Olá, meu nome é Caio
e sou um machista em recuperação.
Inicialmente
fiquei bastante chocado com a quebra de santos na manifestação da
Marcha das Vadias que ocorreu durante a presença do Papa no Rio de
Janeiro. Passei alguns dias tentando entender de onde vinha minha
indignação e se ela era legítima. Cheguei ao discurso de que o que
mais me incomodava era que isso pudesse criar a imagem de que
feminismo e cristianismo são incompatíveis e que isso pudesse
fechar o diálogo do feminismo com as mulheres cristãs que tanto
sofrem com o machismo praticamente institucionalizado pela Igreja.
Minha própria culpa, porém, não permitiu que eu sustentasse essa
argumentação por mais de uma noite. Ora, quando foi que eu dei
qualquer passo dentro da minha Igreja para abrir o caminho ao combate
contra machismo? Pois é.
Há
alguns dias eu tenho pensado, então, qual deveria ser minha atitude
após constatar esse fato. Resolvi ouvir as pessoas mais cristãs que
eu conheço: os dependentes em recuperação dos grupos de ajuda
mútua.
Desenho de Ziraldo a uma frase de Drummond. |
Diz Freud
que quando João fala do Frederico, eu aprendo mais do João do que
do Frederico. É uma outra forma de dizer que toda crítica é uma
forma de biografia. Pois bem, os grupos de ajuda mútua sugerem que
façamos exatamente o contrário. Que toda nossa crítica seja feita
através de nossa própria autobiografia e, quem sabe, a gente
consiga apontar menos o dedo e mudar mais nossa personalidade e nosso
mundo caduco. Talvez seja uma outra forma de dizer aquela frase que
atribuímos a Gandhi de que devemos ser a
mudança que queremos ver no mundo, talvez seja uma forma de
dizer o que o Paulo Freire dizia com “ninguém liberta ninguém,
nos libertamos todos juntos em comunhão” ou que palavras valem
menos que exemplos. Pode ser tudo isso. Mas da forma como eu vejo o
mundo hoje, esse é também o único método que encontrei, até
agora, que me permite dialogar mais e julgar menos. E não é essa a
base da fé cristã?
Muitos
pastores e padres se perdem em lutas vãs contra a ciência,
defendendo que o pecado original veio da busca pelo conhecimento.
Não! Graças às lutas pelo direito de tradução e reprodução da
Bíblia, hoje posso ler com meus próprios olhos e podemos conversar
sobre possíveis interpretações. Não me venha dizer que religião
não se discute e anular essa conquista! Eu leio em Gêneses, logo
naquela passagem que todos conhecem, que Adão e Eva foram expulsos
do Paraíso pois comeram o fruto proibido da árvore do conhecimento
do bem e do mal. Mas conhecimento do bem e do mal não é ciência, é
moral! O pecado original, aquele sobre o qual todos estamos cansados
de ouvir, aquele que muitos teólogos utilizam para explicar “a
queda” e toda a desgraça humana, não veio da ambição por
conhecimento, veio da pretensão de que seríamos capazes de julgar.
Não custa lembrar quantas vezes já erramos o mesmo erro. |
Mais de
dois milênios se passaram e continuamos cometendo o mesmo pecado
original. Mais do que isso, institucionalizamos o pecado original ao
transformar nossa fé em dogmas. Cimentamos o Cristo em dogmas, de forma que ele sempre estará de costas para alguém. Os pastores e padres pregam
preconceitos nos cultos e perpetuam o pior da tradição cristã (que
nada tem a ver com Jesus). E eu, machista e covarde, ouço quieto,
achando que é melhor não ofender o pastor enquanto as mulheres são
ofendidas, enquanto gays são ofendidos, enquanto ele aponta o dedo
para os outros e não para si mesmo e reforça os preconceitos
dizendo reforçar os valores cristãos.
Eu,
hipócrita, estava chateado porque quebraram representações de
santos, imaginando que isso fecharia um diálogo, sendo que eu recuso
esse diálogo diariamente ao não me posicionar. Poucos depoimentos
feministas foram precisos para eu perceber que não, meu silêncio
diante das palavras opressoras da minha própria Igreja não é
gentileza, não traz harmonia, nem edifica a paz. Simplesmente porque
a paz que ignora ou cala o oprimido não é paz.
