VÍDEO: MURILO CAMPANHA CONTA ITATINGA

O psicanalista Murilo Campanha fala sobre Itatinga, um dos maiores bairros de prostituição da América Latina, onde ele tem seu consultório.

O nadador

Uma crônica de Hugo Ciavatta.

Ainda que as bolachas falassem

Crônica de Fábio Accardo sobre infância e imaginação

Ousemos tocar estrelas

Uma reflexão de Thiago Aoki.

Entre o amarelo e o vermelho

Uma crônica de Hugo Ciavatta

O homem cordial vinhedense

A classe média vai ao barbeiro. Uma crônica de Caio Moretto.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Samuel e a indústria cultural

. . Por Caio Moretto, com 0 comentários



O encontro entre Salvador Dali (esquerda) e Andy Warhol (direita).


Dizem que a primeira obra de toda criança é seu próprio cocô e que é por isso que ela se apega tanto à criação. Alguns psicólogos defendem até que os pais levem o artista para se despedir da obra antes de jogá-la ao esquecimento. Não sei se faz sentido, mas como o Samuel anda explorando bastante suas possibilidades artísticas recentemente, eu tento incentivar.

Ontem, contei para ele a lenda de Salvador Dali. Sabe, filho, ao contrário do que estamos acostumados a ver, o pintor surrealista desfrutou de sua fama ainda em vida e soube cultivar uma imagem pessoal que atraía tanto quanto sua arte. Depois dele, talvez só Andy Warhol tenha conseguido unir de forma tão indissolúvel vida e obra.

Andy Warhol, lá pelo seu terceiro minuto de fama, resolve presentear Dalí: uma homenagem. O espanhol morava em um hotel nos EUA e passava as tardes esbanjando sua extravagância e genialidade no bar do estabelecimento, que ostentava a própria presença do mestre como sua principal atração. Warhol leva a Dalí um de seus mais famosos quadros: um estêncil da Marilyn Monroe.

Nesse momento, abri uma parêntesis para explicar ao Samuel a tese de Walter Benjamin de como a arte produzida em série perderia sua unicidade (qual é a Marilyn mais original?) e a tese de Adorno de que a indústria cultural levaria à produção de obras que são apenas a consagração dos valores já consagrados pela classe dominante (para que me preocupar em criar algo belo se a sociedade já me diz que Marilyn Monroe é bela? O objetivo não é vender?)

Diz a lenda (e reinvento com toda a liberdade artística de um professor tentando encantar seus alunos) que Dalí ignora Warhol, levanta-se, segura seu pincel orgânico e mija na obra ali mesmo! O que me encanta mais nessa anedota, porém, é que se conta que Andy Warhol sorriu, que ele comemorou! Em um mundo incapaz de produzir a unicidade, ali estava, na sua frente, a única Marilyn da série mijada por Salvador Dalí: valor inestimável.

A genialidade, às vezes, precisa de algum tempo para não ser tomada por loucura. Eu já havia me esquecido de toda essa história, quando cheguei em casa, ontem, e encontrei as cópias impressas de alguns textos meus todas molhadas, cheirando à urina. Caminhei pela casa perplexo, tentando compreender aquilo que achava ser mais uma obra dadaísta de meu filho. Samuel, você está louco? Poxa, filho... Samuel, seu gênio!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Serra vota Dilma: vem aí um ''tsunami''

. . Por Unknown, com 0 comentários



Nunca votei pra presidente e, ao que parece, não será dessa vez, neste segundo turno. Mas acordei dia 6 de outubro, após o primeiro turno, repetindo, tal como José Serra, estou seguro: "vou votar na Sra. Rousseff!".

No começo da campanha, não me lembro qual foi o jornal que, de maneira ofuscante, com luzes em neon, trazia uma fala de Aécio, "um tsunami vai varrer a política brasileira". Digitei no Google pra ver o que era um tsunami, me fazendo de tolo. Achei uma metáfora e tanto e, na segunda-feira pós primeiro turno, enquanto imaginava a possibilidade de votar, ''um 'tsunami' vem aí'', eu pensava, um ''tsunami''. Que imagem reveladora, um "tsunami na política", eu repetia.

