Ganhei um tênis Coca-Cola. Parece All Star. Não é. É Coca-Cola. Não é uma estampa da Coca-Cola. Não é um All Star Coca-Cola, nem um Nike, é um tênis Coca-Cola. A Coca-Cola resolveu [desde quando?] fabricar os tênis que desde sempre ela estampava. Está disputando o mercado de tênis. E, claro, como dizem os economistas e outros tipos de marqueteiros do capital, “fortalecendo a sua marca”. Que é o que interessa. Eu sabia que ela fazia bebidas [3.500 bebidas em mais de 200 países]. Eu sabia que ela fazia estampas [para qualquer coisa]. Não sabia que fabricava tênis.
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[Bom, não é ela quem
fabrica. Quem fabrica são os mesmos
escravinhos chineses de sempre. Eles produzem tudo. Tudo é Made
in China. Com cara de United States, claro. Antes, uma vendedora de
tênis escravizava os chinezinhos, pegava o tênis que eles faziam e
chamava de dela. Depois a mesma vendedora fazia algum tipo de acordo
misterioso com a Coca-Cola para botar a estampa no tênis. Daí a
Coca-Cola resolveu tirar essa vendedora de tênis chineses da jogada
e se tornar a sua própria vendedora de tênis chineses. Tênis com
cara de United States, claro. Não que isso seja estranho. Era de se
esperar. Há
muito, inclusive. Mas hoje em dia tá meio demodê essa coisa de
mega-empresa vender coisas. Tá mais in vender só o sonho que a
marca promete. Anyway, quem disse que o demodê não vende? Como
diria aquele outro: “Fazemos qualquer negócio!”. That’s
Business, stupid!]
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Bom, como eu ia
dizendo, ganhei um tênis Coca-Cola. Minha esposa comprou pra ela.
Machucou o pé dela. Daí ela o deixou encostado. O pé dela é um
pouco menor que o meu. Mas eu precisava de um tênis socialmente
aceitável para trabalhar. Experimentei. Não. O tênis não serviu.
Já é de um tipo desconfortável. E ficou apertado. Mas o pé do
pião aqui já vestiu coisas piores. Estávamos duros. Eu, minha
esposa e o tênis. Então resolvi amaciar o tênis. Eu e minha esposa
não temos jeito. Ele me fez bolhas. Doeu. Laceou. Já não dói
mais. Nem faz mais bolhas. Acomodou-se ao meu pé. Ou meu pé
acomodou-se a ele. Não sei.
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Meu pessoalzinho tira
sarro. Aqueles que têm bom-humor acham tudo isso uma grande piada e
um tanto perigosa. Mas os que não o têm, eles ficam me cobrando.
Acham que um anticapitalista como eu não deveria usar um tênis do
império do mal. Não
me dou ao trabalho de responder*. Não acredito em empresa “do
bem”. Como diria o da cruz, "Vocês não podem servir a Deus e
ao dinheiro" (Mt 6, 24). Eu concordo com ele, pois não posso me
dar ao luxo de não usar um tênis “do mal”. Foi-se o tempo em
que eu era livre para andar descalço. Esta, eles venceram.
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Eu sou um tipo chato.
Fico pensando nesse tipo de coisa. Dá certo mau-humor.
É um reclamório um tanto cansativo. Às vezes, tento resolver
piadeando. Ajuda mas não resolve. Toca-se o barco. Me lembrei de um
texto, é de um ídolo do editor. O editor colocou o linque aqui.
É uma crônica meio
babaca, mas chega a ser divertida. E é rápida. Direta. Como as
boas. E eu aproveito para puxar o saco do escritor e também deste
tal site indigesto, tento arrancar um qualquer para pagar o leite das
meninas: não é disso que estamos falando? A crônica é de uma
coisa que pode vir a ser outra coisa e que, no fim, não é coisa
alguma?
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um tênis da marca de
refrigerante;
que parece aquele outro
tênis mas não é;
que eu tenho que
comprar pra fazer propaganda dele;
que é produzido pelos
escravinhos chineses de praxe;
que aperta;
que machuca;
que laceia e se acomoda
ao meu pé;
que acomoda meu pé a
ele;
que é aceitado no meu
trabalho;
e que supostamente diz
pra quem me vê quem eu sou.
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Bom, se eu fosse
descrever o tal do capitalismo, seria mais ou menos por aí. Não
gosto dele. Fazer o quê? Eu sigo andando. Com meu tênis Coca-Cola.
O capitalismo agoniza. Talvez morra. Talvez não. Em todo o caso, é
melhor eu ter os pés no chão. Se pá ele morre antes de mim. E eu
vou continuar andando com meus pés. Machucados. Comendo, bebendo,
cantando. Jogando bola e engolindo sapo. Como sempre. Ao rés–do-chão.
O horizonte é primaveril e muito menos pessimista do que esse
testículo mal-humorado.
Smac
* L.E. (linque do editor)
Thiago Fernandes Franco é o "Peixe", cativo na Coluna do Leitor, mal humorado às vezes, muitas vezes, ou quase sempre, mas chato, sim, sempre. Está sempre sorrindo também.
5 palpites:
Um tênis coca-cola apertado. Genial.
se o capitalismo está agonizando eu não seria tão ousado em afirmar isso, mas fato é que agora você pisa nele, disso eu não tenho dúvidas... eheheheh
meu quadrinho da imaginação, cuja parte é autista, não conseguia sequer delinear o que seria o tal do capitalismo agonizando, mas, como disse o Adriano, pisar, ah, isso sim eu consigo imaginar!
http://www.releituras.com/drummond_adesempre.asp
pra você, Peixe...
Se o capitalismo está agonizando ou não, não é tão importante....a pergunta importante é: dá pra jogar bola com esse tênis aí?
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