No modo
como eu leio a Bíblia, Jesus veio ao mundo e nos mostrou que Deus
tinha um outro plano para o humanidade, que não se concretizou com
Adão e Eva. Ele nos dá um exemplo de como viver o Amor
indiscriminadamente, sem jogar a primeira pedra, sem julgar – crime que leva à expulsão do
paraíso, como nos mostra a história dos primeiros exilados.
Obviamente,
eu não serei a voz do feminismo em minha Igreja. Não pretendo nem
posso sê-lo. Não há exercício intelectual que me permita sentir
um centésimo do medo e dos constrangimentos aos quais uma mulher
está submetida em nossa sociedade. Não há manobra de humildade que
me desvincule de minha situação de privilegiado nesse mundo
sexista. Não tenho como fugir disso. Mas posso reconhecer essa
situação. E posso lutar pela mudança, ao lado de quem se propuser a
fazê-lo. Por isso, hoje, ao invés de apontar o santo quebrado, começo me avaliando: sou um machista e homofóbico em
recuperação.
Fecho meu
testemunho copiando de outro grupo cristão meu pedido de desculpas.
Desculpas às mulheres, homossexuais e transexuais que procuram a
Cristo em minha Igreja e encontram meu silêncio e não meu
acolhimento. Não compactuarei mais com o machismo e com a homofobia
em minha Igreja. Basta. Ou somos todos iguais e todos pecadores em
busca de Cristo ou continuaremos sendo apenas discípulos de Adão.
Desculpe-me pela conivência do meu silêncio. Desculpe-me pelo
atraso. Só por hoje.
6 palpites:
Cara, estava conversando com uns amigos outro dia. Com essa cada vez maior ocupação do congresso pelos conservadores, sempre ficamos quietos e defendemos o direito de estarem ali, foram eleitos e isso é democrático, não?
Não!
Enquanto ficamos quietos, eles avançam, avançam e avançam! Se omitir é ser conivente, principalmente para uma elite intelectual e que pode influenciar muito, como nós professores.
E, quanto aos santos, chocante mesmo é, na nossa sociedade, ser mais grave quebrar imagens de cerâmica que as mortes que o conservadorismo fantasiado de igreja causa através da homofobia e do machismo.
Para mim que não sou cristão é sempre muito bacana ver cristãos com essa posição :)
Deus mulher...
http://passarinhoverde.info/?p=22
Eu fui Salvo! Eu fui salvo de mim .
A graça foi me concedida. Fui machista e homo fóbico . Pois é , já frequentei igrejas .O tempo me fez notar o quão triste era escutá -los(Padres).
Alguém que se considerava mais próximo de Deus e da ética cristã. Falavam que não cabia a mim julgar quando, na verdade,estava sendo julgado e manipulado.
Fui salvo de mim e de meus pensamentos conservadores por ler , escutar e estudar .
Fui salvo da ignorância e me defendi da ideologia que pregavam em minha ética. Aqueles pregos oxidaram , eu os oxidei .E vi que alí não me cabia mais estar .
Quebrei as correntes que prendiam-me , e corri. Corri atrás do sonho de nunca mais ser salvo , mas sim salvar-me .
Como você , peço desculpa a todos se me portei como ignorante , pois estou em processo de salvação.
Muito interessante sua posição e seu olhar sobre as coisas. Obrigada por se propor a melhorar, por me respeitar e por abrir as portas para uma grande mudança. :)
Fico muito contente quando leio textos similares ao seu, Caio. É raro. Gostaria de ver mais pq sei que há uma galera que não se manifesta dentro das igrejas. O machismo, a homofobia e transfobia se perpetua com o silêncio diante da opressão.
Um abraço sincero e com espírito de luta.
ja dizia socrátes: "so sei que nada sei". Converso minha ignorancia de desconhecer esse tipo de pensamento. Não sei em que mundo eu estava vivendo, mas nunca antes tinha visto essa filosofia. Li todo o texto afim de descobrir do que se trata, no entanto, cheguei ao fim sem entendimento. Feminismo dentro de igreja??? Machismo dentro de igreja??? Sexismo dentro de igreja??? Me parece que esta faltando definição do que realmente é ou deveria ser uma igreja, por parte do autor.
Tambem, desconheço qualquer tipo de discriminação de sexo que se refere o texto. Acredito que exista aqui ou acolá um desvio, mas em regra geral, desconheço qualquer tipo de discriminação.
abraços
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