segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Palhaços

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários


"Enxuga os olhos e me dá um abraço
Não te esqueças, que és um palhaço
Faça a platéia gargalhar
Um palhaço não deve chorar"
(Nelson Cavaquinho - Palhaço)


São muitas as lendas sobre a origem das simbologias do palhaço. A história que eu mais gosto, e pouco importa sua veracidade, remete ao final da Idade Média, quando um soldado chegou cedo demais ao seu posto e, para se aliviar do frio, bebeu muito vinho. De tanto beber, acabou pegando as roupas de um outro soldado, mais alto e mais gordo. Desengonçado, e com as roupas maiores que o corpo, ele tropeçou seguidamente diante de todos, arrancando gargalhadas. Quando o soldado esperava a bronca pelas trapalhadas, o capitão não conteve o riso e o convocou para que no outro dia fizesse a cena novamente, mas desta vez com o nariz pintado de vermelho para parecer bêbado.

Gosto porque, desde ali, o palhaço já era um subversivo que assumia a linha tênue rabiscada entre o riso e o poder. Continha também o germe da malandragem que o acompanha até hoje, afinal, ser palhaço foi, neste caso, uma questão de sobrevivência profissional. Aos poucos, o personagem tomou os contornos dos Bufões, ou bobos das cortes, que zombavam a própria hierarquia estabelecida pelo sistema medieval.

A figura até hoje permeia nosso imaginário. Tanto que, há algum tempo, o longa “O Palhaço”, com direção e atuação de Selton Mello, foi o filme brasileiro escolhido para disputar a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Nele, o ator interpreta Benjamin, um palhaço em crise. O personagem contém em si toda a essência transgressora da origem de sua figura, mas se vê perdido com a crise de seu circo de lona e começa a questionar suas próprias convicções. Um palhaço tradicional que aos poucos parece perder o encanto com seu próprio trabalho.




Situação semelhante à de Careta, palhaço brilhantemente interpretado por Dagoberto Feliz no espetáculo “Palhaços”, escrito em 1974 pelo dramaturgo brasileiro Timochenko Wehbi e em cartaz desde 2005. No palco, observamos o encontro entre o palhaço e um admirador que o procura após o espetáculo - um homem comum, vendedor, em notável atuação de Danilo Grangheia. Com diálogos que transitam entre o cômico e o ácido, Careta destroi paulatinamente o personagem de nariz vermelho, tão idealizado por todos, rasgando com a visão ingênua de seu fã, e transformando a conversa amistosa em um jogo angustiante.


Tanto Benjamin como Careta, ao se questionarem sobre suas profissões e vocações, expõem o eu banal do ator por trás da maquiagem. A crise que está latente não é o celebre caso da paixão de um palhaço pela trapezista que, por sua vez, foge do circo com o domador de leões. O que se vê é a dor de quem tem a obrigação de sorrir e fazer sorrir. O cansaço de ter que brincar com o prefeito na primeira fila. O esgotamento de argumentos para convencer essa ou aquela empresa de que vale a pena colocar seu dinheiro no circo que chega. A insatisfação em ser visto como o que se atua, não como o que se é. Uma situação que transita entre a descrença individual e a derrocada de um projeto coletivo.

Ambos proporcionam ao espectador uma visão do personagem que contrasta com certa nostalgia romântica que sentimos quando nos deparamos com um palhaço, do qual não esperamos nada mais que a alegria. Mas podemos ir além. O que há de universal nos dois casos é o questionamento sobre a humanidade perdida no dia-a-dia, da maquiagem que passamos na ânsia de cumprir um papel, que muitas vezes não é o nosso, ou que não gostaríamos que fosse nosso. A necessidade de nos levantarmos da cama e produzirmos ao mundo o que ele espera de nós.

Além do nome parecido, a sensação que temos quando saímos do espetáculo ou do filme também é semelhante. Saímos rindo, é verdade, mas um pouco incomodados, nos perguntando quem de fato é o palhaço, o soldado de nariz vermelho que alegra o capitão.

2 palpites:

http://grooveshark.com/s/Valsa+Dos+Clowns/2qCqFh?src=5

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