Fico pensando como seremos conhecidos daqui a 100 anos. Com a proliferação de dispositivos - tablets, redes sociais, gadgets, aplicativos - que se disseminam feito praga, a era da informação está em xeque. Digo isso pois havia um mito quase iluminista, profetizado nas escolas e na mídia, de que estaríamos em uma época onde quem tivesse acesso à informação estaria fadado a uma vida de sucesso. Hoje, com essa complexa rede de informações que se forma, e que inclusive tem ajudado a formar uma relação mais crítica com a própria mídia “oficial”, é possível perceber que divergências sobre fatos são mais do que aceitáveis e que as informações são construídas socialmente. Talvez o que vivemos seja a era da opinião.
Infelizmente, ao contrário do que um ingênuo web-entusiasta pode argumentar, isso não significa que caminhamos para um mundo de tolerância às culturas e saberes. Ou que estejamos a criar fontes saudáveis de debates e redenções intelectuais. Ou muito menos que caminhamos para uma mídia alternativa, desligada do poderio econômico. O que se vê são indivíduos ávidos por formarem opiniões sobre algum tema polêmico (ou falsamente polêmico) e fazer delas um espetáculo particular – ou, como prefere o facebook, compartilhá-las. Contemplar e ser contemplado.
Por um lado, mesmo que haja um questionamento sobre a relevância temática dos “trending topics”, é positivo que todos estejam em busca de formar sua opinião sobre os “temas do momento”, inclusive sendo obrigado a ler opiniões contrárias em seu “timeline” ou “feed de notícias”. Mas por outro temos aqui um poderoso mecanismo de manutenção da democracia meramente representativa.
Ao cravarmos nossa opinião sobre a polícia na USP, sobre a moça que matou o cachorro, sobre o estupro no big brother, sobre o massacre de Pinheirinho, sobre as fraudes do ENEM, sobre a construção de belo monte, criamos uma falsa ideia de que neste momento fazemos um papel de cidadão ou até de ativismo, quando na verdade, apenas expomos opiniões para nossos amigos, torcendo por compartilhamentos, comentários e cliques no botão curtir. É a reprodução de uma passividade vista nas sociedades que se dizem democráticas, mas onde o limite de nossa ação política é a possibilidade de nos posicionarmos sobre um tema sem sermos presos. É a possibilidade de fazermos parte de uma parte, vitoriosa ou não, da opinião pública – como se essa fosse capaz de, por si só, transformar algo.
E lá estamos, a apoiar “causes” e mais “causes”. É justamente quando me pergunto o que de fato fizeram por Pinheirinho os 3.528 que curtiram o “Somos todos Pinheirinho”. Ou em qual movimento de defesa dos animais militam todos os que colocaram a hashtag #CamilaDeMouraPresa.
Assim, consolida-se uma visão cada vez mais hegemônica segundo a qual participar de um movimento ou partido político é um descrédito. E ganha cada vez mais corpo aquele intelectual cujo único propósito coletivo é participar de um grupo de estudos, e escrever artigos influentes. Ou aquele que sabe tudo sobre tudo, mas virtualmente, sem relações orgânicas ou lutas por um ideal.
E aí, nós que criticamos as crianças de hoje por trocar a rua pelos video-games reproduzimos a mesma relação, em uma rede contemplativa onde sobram opiniões e faltam experiências.
Claro, algo já brotou daí pro mundo: um churrascão, um Sakamoto, um Malvados, um Wikileaks, um Anonymous e, há quem diga, até uma primavera árabe. E claro, também, que este Blog e sua disseminação inserem-se nessa rede. Mas cabe perguntar o que, em nossa vida a cada dia mais virtual, reflete-se em nossas práticas e em nossas lutas do dia a dia. O que, afinal, não se dissolve na roda viva onde a contemplação e o espetáculo são vias de mão dupla de uma mesma rua, a inércia.
7 palpites:
ironicamente, tava aqui moscando, quando não deveria, on line, e curti isso.
concordo com a maior parte dos argumentos dos três primeiros parágrafos. acho que o que nos enfastia nisso tudo é o excesso de visibilidade, e totalmente just in time, e não a circulação da informação, como você bem lembrou, emblemática no caso da primavera árabe. temos/queremos, não sei por que, expor-nos. blé. é contraditório mesmo. acho também que seria melhor falar em consumo que em opinião. nós consumimos informações, mas somos incapazes de formar opinião. outro dia ouvi uma muito boa, "legal derrubar sites, precisamos pensar de novo em derrubar governos". sou meio mané pra pensar essas coisas, acho que o que mudou mesmo foi o grau de exposição individual, não o trato político da coisa. partidos vão e voltam, crescem e diminuem, se usam disso aqui também, movimentos sociais idem, quem acredita nisso segue, vai, volta, apanha, tem momentos e momentos, o de hoje no brasil, acho é muito desfavorável. por exemplo, como pode uma espécie de opinião pública aprovar em mais de oitenta porcento a operação da polícia no centro de são paulo? não tem o menor cabimento pra mim. é tão ridículo assistir à tv, ler alguns jornais, porque o acesso e a circulação on line de informação, e também de opinião, pra mim, neste exemplo, é francamente contrária a tal ação. por isso, acho que o lance do on line não tem alterado a nossa relação com a Política, que é a mesma sei lá desde quando. nos expomos para parecer bonitinhos, mas não temos sentido "público" da coisa, ou republicano, pra ser bem arcaico mesmo.
