terça-feira, 27 de março de 2012

Coluna do leitor - Considerações sobre Belo Monte

. . Por Mistura Indigesta, com 0 comentários

Por Márcio M. Ribeiro



"Estou na amazônia e todos meus amigos correm desesperadamente atrás de pequenos animais silvestres.

Muitos deles já tinham conseguido pegar algum filhote de onça ou de crocodilo e o levam de baixo do braço.

Eu quero ajudá-los mais minhas pernas não se mexem.

De repente eu sou a menina de Pinheirinho, aquela da foto,

mas ao mesmo tempo vejo o olhar fulminante dela/meu e é como se ela olhasse pra dentro de mim.

A água já está acima do umbigo. É o dilúvio do fim do mundo entregue dentro do prazo pela CCBM.

Meus amigos seguram os filhotes acima da cabeça procuram desesperadamente por uma arca que nunca vem."



Em janeiro viajei com amigos para Altamira para, além de curtir as férias, conhecer mais sobre a construção de Belo Monte. Ouvíramos falar muito sobre o assunto durante os meses acampados sob o viaduto do chá, mas sabíamos da importância de ir até lá para ver de perto. Fora o relato da viagem, não escrevi nenhum outro texto sobre o assunto desde então, por isso, faço-o agora.



O Crime


A usina de belo monte está sendo construída na região do município de Altamira e, se concluída, irá custar por volta de 25 bilhões de reais. A montante (acima) da barragem do rio irá alagar as propriedades de 16 mil pe... 24 mil pessoas. Pouco se sabe sobre o impacto na ictiofauna (nos peixes) local, mas certamente milhares de animais serão sacrificados e algumas espécies serão extintas. A jusante (para baixo) da barragem do rio irá secar privando centenas de indígenas e ribeirinhos de sua única forma de sustento.


Outros 4 projetos de barragem existem para o rio Xingu e especialistas afirmam que a construção de Belo Monte só será economicamente viável caso se considere a construção destas outras barragens. Isto significaria o alagamento de uma área ainda maior da amazônia que incluiria dezenas de terras indígenas e o extermínio de mais alguns milhares de animais e plantas.



Mas claro que cada habitante desalojado receberá uma indenização justa previamente acordada, vide o seu Sebastião. Os índios obviamente estão sendo consultados e a Norte Energia já providenciou a arca que irá salvar meia dúzia de animais antes do dilúvio.


Porém, mais importante do que isso. Todo este sacrifício é por um bem maior. Afinal, o fim justificam os meios, né?



O Discurso


De um lado temos um investimento público bilionário em um país carente de tudo, milhares de desapropriados, extermínio de espécies animais e vegetais. E do outro lado?


Bom, do outro lado temos o crescimento econômico. A energia barata de Belo Monte irá atrair investimentos. O país manterá seu lugar como principal produtor de alumínio e papel e a industria nacional irá se desenvolver forte e competitiva.


Mas o que EU tenho a ver com isso? Bom, mais energia, mais investimento, mais recursos, mais empregos. Para manter nossos empregos, atribuímos à Amazônia um papel de provedor de energia, assim como para manter seus empregos os japoneses atribuem ao Brasil o papel de provedor de alumínio. Está tudo conectado - nos dizem - tudo globalizado.


E me pergunto: porque nos esforçamos tanto para compreender a conexão econômica entre São Paulo, Altamira e Tókio e somos TÃO preguiçosos para compreender a conexão entre nós, nossas famílias, os ribeirinhos, os índios, os peixes e as árvores de Altamira? Aí - nos dizem - estamos sendo metafísicos. Vocês acreditam mesmo nesta baboseira de Gaia, Pacha mama, Baba Nam Kevalam?



A Resistência


Poderia escrever mais algumas dúzias de linhas pra convencê-lo(a) da materialidade de nossa conexão, mas não vou fazê-lo porque sei que você sabe do que eu estou falando. Sei que você também chora quando ouve a história da Maria do Espírito Santo e do José Claudio, que você sente a injustiça no olhar da menina do pinheirinho. Não tenho que te explicar porque você sente em você a dor do décimo terceiro tiro no mineirinho.


Queria só que você soubesse que não está sozinha, que eu sinto isso também e que, como eu, outros tantos também o sentem e gritam. Sei disso porque vejo um grafite, um lamb, um vídeo, uma música, uma pequena manifestação... e nessas horas tenho certeza, e sei que você também tem, de que essa conexão é tão real quanto a outra.




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Marcio Moretto Ribeiro (@marciomoretto) é doutor em ciências da computação pela USP, pós-doutorando em lógica pela Unicamp e indigesto por parentesco. Já escreveu aqui no Mistura Indigesta sobre a Ocupação do Viaduto do Chá e compartilha agora suas considerações sobre Belo Monte após retornar de Altamira.

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