Então consultei as estastísticas mais atuais, fiz um levantamento apurado dos números mais fieis, tomei as pesquisas de opinão, entrevistei autoridades, experts, ouvi especialistas, dialoguei com intelectuais, e a conclusão se apresenta de maneira acachapante: tá foda. Como sempre esteve, né, mas percebo que a velha máxima cartesiana, tão cansativamente repetida, em especial em tempos de eleição - e que é importante, sim, oras -, me incomoda bastante, é o "duvidar de tudo". Talvez eu tenha ficado estudando antropologia porque, no fundo, as antropologias mais interessantes são aquelas que, ao contrário, "acreditam em tudo" previamente. Não é que não tenha discernimento, postura crítica, não, muito longe disso, porém, é preciso minimamente, mesmo que por alguns instantes, mesmo que de maneira muito efêmera, acreditar. A partir de tomada a crença em alguma coisa, então se dá o passo da desconfiança, da dúvida, do questionamento, da crítica. E acreditar na eleição de Aécio Neves é de gelar a espinha, destruição por destruição, assistir à reeleição de Dilma não me gela tanto.

Lembro de ver trechos de um documentário comemorativo aos oitenta anos de Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente, referindo-se ao início dos anos 1980, dizia que naquela época a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) pegou todos de surpresa. Eram todos eles, juntos, que formavam o bloco contrário à ditadura militar, muito próximos politicamente. Reuniões, reuniões, reuniões e, de repente, tinham criado um partido novo, o PT, assim, parcela significativa deles deixou o grupo político. Fernando Henrique ainda brincava sobre o acontecimento, dizendo-se assustado com o nome do partido: "Trabalhadores? Mas que coisa mais século XIX. A modernização está a caminho, eu dizia, e eu estava certo de alguma forma...". Impossível entrar no debate sobre a configuração do mundo industrial, estatística e socialmente falando, com suas implicações políticas. É uma seara enorme, mesmo porque não vem ao caso. Não vem ao caso se Fernando Henrique estava certo, porque - ele está errado, sim - ouvindo aquilo, meu único comentário, em silêncio, mais de trinta anos depois, foi, "e o que vocês todos fizeram, cazzo?!". FHC e os fundadores de PT e PSDB, como todos nós sabemos, tem diferenças importantes entre eles. Mas, de lá pra cá, acompanhamos uma transição vagarosa, que não termina.

FHC, num país miserável, carente de serviços sociais mínimos, inverteu a ''lógica'', digamos, transformou o Estado em um polvo sem tentáculos, todos sabem de suas privatizações. Armínio Fraga, então presidente do Banco Central, e já anunciado agora por Aécio como futuro Ministro da Fazenda, tem insitido atualmente nas declarações sobre as tais estatais e bancos públicos, por exemplo, falando de crescimento econômico. Todos os países desenvolvidos cresceram com enormes investimentos públicos. Hoje, os países que mais crescem são os que tem bancos públicos fortes. Os bancos privados são justamente os principais responsáveis pelas periódicas crises financeiras que vem retirando recursos do Estado para mãos de algumas instituições bancárias. Os bancos públicos são uma das formas de um Estado reduzir os juros reais, coisa com a qual Fraga não se preocupa, pois como presidente do Banco Central, sua primeira medida foi elevar o juros nominal para 45%, e ele insiste que isso é importante num país miserável, que carece de investimentos e onde a população não tem condições de comprar e investir a não ser com juros reais baixos. O eleitor de Aécio também gosta de falar em "aparelhamento do Estado", mas isso não aconteceu com FHC? Alguém já ouviu falar em sociedade civil, na relação que se estabele entre Estado, partidos políticos e sociedade civil, movimentos sociais? Sabem qual é o cenário no Brasil, nestes últimos vinte anos, dessa relação? Ironicamente, com as privatizações de FHC, até que sobrou bastante Estado pra ser "aparelhado", não? 