como pseudo-acadêmico, lembro que esse lance do antepenúltimo parágrafo é meio ruim, porque exige a mesma temporalidade jornalística, num ranço que não compreendo, e de uma interpretação equivocada do lance do intelectual orgânico, a lá Gramsci, se manifestando dessa forma atrapalhada para o pensamento. insisto, nós não compreendemos e exercício do pensar, e não faço aqui aquele velho clichê dual entre pensar x agir. "e vocẽs, o que é que fazem, oras?" - o que todo mundo faz, trabalha, dá aulas, lê, escreve - falta um responder. só que a natureza deste trabalho é diferente, não sei que raios da exigência de "consertar o mundo". não que eu ache que esteja tudo perfeito, muito pelo contrário. pra mim ainda é ranço com a academia. (é importante então, por exemplo, entender o que seria Extensão Universitária. mas isso já é outro assunto.) enquanto temos exemplos de intelectuais declaradamente, abertamente não engajados, que não estão nem aí para militância e engajamento (ou dizem não estar), tem trabalhos que, mesmo supostamente ignorando tais causas, são muito muito importantes para tantas lutas sociais. acho bobagem do jeito que está dito aí neste parágrafo. acho que precisa ser melhor trabalhado esse argumento.
só não gostei da parte do exagero comparativo lá no início do último parágrafo. e o finalzinho é bonito.
abraços
acho que o lance do espetáculo particular (que é consumo, mais que produção, ainda que claro, uma pressuponha a outra) é uma idéia muito forte, ainda que concorde com a ressalva do hugo de que não é exatamente "opinião", mas acho que o ponto do chinês desapareceu da exposição do hugo, e precisaria ser melhor elaborada, acho que tem a ver com o fato de serem pontos "polêmicos ou falsamente polêmicos", parece que pega bem ser "crítico" e, portanto, ter uma opinião. o que também corresponde à falta de vergonha com que as posições racistas, homofóbicas e afins estão sendo escancaradas, sem pudor... acho que este ponto é importante mesmo, ainda que "opinião" seja uma coisa diferente, na linha do iluminismo lembrado no primeiro parágrafo.
mas voltando ao ponto do consumo, o que me incomoda particularmente é ver que todos os "compartilhamentos" que fazemos são curtidos sempre pelas mesmas pessoas, que são as que já têm opinião semelhante às nossas. isso não é formação de opinião, nem opinião pública e, involuntariamente, no nosso caso, acaba se limitando a um "espetáculo particular". e isso, para mim, é muito irritante, mas parece uma armadilha da qual não conseguimos sair, porque sempre tem aquele "pelo menos" a nos martelar a consciência (cristã-pequeno-burguesa?)
agora, essa parada do "orgânico" eu também acho que não tem nada a ver e, ainda por cima, é um jargão marxista demodê.
acho que as coisas estão para muito além disso, e esse é o ponto que acho que precisamos (todos) resolver e, não à toa, o chinês amarrou o argumento por aí...
gostei da provocação do penúltimo parágrafo e espero que este texto seja (mais) um ponto de partida para reflexões-práticas que nos ajudem a sair desses impasses..
smac
Thiagão, ombdsman intelectual deste nada-periódico, mestre da nossa autocrítica, aponta mais uma vez para nós e diz: o povo está nu.
A crítica é forte e me botou pensando no que fazer.
Imagino que o pior que pode acontecer com alguém que é pego nu, é ficar paralisado, com suas vergonhas expostas.
Espero que não aconteça com a gente.
Abraços.
Muito bom mesmo!
É um texto que aponta que o rei está nu, como o Caio disse, mas é fundamental que ele exista nesses tempos de deslumbramento com as ferramentas de divulgação de conteúdo que temos hoje.
Senti falta de detalhar um pouco mais a discussão sobre Belo Monte no texto, que foi a epítome disso que você descreveu: um monte de globais faz um vídeo bonitinho e emoçonante para barrar a construção da barreira, mas lança mão do discurso mais raso possível para fazer isso (assim consegue capitalizar entre o maior número de pessoas possível) e coloca como única ação crítica possível a assinatura de um abaixo-assinado virtual a ser direcionado via email para a Dilma. Foi o mais parecido com o tipo ideal do ativista de poltrona que tivemos atualmente, e o que mais teve disseminação entre as pessoas nos últimos meses...
Esqueci de citar uma frase que estava pixada no muro de um prédio, provavelmente por algum porteiro demitido:
Eu sou bem cético quanto às organizações partidárias, mas penso que há uma repulsa pela coletividade ou por quem tenha um ideal político, o que é repugnante.
"Não adianta fazer ioga e tratar mal o porteiro".
Ou, como disse Paulo Freire, o desafio é sempre o mesmo, tentar conciliar o que se acredita com o que se pratica.
enfim, mesmo que vocês sejam contra séries, eu espero muito que este seja um novo ponto de partido para outros artigos sobre os temas levantados, frequentemente tratados aqui, mas que agora me parecem ganhar novas possibilidades...
smac
Concordo com o texto.
Já coloquei essa angústia na Miséria:
http://miseriahq.blogspot.com/2011/06/juninhoblogspotcom.html
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