sábado, 26 de novembro de 2011

Na esquina de uma cidade

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários

Na esquina de uma cidade, o encontro entre ruas distintas. Beirando a quina, pessoas trocam olhares, informações, decifram-se sem palavra alguma. Por que aquela velhinha não atravessa na faixa de pedestre? Meu Deus, onde está a mãe daquele garoto? Pra onde vai aquele japonês? Será que ela estava olhando pra mim?

Na esquina de uma cidade, as mesas pra fora do bar indicam fim do expediente do cliente, início do expediente do garçom. O primeiro gole do chope, experiência única do dia, libertação, finalmente se vive! É hora de discutir futebol, olhar as pernas das moças, falar mal do chefe, fazer amizade com o garçom na utopia de uma saideira gratuita. É hora de sentir o por-do-sol, que não queima ardido, mas é suficiente para não deixar a alma congelar.

Na esquina de uma cidade, são tantas buzinas, tanta pressa pro fim, que o melhor a fazer é incorporá-las à paisagem. Buzina de sinal abriu, buzina de vai logo, buzina de seu lerdo, buzina de oi - esta cada vez mais rara. Têm aqueles que quando dirigem, ligam o som bem alto, acho que para ausentar seus ouvidos da buzina alheia, ou, quem sabe, para reagir ao trânsito parado da única maneira possível: movimentando o corpo a dançar de dentro do carro.

Na esquina de uma cidade, a praça fica em frente ao bar e nela, em pé sobre bancos, missionários disputam atenção, cada qual com seu Deus, que dizem ser de todos. Há também aqueles deitam nos bancos e cujo único Deus é a cachaça, esses já não sabem o dia, a hora e o local. Têm dificuldade em articular sujeito-verbo-predicado e, deitados, sentem o sol acariciar a futura ressaca.

Na esquina de uma cidade, guardas observam a tudo e todos: japonês perdido, velha imprudente, garoto sem mãe, o gole de cada chope, motoristas dançantes, missionários, bêbados, buzinas. Difícil saber o que pensam, mas é fácil reparar que todos que passam olham para as suas cinturas, admirando as suas armas, ainda que sob temor.

Na esquina de uma cidade há um prédio, e dentro desse prédio, vivo sozinho num andar mais ou menos alto. Daqui, gosto de observar toda a gente a viver no por do sol, agentes de minha paisagem. E é nesse horário, todas às sextas feiras, que vejo uma loira, atrás de uma árvore da praça beijando - um longo beijo - a boca de um jovem rapaz. Tímida, olhando pros lados, vez em quando olha pro meu prédio, pro meu andar, até criar coragem para se despedir do moço.

Na esquina de uma cidade, choro um pranto resignado, mas é tarde, sempre foi tarde. Ela não sabe que tenho binóculos, nem que os coloco por entre a persiana na sexta-feira, nem como me machuca carícias tão ternas ao por do sol. Mas já é hora de abrir as persianas, guardar lágrimas e binóculos. A qualquer momento a porta há de se abrir e ela - loira, sorridente e dissimulada - entrará em nossa casa perguntando como foi meu dia, beijando-me os lábios.

Na esquina de uma cidade, minha vida é aguardar o dia em que, tomado por uma coragem que inexiste em mim, responderei com sinceridade absoluta à essa pergunta.

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Esquinas, Caixas e Luzes

2 palpites:

um brinde à la Miséria.

gostei da mudança de estilo.

do tipo que me é impossível comentar.

smac

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