Mas no começo da década passada, com tudo isso, éramos o terceiro(!) país mais desigual do planeta: digamos que também foi um ''tsunami''. Os últimos 12 anos não resolveram isso, não mesmo. É engraçado pensar que FHC fez mais reforma agrária que Lula e Dilma. Aécio diz estar comprometido com a retomada da Reforma Agrária, mas sinaliza, por outro lado, que retirará da FUNAI a responsabilidade maior por demarcação de terras indígenas e dará atenção aos proprietários nessas áreas. É assim mesmo, num discurso confuso, acena com uma mão e empurra com as duas, diria vovó: são interesses conflitantes quando ele fala da questão indígena. E pra falar de reforma agrária, as doações de campanha comprometem tanto Dilma quanto Aécio, o agronegócio não permite apostar em qualquer candidato. Mas falar sobre reforma agrária e demarcação de terras indígenas causa arrepios no tradicional eleitor de Aécio, porque seu eleitor acha que Cuba e Venezuela são aqui, quando, na verdade, somos um Caribe, mais um Haiti mesmo, como cantava o Caetano, um Haiti gigantesco, só que maquiado, bem maquiado. Os eleitores de Aécio querem é falar da corrupção, da Petrobrás, a mais recetente, pois bem, falemos de corrupção. Os tradicionais eleitores de Aécio não se lembram dos escândalos das privatizações de FHC; eles não se lembram do esquema de compra de votos para a garantir o projeto que permitiu a reeleição; eles não se lembram que o mensalão nasceu em Minas, às asas de Aécio; não se dão conta de que o Tribunal de Justiça de Minas acusa Aécio de um desvio na Saúde de cerca de R$ 4 bilhões - quantos mensalões petistas são isso?; os eleitores de Aécio não se dão conta de que a expansão do metrô em São Paulo talvez seja o maior escândalo de corrupção do país, com boa parte da direção do PSDB paulista (Aloysio Nunes, senador por São Paulo, do PSDB, envolvido nisso tudo também, e vice de Aécio, nunca é lembrado); para os eleitores de Aécio, dane-se a história do aeroporto em terras da família Neves; os eleitores de Aécio dão de ombros ao caso do helicóptero abarrotado de cocaína - o problema não é a 'droga', é o tráfico -, em Minas, no imbróglio com os Perrella, que sumiu dos noticiários recentemente; ninguém fala dos reajustes de professores e médicos em Minas Gerais enquanto Aécio lá foi governador. Vai ver foi um ''tsunami'' que varreu a memória dos tradicionais eleitores de Aécio, e também o noticiário.

Para o tradicional eleitor de Aécio, no entanto, dói ver a empregada doméstica com tv de LCD, viajando de avião e atrapalhando a fila de embarque; o eleitor de Aécio odeia o funk, mas faz a ostentação do seu carro que parece um trator, comprado sob a mesma política econômica que vende a tv de LCD; fala da inflação, mas ela é a mais baixa desde o plano real; quer reforma tributária, mas se mexer no Imposto de Renda ele grita; para o eleitor de Aécio, deve ser complicado admitir um ganhor real no salário mínimo nos últimos 12 anos; o eleitor do Aécio, impressionante, não se dá conta de que a taxa de desemprego nunca foi tão baixa no país, mesmo com uma conjuntura internacional amplamente desfavorável; o eleitor de Aécio, que tanto ama a ~locomotiva do Brasil~ e o sudeste, deve ter convulsões ao perceber a inversão de prioridade nacional, e, com o 'primeiro os que mais precisam', agora, o Nordeste é o responsável por manter a economia brasileira crescendo, ou seja, não dá pra falar de São Paulo e do Sudeste como ~locomotiva do Brasil~.

Não vou nem entrar nos temas que precisariam ser discutidos: legalização do aborto, das 'drogas', criminalização da homofobia, demarcação de terras indígenas, reforma agrária, união homoafetiva, isso tudo foi pro saco de novo, quanto à presidência, e o legislativo eleito causa assombro. Ah, para o eleitor de Aécio, pouco importa que ele seja um machista como o demonstrou Luciana Genro no último debate; é irrelevante que Aécio não tenha se comprometido com a PEC contra o trabalho escravo e, sobretudo, o tradicional eleitor de Aécio vibra com o compromisso de seu candidato para reduzir a maioridade penal.

