tal é a "abertura" - é muito claro, iluminado, transparente. diante da estátua, esse "desconforto", no entanto, me aparecia com um "caramba, queria ver como é que é ver de lá, ou dali, ou...". bem legal.
curioso imaginar também a posição do edifício na cidade depois de um século.
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