quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Samuel e a indústria cultural

. . Por Caio Moretto, com 0 comentários



O encontro entre Salvador Dali (esquerda) e Andy Warhol (direita).


Dizem que a primeira obra de toda criança é seu próprio cocô e que é por isso que ela se apega tanto à criação. Alguns psicólogos defendem até que os pais levem o artista para se despedir da obra antes de jogá-la ao esquecimento. Não sei se faz sentido, mas como o Samuel anda explorando bastante suas possibilidades artísticas recentemente, eu tento incentivar.

Ontem, contei para ele a lenda de Salvador Dali. Sabe, filho, ao contrário do que estamos acostumados a ver, o pintor surrealista desfrutou de sua fama ainda em vida e soube cultivar uma imagem pessoal que atraía tanto quanto sua arte. Depois dele, talvez só Andy Warhol tenha conseguido unir de forma tão indissolúvel vida e obra.

Andy Warhol, lá pelo seu terceiro minuto de fama, resolve presentear Dalí: uma homenagem. O espanhol morava em um hotel nos EUA e passava as tardes esbanjando sua extravagância e genialidade no bar do estabelecimento, que ostentava a própria presença do mestre como sua principal atração. Warhol leva a Dalí um de seus mais famosos quadros: um estêncil da Marilyn Monroe.

Nesse momento, abri uma parêntesis para explicar ao Samuel a tese de Walter Benjamin de como a arte produzida em série perderia sua unicidade (qual é a Marilyn mais original?) e a tese de Adorno de que a indústria cultural levaria à produção de obras que são apenas a consagração dos valores já consagrados pela classe dominante (para que me preocupar em criar algo belo se a sociedade já me diz que Marilyn Monroe é bela? O objetivo não é vender?)

Diz a lenda (e reinvento com toda a liberdade artística de um professor tentando encantar seus alunos) que Dalí ignora Warhol, levanta-se, segura seu pincel orgânico e mija na obra ali mesmo! O que me encanta mais nessa anedota, porém, é que se conta que Andy Warhol sorriu, que ele comemorou! Em um mundo incapaz de produzir a unicidade, ali estava, na sua frente, a única Marilyn da série mijada por Salvador Dalí: valor inestimável.

A genialidade, às vezes, precisa de algum tempo para não ser tomada por loucura. Eu já havia me esquecido de toda essa história, quando cheguei em casa, ontem, e encontrei as cópias impressas de alguns textos meus todas molhadas, cheirando à urina. Caminhei pela casa perplexo, tentando compreender aquilo que achava ser mais uma obra dadaísta de meu filho. Samuel, você está louco? Poxa, filho... Samuel, seu gênio!

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