terça-feira, 22 de novembro de 2011

[Tradução] Nos Divertindo Até A Morte

. . Por Fernando Mekaru, com 3 comentários

Discussões sobre o impacto midiático, sobre o comportamento e o pensamento humanos e da chamada media ecology (tradução grosseira: ambiente midiático) ocorrem com certa frequência atualmente: em geral, tratam-se de discussões e ensaios que buscam expor, de uma maneira ou outra, como os grandes instrumentos de veiculação de informações (em especial a internet) podem colocar tanto um brilhante futuro de democratização cada vez mais massiva e efetiva dos meios de informação das pessoas, ou então como a decadência dos antigos instrumentos de veiculação (em especial a mídia impressa) conjuntamente aos problemas ignorados dos novos veículos, que acabarão por gerar uma sociedade em que a quantidade de informações é mais importante que sua qualidade, o que resulta em uma sociedade onde todos tem conhecimento, mas muito pouco dele.

Independente da visão que esses debates procuram colocar, a impressão que fica é que esse tipo de discussão só surgiu após o advento da internet, que evidenciou em escala exponencial as potencialidades positivas e negativas de um veículo midiático relativamente barato e de fácil acesso: com tamanho impacto sobre a sociedade, fica difícil não surgir um sem-número de análises que procuram dizer se o impacto da internet sobre o mundo dá a ela o papel de messias ou de precursor do fim-do-mundo.

Este debate, porém, é mais antigo do que se pressupõe: o título de "veículo midiático que mudou o mundo e a maneira de se relacionar com as informações que possuímos" não é exclusividade da internet. Mais: as questões que ele coloca continuam praticamente as mesmas, apesar da passagem do tempo.

Abaixo, segue a tradução livre de um dos textos pioneiros sobre essa discussão: ele é da autoria de Neil Postman, um dos discípúlos de Marshall McLuhan - pai da máxima "o meio é a mensagem" e importante guru dos estudos de mídia e comunicação social. O texto foi escrito como um prefácio do livro Amusing Ourselves to Death (Nos divertindo até a morte), que se dedica a descrever duas possibilidades disópicas em relação ao impacto que a televisão poderia ter sobre a sociedade com base nos olhares de Aldous Huxley e George Orwell, mas o texto envelheceu muito bem e pode ser considerado como um olhar interessante sobre a sociedade atual.

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Estávamos prestando atenção em 1984. Quando ele chegou e a profecia não se concretizou, americanos pensativos se deram o direito de elogiar a si mesmos calorosamente: as raízes da democracia liberal se mantiveram firmes e, enquanto terrores aconteciam em outros lugares, os EUA ao menos não haviam sido visitados por pesadelos orwellianos.

Nos esquecemos, porém, que além da visão sombria de Orwell, havia outro ponto de vista - ligeiramente mais antigo, ligeiramente mais obscuro, mas igualmente assustador: aquela colocada por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo.

Ao contrário do que o senso comum dita até mesmo entre os mais intelectualizados, Huxley e Orwell não descreveram a mesma coisa: Orwell alerta que seremos subjugados pela opressão imposta de maneira externa, mas na visão de Huxley o Grande Irmão não é necessário para privar as pessoas de sua autonomia, maturidade e história. Na visão de Huxley, as pessoas acabarão por amar seus opressores e adorar as tecnologias que desfazem as suas capacidades de pensar.

Orwell temia aqueles que desejavam banir livros; Huxley temia que não haveria razão para banir livros, já que não haveria ninguém desejoso de lê-los.

Orwell temia aqueles que desejavam privar as pessoas da informação, enquanto Huxley temia aqueles que nos dariam tanta informação que seráimos reduzidos à passividade e ao egoísmo por conta disso.

Orwell temia que a verdade fosse escondida de nós; Huxley temia que a verdade fosse sufocada em um mar de irrelevâncias.

Orwell temia uma cultura que é refém constante de uma única pessoa, enquanto Huxley temia uma cultura trivial, obcecada com entretenimento, hedonismo e lazer.

Como Huxley comentou na edição revisada de Admirável Mundo Novo, os movimentos pela liberdade e intelectuais que estão sempre alertas para se opor à tirania não levaram em conta o apetite quase infinito dos homens por distrações.

Em 1984, Huxley comentou, as pessoas são controladas pela administração da dor; em Admirável Mundo Novo, elas são controladas pela administração de prazer.

Em resumo, Orwell temia que aquilo que odiamos seja a causa de nossa ruína; Huxley temia que aquilo que amamos seja a causa de nossa ruína.

Este livro é sobre a possibilidade de que Huxley, e não Orwell, tenha acertado.

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3 palpites:

ótimo...

Mecarinho: na impossibilidade de traduzi-lo, comente o livro que segue depois dessa genial introdução...

não nos prive do prazer de ler via o seu delicioso humor acid as linhas gerais das possibilidades de huxley ter acertado (diga-se de passagem, acho que ele acertou)

smac

ME LEMBRO DO VERSO BÍBLICO QUE MINHA VÓ DIZ QUE O CORAÇÃO HUMANO É MALIGNO E O QUE NÃO TE MATA TE FORTALECÊ. A PROVA CABAL DE QUE A BÍBLIA NUNCA HERROU E DE QUE O HOMEN SE DESTROI SECRETAMENTE POR SUA TECNOLOGA EM PESSIMA GESTAO AMBIÇÃO E SAGACIADADE!

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