Ser adulto tem dessas. A vida, ávida por resposta, pergunta, cem vezes ao dia, onde vamos. A resposta, sempre tão clara ou que nunca se fez necessária aparecer, agora se esconde por entre a paz do caixa eletrônico e a audácia do tempo.
Sinto, metafisicamente, que todos que algum dia militamos ou acreditamos na possibilidade de um mundo diferente, estamos imersos em uma crise. Não é uma crise financeira, moral, ou política. Trata-se de uma crise de ideias. Ainda não preenchemos a lacuna deixada pelo muro de Berlin e os gritos esparsos de poucos acabam dissolvidos no vento. Quando finalmente tem-se muitos de voz grossa a gritarem juntos, não se sabe pelo que se grita. Sabe-se apenas contra o que se grita. E que gritar é preciso.
E neste instante, quando as respostas teimam em se ocultar, o mundo parece uma difícil dicotomia entre a dignidade e a conveniência, que brigam entre si dentro de cada um de nós.
Kafka, em um personagem preso sem motivo aparente, mostrou como parecemos imbecis quando buscamos o avesso das regras do mundo, por mais que saibamos da opressão que sofremos. Parece ainda mais tola uma contestação em plena liberdade democrática. É também dele uma frase que diz muito sobre nossa sinuca de ideias: “o verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada no alto, mas logo acima do chão. Parece mais destinada a fazer tropeçar do que a ser percorrida”. Albert Nobbs, que está nos cinemas, estava tranquilo e conformado com uma vida de humilhação onde não podia ser ele(a) mesmo(a), até que despertou sua teimosa vontade de se libertar.
Optar entre ser como o leão que mata o leopardo para que seus filhotes não sejam atacados ou como a hiena, que sorri por não ser ela a vítima da vez. Machado de Assis expôs todo esse dilema em Prudêncio, um escravo que, logo após conseguir a alforria, tem como primeiro ato de liberdade a compra de um escravo para si. Tornar-se senhor de si mesmo não bastava, precisava ser senhor dos outros.
A resposta pra tantas indagações não são encontradas em livros. Nem pensadores, nem romancistas. Nossa geração acabou sendo, pra bem ou pra mal, a geração da bricolagem, onde misturamos Kafka com Fellini, Marx e Buñuel, batemos tudo no mesmo liquidificador e tentamos criar algo novo. Mas para além da bricolagem teórica, é a vez da bricolagem prática.
Os mesmos megafones não vão conseguir resolver. As mesmas seis mil pessoas desnorteadas ao ouvir o megafone também não serão suficientes. A bricolagem prática está mais próxima da ação direta, das Zonas Autônomas de Hakim Bey, da guerrilha urbana de Banksy, do teatro de rua paulistano, das prostitutas espanholas, da revista Miséria, das novas ocupações. Mais do que palavras de ordem, e busca de teorias, são as práticas de cada dia, em cada microcosmo, em cada escolha pela dignidade, que vão levar ao fim da crise de ideias. Parece uma teoria empresarial, mas quando nenhum procedimento está consolidado, só mesmo a tentativa e o erro para construí-lo. Neste caso, a incoerência é uma virtude. Não temos padrões de condutas pré estabelecidos, mas não façamos disso um limite, pelo contrário.
Ou, em mais uma bricolagem, agora com John Lennon, “a vida é aquilo que acontece enquanto você está planejando o futuro”.
1 palpites:
O texto está bem escrito e tem ideias boas. Mas acho que confunde uma crise pessoal com a crise política do mundo. A frase final mesmo fala sobre a vida, sobre uma relação pessoal e individual. No entanto os exemplos falam de questões políticas.
Acho que os objetivos e modo de ser são um pouco diferentes não necessariamente estão relacionados. A crise pessoal pode ser por uma namorada e a política pela recessão europeia.
Agora a "dicotomia entre dignidade e conveniência" é cada vez mais verdade, gostei muito da ideia.
Postar um comentário