Quando da eleição de 2002, eu queria votar, mas não podia, tinha quinze anos. Perdi a vontade logo no início da campanha, entretanto, com tudo que - já, de novo, ou ainda - polarizava PT e PSDB, pois ali, pelo menos pra mim, tinha algo muito claro, a Carta aos Empresários, digo, ao povo brasileiro, como chamavam, feita pelo PT. Esses 12 anos dizem que as coisas foram ruins, mesmo que existam coisas a se elogiar. Elogiar? É, mas faço aqui só elogio ao que mais o preconceito de classe nesse país insiste em ver como negativo, ao Bolsa Família, que nasceu Fome Zero, à redução da desigualdade social, à saída do Brasil do Mapa da Fome, conforme a ONU, e ao Mais Médicos. Ah, mais o crescimento e fortalecimento do ensino superior público federal... especialmente nas regiões norte e nordeste, tentando, de alguma forma, descentralizar o ensino do sul e do sudeste. Sou daqueles ~privilegiados vândalos~ de universidade pública em São Paulo, cansei de correr da PM, de ver departamentos sufocados, sem professores, funcionários sem reajustes salariais, etc., etc. Como estava o ensino superior público federal com FHC, você sabe, eleitor de Aécio, você se lembra de Paulo Renato Souza? Eu não só lembro, mas diariamente tenho que enfrentar um dos absurdos que ele criou. Coisas que são, hmmm, deixa eu ver, ah, sim, um ''tsunami''.

Pouco mais de um ano atrás, meus contatos de rede sociais temiam um golpe: tem muita gente nas ruas, diziam, com medo. Eu não entendia, depois vieram os Garis do Rio e deram uma aula de mobilização, greve, política decididamente política! Alguns diziam que o Brasil tinha acordado, que o Gigante acordava: é, o gigante acordou e agora ele vai votar, minha gente. Perdoem-me se dói em alguém, mas é a cara desse gigante sonolento que recém despertou: cambaleante, trôpego, de ressaca, vai mal ajambrado, mas está decidido a seguir em frente... repaginaram o Collor. Aécio pra mim é o (eterno?) retorno de algo mal resolvido na nossa história política e institucional recente. Há um ano, a gente se questionava por que tantas bandeiras do Brasil nas ruas, por que cantar o Hino Nacional, por que tantos cartazes contra a corrupção e não a favor da Reforma Agrária, por que tantos cartazes pedindo a redução da maioridade penal e não sobre o genocídio indígena nesse país nos últimos anos, enfim, tantas outras questões. Aécio é parte dessa resposta, uma resposta, evidentemente, que é um ''tsunami''.

Colocado em retrospectiva, Aécio é um atraso gritante na memória política do país, que tenta se afastar - será que tenta? acho que não - do passado militar, de uma transição que não acontece, mesmo que com avanços tímidos, especialmente com a Comissão da Verdade. Com a memória do avô no sobrenome - é ruim fazer isso com as pessoas, tomá-las pelos pais e avós, eu mesmo detesto quando fazem comigo, mas faço alusão apenas porque é Aécio, aquele quem é acusado de censurar a imprensa em Minas Gerais, e que parece protegido pela imprensa paulista -, Aécio me leva ao velho pacto conivente dos 1970-80, da Lei de Anistia, de uma transição que nunca terminou. O vice de Tancredo, nunca se esqueçam, era Sarney. Aécio é um retrocesso, pra mim, na memória de uma transição lenta e que, em certa medida, não acontece. Porque com FHC, mesmo que com todos seus recuos sobre essa memória, ou com Lula e Dilma, e seus passos medrosos, parecia haver algo em curso, algo que imageticamente talvez estivesse sendo ultrapassado. Com Aécio, não, vejo-o como desgarrado de um compromisso com essa memória, com a recuperação, com a justiça que não se faz a esse passado ocultado por militares e governos.

Disse que Serra vai votar na Dilma, vai, ele é o menos privatista dos PSDB de alcance nacional. Serra é uma versão da Dilma, dos nacional desenvolvimentistas de tradição cepalina, do ponto de vista econômico, só que bem mais conservador socialmente, politicamente. Ele vota na Dilma, estou seguro. Assim como, não sou eu quem está dizendo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, um dos fundadores do PSDB, já declarou, vota na Dilma. Serra, contudo, não vai admitir. É uma questão geracional, também, oras, eu brinco, ele ficará sem amigos. FHC e ele já brigaram tanto nas eleições passadas. Entre as 5h30 e as 6h da manhã, no horário mais frio do dia, com a cabeça no travesseiro, Serra vai se lembrar de Plinião (de Arruda Sampaio), já que este era seu parceirinho de truco. Plinião vai assombrá-lo, jogar na cara, "pô, parcerage, tá de brincadeira, né, essa criatura aí como presidente: mate-me duas vezes, ou prepare-se, minha campanha do lado de cá agora será pra que você queime direto no inferno! Já não faltam motivos! Então não conte comigo pra interceder junto à Compadecida!". Plinião é João Grilo.

