quarta-feira, 3 de abril de 2013

Se eu fosse Deus...

. . Por Thiago Aoki, com 2 comentários


Se eu fosse Deus, iniciaria meu reinado aconselhando o tempo a sossegar. Para que no mundo, cada ser humano tivesse o direito inalienável de ficar em casa nas tardes chuvosas e de dormir após o almoço. Proibiria ainda qualquer criança de perder o tempo de seus pais para o trabalho. Sob minha égide, nunca, em hipótese alguma, um filho morreria antes de seu pai ou de sua mãe.

Se eu fosse Deus, iluminaria o horizonte da humanidade, para que o hoje sempre aprenda com o ontem e que, mesmo assim, ninguém tenha medo de aceitar novas ideias, novos gostos, novos ritmos, muito menos de construir um amanhã melhor. Usando de meus truques, faria com que nenhum jovem se conformasse com a realidade, por melhor que ela fosse. Roubaria os termos "ousadia", "inovação" e "criatividade" do ambiente corporativo e os distribuiria mundo afora.

Aliás, se eu fosse mesmo o todo poderoso, colocaria no mundo mais artistas do que banqueiros, e extinguiria cartões de crédito, catracas e manuais de auto-ajuda financeira. Desse jeito, não seria possível que as palavras dívida ou dinheiro ocupasse integralmente a cabeça, o sono e a saúde de uma pessoa.

Resumindo, se eu fosse Deus decretaria ao mundo dos homens um monte de coisas básicas. Que ninguém passasse fome, que ninguém fizesse guerra, que ninguém ficasse constrangido ao assumir sua sexualidade, que ninguém tivesse vergonha de dançar ridiculamente, que ninguém tivesse medo de sair a pé de casa às quatro da manhã pra passear, que ninguém pudesse comprar um vinho por trezentos e cinquenta e três mil reais...

Se eu fosse Deus, haveria no mundo mais barulho de samba do que de tiros, mais gemidos de amor do que  de dor, mais skatistas que policiais. Nos jornais, a sessão de quadrinhos seria sempre maior do que a de economia e política. E, de tão alegre a vida, não havendo motivo para passeatas ou procissões, as ruas seriam tomadas por carnavais de todos os tipos.

Por fim, após tantos feitos, sugeriria aos homens que houvesse um concílio entre os poetas para ver quem seria meu novo representante na terra e assim toda cerimônia religiosa seria, na verdade, um belo sarau, onde cada um poderia escrever e recitar seu próprio sermão. Todos seriam fieis à arte ou ao que lhe fizesse bem e ninguém faria promessa para emagrecer, mas sim para engordar a alma. Não haveriam penitências nem dízimos, e apenas a vida seria celebrada.

E somente assim, se eu fosse Deus, observaria do alto de uma nuvem, segurando meu cajado, os homens satisfeitos, olhando para cima, vociferando sem temor algum: seja feita a vossa vontade.


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