terça-feira, 26 de abril de 2011

Vinho: embriaguez

. . Por Fernando Mekaru, com 1 commentário

Sempre esteja embriagado.
Só ísso.
É a única questão.
Para não sentir o terrível fardo do Tempo,
que fere seus ombros
e que te joga à terra,
embriague-se sem cessar.

Mas de que se embriagar?
De vinho, de poesia, de virtude, à sua escolha.

Mas embriague-se,
E se em algum momento,
nas escadarias de um palácio,
sobre a verde grama de um fosso,
ou na morna solidão de seu quarto
você despertar,
a embriaguez já diminuta ou ausente,
pergunte ao vento,
à onda,
à estrela,
ao pássaro,
ao relógio,
[...]
pergunte que horas são,
e o vento,
a onda,
a estrela,
o pássaro
e o relógio responderão:
'É hora de embriagar-se!
Para não ser um mártir escravo do tempo,
embriague-se,
embriague-se sem cessar!
De vinho, poesia ou virtude, à sua escolha.'

~ Charles Baudelaire, "Enivrez-vous", tradução livre.


Charles Baudelaire já dava a dica no século XIX: não são os aromas de carvalho, cravo, baunilha ou couro que nos atraem no vinho, muito menos o seu potencial para realçar sabor de carne vermelha ou relacionamentos com pessoas que acham que vinho é combustível do romantismo - o grande atrativo das uvas fermentadas em formato líquido é o entorpecimento e a embriaguez, dois termos que entre muitas coisas descrevem o estado de espírito em que, normalmente, o tempo é a última preocupação dos homens.

Desprovidas do desagradável sentimento de estarem a cada momento mais próximos da não-existência e dos problemas que se colocam conforme as coisas não ficam paradas, as pessoas acabam ficando com mais tempo para atividades prazerosas e sublimes que seriam de difícil execução quando sóbrias - como por exemplo a expressão de seus sentimentos e ideias mais interiorizados e de mais difícil expressão a partir do que se convencionou chamar de "arte".

[Nota: muitas pessoas preferem fazer essa expressão daquilo que está interiorizado e reprimido sob camadas de racionalidade e reflexões bem-construídas a partir dos conhecidíssimos "diálogos/declarações/ações de bêbado". Estes costumam ser muito mais comuns e devastadores do que a expressão artística no que diz respeito a passar mensagens e expressar sentimentos, mas infelizmente não são o foco deste blog.]

Não é difícil entender o porquê da arte estar tão ligada ao vinho e outros produtos da atividade humana que se liguem à embriaguez e outras atividades que deformam a percepção normal de uma pessoa: às vezes, é somente a partir de uma percepção do real deformada pelo álcool e outras coisas que conseguimos enxergar possibilidades de expressão que ficam ocultas a nós na opressiva e concreta realidade racional e estável expressa pelos sentidos quando estes estão em pleno funcionamento. A arte, mediada pela embriaguez, é uma maneira de mostrar esses aspectos ocultos e inéditos do real, abrindo mais possibilidades dentro dele. É uma interessante contradição que a arte embrigada coloca, sob esse ponto de vista: a realidade se abre um pouco mais a nós justamente quando fazemos um esforço consciente para ficarmos distantes dela e expressarmos essa irrealidade de alguma maneira.

Dito tudo isso, o que você está esperando para se embriagar - de vinho, poesia ou virtude, à sua escolha?

1 palpites:

Uma vez tentei desenhar embriagado...não saiu nada!

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