Só me sinto representado pelos quase trinta por cento de abstenções, mais brancos e nulos, no cálculo dos votos para presidente no primeiro turno. Esse número sempre foi alto e só eu estou surpreso? Somos mais de 38 milhões. Somos mais que os eleitores de Aécio no primeiro turno! Os eleitores de Aécio são 34,8 milhões. É, tremam, seus ridículos! Mas não nos faremos de 'tsunami', estejam certos, não cairemos na mesma metáfora profundamente infeliz.

Não consigo, agora, mesmo diante de Aécio, ser conivente com as mortes no campo, com a violência durante a Copa, com as Usinas Hidrelétricas, com... com... com... putz, com muita coisa. Não voto na Dilma. Quer dizer, por enquanto, né, vai que a coisa aperta, bate o desespero... e então eu cruzo o estado de São Paulo no próximo dia 26 só pra votar nela.

Enfim, os petistas estavam preocupados - com alguma razão, vai, com a ascensão meteórica de Marina, que só disse e fez bobagem, e deixou que fizessem e dissessem por ela, por isso a minha preocupação também :: aliás, ela não parou, enquanto escrevo ela deve ter dito e feito mais umas três besteiras -, e sufocaram uma planta que nasceu no quintal. Era a chance que vocês tinham de superar seus próprios calcanhares. Todavia, escolheram o caminho errado, se esqueceram daquele chihuahua que latia na calçada. Com todo respeito aos animais, a comparação é ruim, eu sei. Mas o cachorrinho passou pelas grades do portão, está na porta da sala de jantar, minha gente, e cresceu tanto que mais parece um buldogue, um pit bull com olhinhos brilhantes.

Na segunda-feira depois do primeiro turno, amanheci votando na Dilma, mas desvotei ao longo do dia, assim como José Serra. Acho que vou entrar pra luta armada, porque esse lance de desobediência civil já tá me cansando, não tenho mais idade, a vida é muito curta pra ficar engolindo sapo e correndo do Choque. Porque também está anunciado, vem aí muita (ou mais) destruição - ai, desculpem, digo -, vem aí um ''tsunami''.


terça-feira, 30 de setembro de 2014

O mimimi das minorias

. . Por Caio Moretto, com 0 comentários

Sou magrelo, quase sempre fui. Para não expor as costelas, sempre tive vergonha de ficar sem camiseta. No colégio, eu era zoado por isso. Por que fazer piada de magrelo pode e de gay não?

Depoimentos como esse tem pipocado nas redes sociais esses dias, incentivados pelo discurso de Levy Fidelix no último debate de candidatos à presidência. Mas será que fazem sentido?

Fazer piadas ofensivas com gente magra (ou com nerds, com a orelha ou a cor do cabelo do colega ) é um problema, sim. A ele damos o nome de bullying. É um problema principalmente na adolescência, porque pode levar à não aceitação da própria personalidade, à depressão, à violência e ao suicídio. Isso não significa o fim das piadas. Significa apenas que é preciso pensar na pessoa que é alvo da brincadeira. Ela está gostando? Há piadas que são feitas no intuito de incluir alguém em um grupo e zoeiras feitas com o sentido de humilhar, desumanizar e excluir.

