“Nada queima por acaso nas favelas paulistanas” era o nome do artigo. Bem escrito, mostrava um estudo onde ficava clara a relação direta entre os incêndios nas favelas da cidade de São Paulo e as áreas de interesses do mercado imobiliário. Assustador e, mais assustador ainda, o silêncio sobre um tema que valeria, no mínimo, uma investigação do ministério público diante de tanta coincidência.
Ainda estava inerte diante da leitura e com pensamentos ofensivos na cabeça, quando me dei conta que somos totalmente viciados e movidos por teorias conspiratórias.
O Brasil entregou a Copa de 98, Bush sabia dos ataques terroristas do 11 de setembro, Salvador Allende foi morto pelos militares, Raí está saindo com o Luciano (isso, aquele do Zezé di Camargo), o mundo acaba em 2012, a Xuxa tem pacto com o demo.
Claro, algumas destas são mais sérias, mas, enfim, nossa vida banal é também movida pela necessidade sherlockhomiana de fazer conexões das mais estapafúrdias, ligar pontos distantes, para chegar em uma tese mirabolante que justifique as coisas como são.
Um dos momentos mais propícios para criar e proliferar esse tipo de teoria é lavando a calçada. Sempre que lavamos a calçada, estamos em contato potencial com quatro, cinco, seis vizinhos. Outro dia estava sentado na varanda enquanto a Janaína, emprega da dona Jussara (vizinha da direita) lavava a calçada da velha senhora e veio puxando assunto como quem não quer nada, até expor sua tese.
Segundo ela, o jovem casado Manoel (vizinho da frente) estava saindo com a conservada e desquitada Sara (vizinha da frente, à direita do seu Manoel). Segundo a astuta empregada, era sempre na hora do almoço que os dois se encontravam, enquanto a mulher do rapaz trabalhava. Isso quando eles não saíam juntos com o carro dele. Claro, que ela não viu absolutamente nada disso que disse, a não ser uma ou outra carona entre ambos ou quem sabe um pedido de açúcar, coisa de vizinhos. Mas, com a certeza que falava, parecia que tinha tirado a informação de um banco de dados especializado em adultério, história de dar inveja a Nelson Rodrigues, conspirador mór dos costumes humanos.
Outro lugar ótimo para conspirações é o trabalho, e normalmente os alvos preferenciais são os chefes. Têm aqueles que até se vangloriam ao saber que os subalternos falam sobre eles, ainda que mal. Já outros, nem fazem ideia de quantas gerações suas estão sendo colocadas em xeque no Bar do Zézão enquanto a cabeça descansa no travesseiro de pluma de ganso. Talvez seja a luta de classes reprimida dentro de cada um expelida em sussurros. A especulação sobre a vida alheia é, inclusive, um importante elemento dentro da consciência de classe. Os trabalhadores não se unem com grupo de estudos sobre “O Capital”, mas sim quando saem para jogar bola, para beber ou quando criam teorias sobre a vida do patronato. É provável que nas greves do ABC, lá estavam, entre uma assembleia e outra, operários rindo entre comentários maldosos e, por que não, justos sobre a chefia.
Por fim, temos o velório, um antro da conspiração. Normalmente reúne-se muita gente que não se encontra há muito tempo. E, já que a vida é a arte do encontro, em cada canto do velório tem uma rodinha de conversa para tirar atraso sobre a vida de alguém. É como o resumo semanal de novelas, onde em poucas linhas se sabe o que vai acontecer durante toda a semana da Avenida Brasil. Assim é o velório onde, durante apenas um dia, descobre-se de tudo que acontecer vida de todos nos últimos anos. Às vezes sobra até pro morto, e olha que o pobre defunto, mesmo ouvindo em alma, não tem condições sequer de tirar satisfações com os conspiradores, a não ser vingando-se com uma puxada na perna dos sujeitos durante a madrugada. Aliás, a mais corrente conspiração é sobre a morte em si. Quais foram as últimas palavras, se ele pressentiu que ia morrer, se era uma pessoa íntegra em vida, quem estava junto na hora da fatalidade, se ele sofreu, pra quem ele estava devendo, quem ficou com a herança, e por aí vai. Já faz parte do ritual de passagem um bom diz-que-diz.
Pois bem, caro amigo, desculpe toda essa minha conspiração sobre as conspirações, mas de uma vez por todas, pare com esse lance de fazer fofoquinha por aí. Pegue logo seus quatro cinco acontecimentos, junte todos no mesmo bolo, crie finalmente uma bela teoria conspiratória e defenda como verdade absoluta diante de todos. Não tenha vergonha de exercitar o Dr. House que há dentro de você. A jocosidade da conspiração despretensiosa e certeira já virou elemento central de nossa sociabilidade. Seja pra lidar com suas frustrações, seja pra fingir que a vida faz algum sentido, espalhe a conspiração. Alguma hora você acerta.
8 palpites:
hehehe bem divertido! Já estou preparando umas teorias próprias.
Mas que esses incêndios são estranhos são...
É bom esclarecer que conspiração não tem nada a ver com mentira ou verdade... rs... No caso dos incêndios, o mínimo de bom senso levaria a uma grande investigação, ainda mais em ano eleitoral...
http://www.mtst.org/index.php/inicio/798-incendios-em-favelas-e-a-especulacao-inflamavel-.html
"Pague-me um café, e dir-te-ei do que se trata" (Confúcio)
"a midia é igualzinha a lingua da vizinha" (novos baianos)
"o trabalhador está a todo momento resistindo" (cláudio nascimento)
belo texto
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