Mas isso é bullying, não é preconceito. São coisas diferentes porque magros não constituem uma minoria social. Isso quer dizer que, no Brasil, as pessoas que estão com Índice de Massa Corpórea abaixo da média não são mais assassinadas do que as com peso ideal, eu não sou mais abordado pela polícia porque sou magro, não desconfiam que eu estou roubando uma loja porque minhas costelas estavam aparecendo na camiseta. Quando eu uso o banheiro em um restaurante, não tenho o constrangimento de pessoas me olhando com medo, as pessoas não mudam de calçada para evitar cruzar com um magro. Não há comunidades que se propõem exterminar todos aqueles que estão abaixo de um determinado peso. Ninguém acha que magros criam mal seus filhos, portanto, não tentam negar o meu direito de ter filhos ou de adotá-los. Não me é negado o direito de herança ou de financiar uma casa com outra pessoa porque somos um casal de magros. Não acham que eu estou me prostituindo se fico esperando um ônibus só porque sou magro, não me negam empregos porque o peso na cadeira é leve demais. Não há grupos que digam que eu estou pecando por ser magro, que digam que ser magro não é a vontade de Deus. Não apanho na rua porque sou magro.

Em outras palavras: ninguém nega a minha humanidade, meu direito à vida ou meus direitos civis por eu ser magro.

Se eu fico sustentando o discurso de que eu também sofro porque sou magro e de as minorias se fazem de coitadas, eu coloco tudo em pé de igualdade, como se as consequências fossem iguais em todos os casos. Não são.

É por esse mesmo motivo que não faz sentido falar em orgulho hétero, usar camisetas “100% branco” ou dizer que homossexuais e transexuais estão de mimimi. O problema do preconceito é que preconceito mata.

domingo, 21 de setembro de 2014

Conversa na Varanda

. . Por Thiago Aoki, com 0 comentários

Minha rotina? Vez ou outra acendo meu cachimbo, sentado aqui na varanda, olhando pro nada enquanto nada acontece. Que nem domingo de cidade do interior, sabe? Acendo o cachimbo, olho pro nada e a paz vem, ô se vem... Vem dançando miudinho, miudinho, me envolvendo todo e eu nem sei o que fazer com isso, fico aqui, encostado vendo nada acontecer, sem reação. Acho que porque os homens da minha idade nunca aprenderam, durante a vida, a serem conduzidos na dança. Mas quando acendo meu cachimbo, dou o primeiro trago, entregue à cadeira, penso como é bom ser conduzido, e como perdi tempo querendo estar sempre no comando. Você é novo, moço, experimenta parar e olhar pro nada de vez em quando, muitas coisas acontecem enquanto nada acontece, sabe?

Tenho não. Nem neto, nem neta... Também tenho não. Nem filho, nem filha... Tive já, mas é passado.  Se morreu ou me deixou? Faz alguma diferença, seu moço? Sei só que eu to aqui, e na minha varanda tem só duas cadeiras: uma pra mim e essa outra que você tá sentado, que é pra caso algum compadre venha tomar um café... Se me sinto sozinho? Olha, só posso dizer que fazia tempo que essa cadeira aí não sentia o peso de alguém.

Tome, pegue aqui seu café, bebida santa. Ah, tá doce, esqueci de avisar. Meu estômago já não aceita o café tão amargo, tem que ter um bocado de açúcar pra adoçar. Meu pai falava que estômago é igual coração, muita amargura e ele para de funcionar... Fica tranquilo, seu moço, os dois meus tão bem, só com o desgaste natural do tempo, mas no fundo eu sei que é que nem carro usado, depois que dá problema resolve mais não, você sabe bem...

Quando não tenho companhia? Sei não. Aí converso com meu radinho, coloco ele nessa cadeira que você tá e fico ouvindo enquanto olho pro nada. Às vezes fecho os olhos enquanto escuto, gosto de imaginar a beleza de quem tá falando no rádio, se é moça bonita, se é rapaz bem aparentado. Sabe, meu radinho tem um chiadinho, mas eu gosto, me lembra um monte de coisa boa, sabe? Aquela época que tinha mais porteira que sinaleiro, a gente ouvia cada moda linda, cada saudade em forma de acorde. Eu gosto de ouvir as modas, eu achei uma rádio aqui que sempre toca umas modas bonitas. Fora essa, tem uma outra que só passa notícia. Mas esa eu ouço só às vezes, vou falar a verdade pra você, cada desgraça que não dá nem pra imaginar. Só por Deus, se bem que com tanta coisa ruim que acontece, às vezes dá pra achar que o Diabo tá no comando. Deus me livre, vira essa boca pra lá.

Quando ouço umas desgraças sem tamanho, fico com raiva, coço tão forte a palma da minha mão que ela fica toda avermelhada. Eu queria era saber qual foi o bicho que mordeu o homem. Deve de ter sido um bem venenoso, desses que quando ferroa não tem volta, ou vai ver que alguma onça com doença contagiosa abocanhou o primeiro que passou, espalhou essas pragas pelo mundo e agora tá assim, cheio de desgraça por aí... To calmo moço, to calmo. Mas bom mesmo era quando tinha novela no rádio.

Se bem que às vezes tem umas conversas que eu gosto nessa rádio de notícias que falei pra você. Outro dia mesmo tinha um doutor falando, agora não sei direito se era médico ou algum letrado. Só sei que era inteligente e disse uma coisa tão interessante que eu até guardei. Ele disse que achava muito engraçado o ser humano dizer que o avesso da "morte" é "vida", porque se fosse pra ser certo, o avesso da "morte" era pra ser "nascimento". E não é que faz sentido mesmo? Quando alguém nasce a gente enche a cara de sorriso e nem pensa que aquilo é o avesso da morte não é mesmo? Só de ter pegado um nenezinho no colo, eu já vi até coronel abrir sorriso sem saber o porquê. Essa mentira que a gente conta de dizer que a vida é o avesso da morte deve ser pra não lembrar que na verdade é o contrário: vida é o caminho que a gente faz pra chegar até ela. Seja eu aqui com meu cachimbo, olhando pro nada, dançando com a paz. Ou o moço aí, todo de branco fazendo esse tanto de pergunta. Mais café?

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A troca de ascendente

. . Por Unknown, com 0 comentários



Ano passado, completei anos na casa dos meus pais, e na manhã do mesmo dia de meu aniversário, então, sra. minha mãe veio toda toda puxando papo:

- Nossa, e pensar que uma hora dessas anos atrás você resolveu nascer.
- Ah é, é? - tão interessado que nem virei a cadeira.
- É ... é... - quase pedindo um pouco de atenção -, era uma quinta-feira, seu pai tinha saído mais tarde porque ia ao dentista e logo depois que ele saiu a bolsa se rompeu. Quer dizer, não sabia direito, liguei pra dra. Leila - pediatra, obstetra, ou coisa parecida - e aí ela pediu pra que eu fosse pra lá.
- Como assim, rompeu a bolsa e você pegou o carro pra ir até o consultório, mãe?
- E você queria que eu fizesse o quê? Ligasse no celular do seu pai? Se nem hoje ele atende aquilo, imagina quando sequer existia isso.
- ¬¬
- Assim que cheguei lá ela disse que não tinha o que fazer, a bolsa tinha mesmo rompido, já tínhamos entrado no oitavo mês, esperávamos você só no início do ano, mas naquele momento era internar que você ia nascer. Peguei o carro novamente e fui pro hospital.
- Como assim, mãe - à beira de um colapso nervoso - você estava no consultório, por que foi dirigindo?
- Ué, não tinha por que falar nada, não precisava, eu estava bem, não estava sentindo nada.
- Ah é - já possesso -, a bolsa rompe e você resolve dar um rolê pelas ruas, curtir um trânsito no calor de dezembro nessa cidade?? Isso explica muita coisa! - provocando - Deus do céu, como eu sofri!
- ¬¬ tsc, quando cheguei no hospital, aquela coisa, soro, eu não tinha contração, então me deram algo para provocar isso. Era umas 10h, consegui avisar sua tia, pedi pra ligar pro seu pai. Mas demorou muito, primeiro teu pai e eu estávamos casados há onze anos e nada d'eu engravidar. Depois, um belo dia, tadan, eu estava grávida de quatro meses. Não contente com isso, quatro meses após a notícia, você resolveu nascer, quer dizer, começou, mas em seguida não queria sair mais, levou a manhã inteira pra isso: tá louco, moleque complicado!
- ¬¬
- Quando foi lá pro meio dia, perto do meio dia e meia, você finalmente nasceu.
- Como assim, perto do meio dia, não era três, quatro da tarde?
- Não, não, cruzes, foi na hora do almoço, eu não aguentava mais.
- Putz, eu achava que tinha sido umas 15h30... então não tenho ascendente em áries, tsc.
- ¬¬


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